Dirigente da Fifa que está preso aceita extradição para os EUA. Investigações da Justiça americana continuam fechando cerco à entidade. Fundador do movimento Bom Senso analisa impacto sobre o futebol e o papel das marcas para uma nova era do esporte, com mais transparência
Passado o primeiro aniversário do humilhante 7 a 1 na Copa do Mundo, o Brasil mantém sua atenção nas seções e programas de esporte, mas desta vez o foco vai para modalidades olímpicas. Depois de ter se dedicado a lembranças e análises do apagão da seleção brasileira diante da Alemanha, a mídia agora amplia espaço para a disputa do Pan-Americano em Toronto, no Canadá, que tem nesta sexta-feira, 10, sua cerimônia de abertura. Entretanto, as agruras do futebol seguem reverberando porque as investigações em torno dos escândalos de corrupção da Fifa continuam em curso nos Estados Unidos. A Justiça americana e o FBI determinaram em maio a prisão de sete dirigentes da entidade, entre eles José Maria Marin, ex-presidente da CBF, sob acusação de pagamento de propina nas negociações de direitos de transmissão e na escolha de sedes para os Mundiais. Nesta sexta-feira, 10, a Justiça suíça revelou que um dos dirigentes, que estão presos no país, aceitou ser extraditado para os EUA. O nome do cartola, entretanto, não foi revelado.
Enquanto as investigações prosseguem, Joseph Blatter, presidente da Fifa, procura defender a imagem da Fifa, dizendo que a federação não esteve envolvida diretamente com corrupção. Segundo Blatter, os casos teriam sido conduzidos pelas confederações, sem a interferência da entidade. O comandante da Fifa, que chegou a colocar seu cargo à disposição, terá uma reunião com outros executivos do órgão no dia 20 para estabelecer uma nova eleição para presidência. A Fifa também tomou a decisão, na quinta-feira, 9, de banir do futebol (de qualquer atividade organizada pela entidade) o principal delator do esquema de corrupção, Chuck Blazer, ex-secretário-geral da Concacaf, que responde pelo futebol nas Américas do Norte e Central e no Caribe. De acordo com a federação, ele infringiu sete artigos de seu código de ética.
A crise da Fifa também se estende ao Brasil. Uma série de reportagens do Estadão apontou que a CBF teria negociado escalações de atletas e amistosos da seleção brasileira para favorecer “parceiros comerciais”. Em vista de tudo isso, e com a expectativa de que muito mais ainda surgirá com o avançar das investigações, o ex-jogador Alex de Souza, que atuou no Coritiba, no Palmeiras e na própria seleção, tem discutido com o Congresso Nacional e com outras instâncias do futebol para que se busque uma maneira de a CBF ser mais transparente e democrática. Alex é um dos fundadores do movimento Bom Senso, nascido em setembro de 2013 originalmente para debater a organização de um calendário mais organizado para os atletas.
O ex-jogador esteve em Brasília na terça-feira 7 para uma reunião com o ministro do Esporte, George Hilton, para pedir apoio à Medida Provisória 671, chamada MP do Futebol. Entre as propostas está garantir que o dinheiro arrecadado pela seleção brasileira seja aplicado ao esporte e que esses valores sejam disponibilizados de modo transparente. Uma das contrapartidas ao refinanciamento de dívidas dos clubes brasileiros está o investimento no futebol feminino.
Alex conversou com Meio & Mensagem recentemente sobre o impacto das denúncias sobre o futebol brasileiro, que necessita de mudanças profundas. Precisa entrar em uma nova era. Para ele, o futebol não está com sua imagem arranhada, e sim a organização dele (confira no vídeo abaixo). O fundador do Bom Senso acredita que este é um momento para o futebol brasileiro se reinvente, com um movimento pela transparência das contas e pela democratização de suas decisões, que seriam tomadas com participação de todos os players: clubes, jogadores, entidades, marcas. Dentro desse processo, os patrocinadores têm importância vital, sobretudo cobrando para onde vai o dinheiro que investem. Sem o apoio das marcas, o elo que sustenta o futebol acaba, declarou Alex.
Confira na sequência outros trechos da entrevista.
