A arte de bajular
O marketing da adulação exige tanta ou mais criatividade que o resto da propaganda pra não parecer suborno, puxa-saquismo
O marketing da adulação exige tanta ou mais criatividade que o resto da propaganda pra não parecer suborno, puxa-saquismo
Meio & Mensagem
16 de abril de 2014 - 6h18
Por Julio Xavier (*)
Outro dia, estava na praia do Pinto, em Ilhabela (calma, pra quem não conhece, não é uma praia de nudismo), sentado confortavelmente, instalado à sombra da minha barraca, parte da Tenda do Murico. Eu tomava água de coco e lia, quando senti um jorro de água fria nos pés, que estavam torrando ao sol.
Era ele, Murico, o dono, refrescando meus pés sem que eu tivesse pedido. E fazia isso sem cessar pelas dezenas de barracas espalhadas pelas areias escaldantes da praia, que queimavam os pés dos seus clientes como no comercial de Itaipava. Isso não existe em nenhum lugar do mundo, pensei cá com meu umbigo. Fora a qualidade da comida. Esse caiçara sabe como cativar um cliente.
Depois vendo a série Mad Man, década de 60, com toda a orgia e muito dinheiro gasto com clientes e mulheres, lembrei da água nos pés e como pode ser barato fazer média com o freguês, usando criatividade e dedicação. Sim, porque o marketing da adulação exige tanta ou mais criatividade que o resto da propaganda pra não parecer suborno, puxa-saquismo.
Outro exemplo: estava na lanchonete do mais caro e suntuoso hospital do Brasil, depois de visitar um parente internado na UTI. No atrium, um trio de idosos começou a tocar velhos tangos. Clássicos que minha mãe tanto amava, como "Por Una Cabeza" da magistral cena de dança de Al Pacino cego. Apenas um baixo acústico, uma sanfona que valia por um bandoneon e um violino. E os cabelos brancos. Tocavam com sentimento, eram perfeitos.
Me fizeram lembrar também do organista cigano que cantava como Louis Armstrong no restaurant Le Mas Provençal em Eze, Cannes. Ficava vidrado nos seus improvisos de jazz. Quando soube que éramos brasileiros, da BossaNovaFilms, começou a tocar os clássicos de Tom Jobim. No intervalo, veio até nossa mesa e pergunta ao meu ouvido se eu era músico também. Respondi que tinha sido na juventude, mas não tocava mais. Perguntei como ele descobriu. Ele: “pelo seu olhar…”.
Voltando ao hospital, vi uma senhorinha idosa sentada na mesa ao lado. Não sei se visitante como eu ou paciente tendo alta. Atenta aos tangos, ao final acenava com a cabeça afirmativamente em gesto de aprovação pela excelência da execução (em um hospital não se deve aplaudir). Ao término da música, ela se levanta e vai, vagarosamente, em direção aos músicos.
Fui até o caixa pagar a conta, quando ouço o tema Laura, trilha do filme com Gene Tierney, uma das minhas músicas prediletas da infância e juventude, e até hoje, principalmente quando tocada por Erroll Garner ao piano. Ou cantada por Johnny Mathis.
Ela vinha voltando à mesa, vagarosamente. Surpreso, fui até ela:
-“Desculpe perguntar, mas a senhora conhece essa melodia que eles estão tocando? A Senhora pediu a eles?”.
– Ela me repondeu, com os olhos rasos d’agua, enquanto se sentava com dificuldade: “Conheço, mas não pedi. É que quando eu fui cumprimentar os músicos, eles perguntaram meu nome…”.
Adivinhem.
* Julio Xavier é sócio e diretor da BossaNovaFilms.
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