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Opinião

O que está por trás da disputa entre Apple e Epic Games

Há uma importante discussão sobre poder e responsabilidade das big techs


18 de agosto de 2020 - 15h49

(Crédito: Reprodução)

O noticiário sobre games foi ocupado por uma manchete impactante na última quinta-feira, 13. Uma das mais bem-sucedidas e populares franquias da atualidade, o Fortnite, foi removido das lojas de aplicativos da Apple e do Google, impedindo que novos usuários façam seu download por meio dessas plataformas.

A decisão foi motivada porque a Epic Games, desenvolvedora do jogo, implementou um meio de pagamento direto para as transações realizadas para a aquisição de moedas ou outros acessórios dentro do game, sem o intermédio da Apple e do Google, evitando a cobrança da tarifa de 30% do valor da transação intermediada pelas gigantes de tecnologia.

As big techs argumentaram que a Epic violou as políticas da App Store e da Play Store – as lojas de aplicativos de Apple e Google, respectivamente – ao oferecer esse novo meio de pagamento dentro do Fortnite. A transação feita diretamente com a desenvolvedora do game, aliás, oferecia um desconto de 20% em relação ao valor cobrado no negócio feito pelas lojas de aplicativos, o que foi usado como um alerta para os consumidores sobre a cobrança da tarifa relativa à intermediação e um incentivo para a utilização da nova forma de pagamento.

Embora a Epic não tenha se pronunciado sobre o banimento da Play Store, a decisão da Apple desencadeou uma declaração de guerra da desenvolvedora contra a companhia.

Além de uma ação publicitária agressiva nas redes sociais, em que incentiva os jogadores de Fortnite a se mobilizarem contra a Apple, a Epic ainda distribuiu uma ação judicial junto à District Court for the Northern District of California, em que acusa a Apple de adotar condutas anti-competitivas e monopolísticas, instrumentalizadas nas políticas da App Store.

Essa disputa passa longe de versar apenas sobre o acesso dos usuários ao Fortnite e a disponibilização do game em telefones celulares.

Os questionamentos contra a gestão e políticas da App Store não são um movimento recente, tanto assim que a Comissão Europeia, em junho desse ano, abriu uma investigação formal contra as políticas de utilização da loja de aplicativos da Apple para avaliar os impactos na concorrência com relação à utilização obrigatória do sistema de pagamento próprio oferecido pela plataforma e a restrição para que os desenvolvedores dos aplicativos instituam, ou mesmo informem os usuários sobre alternativas existentes.

O movimento na Europa iniciou com reclamações feitas em 2019 pela Spotify e, posteriormente, também pela distribuidora de e-books Rakuten. Ambas questionaram a tarifa cobrada pela Apple nas transações realizadas dentro dos aplicativos pelo sistema de pagamento da App Store, no patamar de 30% do valor do negócio realizado, alegando que a medida traz prejuízos aos desenvolvedores e aos consumidores, além de inviabilizar o desenvolvimento de sistemas de processamento de pagamento próprios.

Em sua defesa, a Apple argumenta que a tarifa de 30% é revertida para que a própria App Store seja mantida, além de financiar a implementação das diretrizes de privacidade e segurança, sendo este o preço pago pelos desenvolvedores para usufruir de uma plataforma de distribuição de aplicativos confiável e popular entre os consumidores.

Apesar do intenso debate, nenhuma companhia, até então, havia tomado qualquer medida concreta que contrariasse efetivamente a política da Apple sobre o uso do sistema de pagamento oferecido pela App Store, limitando-se a reclamar junto a autoridades públicas ou, como já fez a Netflix, suprimir a possibilidade de assinar os serviços por meio do aplicativo baixado na loja.

Assim, a atitude da Epic foi pioneira. Nenhuma desenvolvedora havia implementado um sistema de pagamento próprio, em concorrência com aquele oferecido pela Apple, justamente pelo temor de que esta atitude fosse sancionada, o que ocorreu no caso.

O processo judicial movido nos Estados Unidos também representa um passo a mais nessa mobilização contra as políticas da App Store e a suposta violação às normas de proteção da concorrência. A luta da Epic pelo reconhecimento da ilicitude das condutas da Apple, no que tange a vedação ao desenvolvimento de um sistema de pagamento alternativo e o valor cobrado pelas transações realizadas dentro dos aplicativos pelo meio de pagamento da própria App Store, é a primeira medida do tipo de que se tem conhecimento naquele país.

A Epic sustenta que a Apple estabelece restrições irracionais e ilegais, com objetivo de monopolizar o mercado e impedir o acesso pleno de desenvolvedores de aplicativos aos usuários dos gadgets da Apple (especialmente, iPhone e iPad), dada a inexistência uma plataforma diversa da App Store para distribuição dos aplicativos e a imposição da utilização do serviço de processamento de pagamento da App Store, que cobra uma tarifa aproximadamente dez vezes maior do que outros sistemas que prestam o mesmo serviço, como, por exemplo, o PayPal.

Os impactos da adoção dessas políticas são sintetizados pela Epic na própria petição inicial do processo, ao apontar que (I) os distribuidores de aplicativos são prejudicados pela ausência de espaço para desenvolver um produto capaz de concorrer com a App Store; e (II) os desenvolvedores, a seu turno, têm sua atuação obstada pela impossibilidade de utilizar plataforma diversa, precisando se sujeitar ao pagamento da tarifa de 30%, o que também travaria o surgimento de um ecossistema de agentes dedicados ao desenvolvimento de novas formas de pagamento em aplicativos.

Nesse cenário, os consumidores sofreriam com uma limitação de produtos que lhes são oferecidos, além de pagarem mais caro para utilização de serviços relacionados aos aplicativos, dado que a tarifa de 30% cobrada pela Apple acaba embutida no preço cobrado pelas desenvolvedoras, mostrando o enorme alcance dos impactos das políticas adotadas na App Store.

A briga ainda se insere um contexto de intenso escrutínio de autoridades, políticos e da população como um todo sobre as big techs, bastando rememorar a audiência a que os CEOs da Amazon, do Facebook, da Google e da própria Apple foram submetidos, há poucas semanas atrás, no Congresso norte-americano, quando, inclusive, as problemáticas relacionadas à App Store estiveram em pauta.

Agora, com o levante da Epic, a disputa e a troca de acusações entre diversos agentes envolvidos no mercado digital ganha um novo capítulo.

O jogo da vez é muito mais complexo do que simplesmente sobreviver em uma arena virtual, como ocorre no Fortnite. Por trás da distribuição do game, há uma importante discussão sobre poder e responsabilidade das big techs.

**Crédito da imagem no topo: Reprodução

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