O torcedor e a reinvenção do futebol
O futebol tem de ser inserido na questão social. Faz parte da sociedade. Ele não é mais importante do que saúde e educação, mas é importante. Porque as pessoas perdem tempo com isso, gostam disso, discutem isso. Como o torcedor pode participar? Da mesma forma como ele deve ter participação em outras coisas. Até acho que a participação dele no futebol talvez seja maior do que em outros setores da sociedade. Se a pessoa tem um problema num posto de saúde, às vezes ela sai triste, mas não comunica a ninguém. Se você tem problema com seu clube, já começa a questionar. Vai para a rede social. A forma como a sociedade pode participar é elegendo seus representantes (no Congresso). E, a partir disso, exigir coisas dessas pessoas. Aí, entra a discussão em torno da CBF, que sempre se coloca como entidade privada – e realmente é –, mas ela se utiliza de um poder público muito grande. A CBF se utiliza da bandeira e das cores do País, da paixão do povo brasileiro. Como entidade privada, ela ganhou muito dinheiro com a seleção brasileira. A CBF trata bem a seleção brasileira. Mas o patrimônio que é o nosso futebol… disso ela não tem tratado de maneira correta. A exigência que as pessoas podem ter é que o esporte seja fomentado e que o dinheiro que a entidade ganha seja colocado no futebol brasileiro. Para que ele possa se reinventar, porque chegou esse momento. Se a coisa não for diferente, realmente dentro de pouco tempo as dificuldades do nosso futebol vão ser maiores.
O que quer o Bom Senso
Ele surgiu a partir de um jogo do Coritiba contra o Internacional. O Internacional iria fazer cinco partidas em 12 dias. O Dunga era o treinador e se discutia como ele trabalharia com o elenco nesses 12 dias. Na troca de camisas, eu, jogando pelo Coritiba, e o Juan, pelo Internacional, conversamos sobre isso. Dizíamos que era preciso fazer algo para que o calendário louco fosse diferente. Dias depois, o Paulo André entrou em contato comigo e a gente trocou uma ideia a respeito disso. A gente marcou uma reunião em 30 de setembro de 2013, com vários capitães de times de série A e série B, em São Paulo. A discussão ficou em dois pontos: calendário e fair play financeiro. É muito difícil um time de futebol terminar o Campeonato Brasileiro no início de dezembro e ter de se apresentar no início de janeiro. O fair-play é a coisa de poder gastar o que tem. Se na sua casa está com problema financeiro, você não vai gastar mais do que tem. Os clubes brasileiros fazem isso ao longo de muito tempo. E quando se apertam batem na porta da CBF, que abre a porta da televisão. Assim se faz uma engenharia e os clubes ficam presos à CBF e à televisão. Esse foi o início do Bom Senso. A gente não tem poder de execução. O poder de mudança está na mão de quem manda. Quem manda é a CBF. E as federações. Os clubes não têm como mandar porque estão presos às federações e à própria CBF. E aí chegamos a uma discussão, que antes se chamava Pro-Forte e hoje é a MP (Medida Provisória) 671, que é uma situação de proteção ao futebol.
Cenário previsto
Não sei como será o texto definitivo da MP. Não sabemos como será no Congresso. Nosso movimento começou com jogadores discutindo calendário e chegou nessa situação (de ver os escândalos da Fifa). O que nos ajudou nesse período todo? É que tudo aquilo que a gente falava há dois anos está acontecendo hoje, em 2015. Uma discussão que era calendário culmina com uma situação que é o presidente da Fifa pedindo pra sair. A gente levou a discussão (da Medida Provisória do futebol) para a presidente Dilma, para a Casa Civil, para o Senado, para o Congresso. Mas quem tem o poder de legislar e executar são os políticos e os mandatários do futebol.
Transparência, patrocínio e sobrevivência
Se você está fazendo negócios, e eles envolvem futebol, envolvem patrocinador, não tem por que não falar do que está acontecendo. Hoje há coisas obscuras aparecendo. As pessoas ficam embasbacadas. Quando falamos em transparência, é muito simples: transparência nas contas. Os patrocinadores são parte envolvida no espetáculo. Quando falamos de democratização, o patrocinador também entra. Todas as partes envolvidas têm de saber para onde está indo o dinheiro. É, na verdade, uma corrente. Se em algum momento o elo for quebrado, o futebol acaba. Quando falamos em jogo limpo, em transparência, isso vale para todo mundo. Desde o comportamento do jogador até o patrocinador, até o presidente de clube. Na verdade, o que todos pedem é que seja um negócio limpo, claro para todo mundo. Não vejo problema nisso. Inclusive para quem está colocando dinheiro. Se você tem dinheiro e estão pondo em algum lugar, o mínimo que é preciso saber é para onde ele está indo, de que forma está chegando ao destino final. O patrocinador é peça importantíssima nisso. É para o esporte como um todo. E a gente tem visto escândalos na federação de tênis, na de futsal, na de vôlei. Então, é legal que essas investigações (da Justiça americana e do FBI) aconteçam e que se chegue a uma conclusão. É que, a partir disso, a coisa seja mais clara para todo mundo.