A proteção da privacidade e da diversidade na Inovação Digital
A tripartição dos Poderes, com seus pesos e contrapesos que equilibram e favorecem a igualdade, estão ligados a atividades que promovem maior segurança de direitos
A proteção da privacidade e da diversidade na Inovação Digital
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5 de agosto de 2024 - 11h45
A intersecção da privacidade com outros direitos fundamentais permeia debates recorrentes na sociedade digital. É neste contexto que reside a reflexão de ter garantido o pleno respeito às questões identitárias que envolvem a privacidade e a proteção de dados, considerando a massificação do processamento de informações no nosso cotidiano.
Dialogar sobre proteção da identidade é discutir a própria garantia do direito do indivíduo de existir e se expressar, de modo a exercer seu papel na sociedade, colaborando para a democracia e, sobretudo para a pluralidade de pensamentos e ideais que se insere em um Estado Democrático, fomentando inclusive avanços tecnológicos e sociais na história.
A celebração do orgulho de ser e existir da comunidade LGBTQIA+ , celebrado anualmente no mês de junho, destaca nuances significativas por representatividade e direitos individuais de viés constitucional que permeia o pleno desenvolvimento dos cidadãos de exercerem sua cidadania com base em princípios e garantias fundamentais. Muito se fala do marcante divisor de águas motim de Stonewall, marcado pelo evento inserido num contexto social e político que culminou na voz de cidadãos que não se encaixavam no espectro heterocisnormativo tanto no tocante à sexualidade quanto na identidade de gênero. O movimento ocorrido na década de 60 abriu precedentes para a luta por direitos, mudanças legislativas, atos afirmativos (como as famosas paradas gay) ao redor do mundo, o que pavimentou o caminho para que a luta pela igualdade ganhasse espaço.
Graças ao ativismo de muitos, anos depois vieram marcos históricos para a comunidade como a remoção da homossexualidade do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e, em alguns países, a legalização da adoção por casais homossexuais e do casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos e em outros países, como no Brasil em 16 de maio de 2013, por meio de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) . Antes dessa data, casais LGBT no Brasil só podiam formalizar sua união por meio da união estável.
Baseando-se no direito comparado e adentrando nas questões concernentes à privacidade, um dos casos que ilustram os tramites judiciais e legislativos acerca do tema é justamente o caso de Lawrence v. Texas (2003) pavimentando o entendimento de que, acima de tudo, o respeito às orientações sexuais e identidades de gênero dos indivíduos possui um tom estritamente personalíssimo e totalmente vinculado à autodeterminação do indivíduo, a privacidade e ao modo como a pessoa se mostra e será vista perante todos com algum grau de participação social.
No cenário atual, tem-se que os algoritmos utilizados pelas big techs baseiam-se em uma sociedade estruturada em processamento massivo de dados e metadados nas decisões tomadas unicamente em tratamento automatizado, inferindo informações sobre todos os indivíduos, trazendo certa vulnerabilidade para parcela da população.
Se por um lado o indivíduo pode socializar de maneira mais ampla, adentrar em comunidades de onde encontre aceitação e acolhimento tendo contato com pares, por outros os ataques cibernéticos afetam constantemente a psique das pessoas vítimas de homofobia, transfobias e outras neologismos que seguem o mesmo padrão. Logo, se por um lado todos passam a ter voz, muitas vezes seus discursos ainda são mais ouvidos e compreendidos em bolhas digitais específicas e segregadas.
Interpretando Baumeister e Leary (1995) , vale aludir ao conceito identitário estritamente vinculado à necessidade fundamental e instintiva de pertencimento de todo e qualquer indivíduo a um grupo ou comunidade. É justamente o fator coletivo que favorece a vida em sociedade e nos desenvolve como seres intelectualmente ativos, dotados de fortes conexões comportamentais. Assim, o fortalecimento de uma coletividade reconhecido por toda a população global reforça a liberdade de pessoas incluídas no espectro da diversidade sexual e de gênero. Para isso, ações afirmativas institucionais e, sobretudo, governamentais são necessárias no Estado Democrático de Direito, que possui a premissa voltairiana de que a pluralidade caminha lado a lado com a evolução social e jurídica.
A tripartição dos Poderes, com seus pesos e contrapesos que equilibram e favorecem a igualdade, estão ligados a atividades que promovem maior segurança de direitos. Logo, a representatividade política (direta e indireta) e administrativa é uma forma de garantir a proteção e o avanço do bem-estar existencial da comunidade queer.
O perfilamento social por meio das interações, geram conteúdo valioso para as grandes empresas e as marcas que as tem como plataforma de publicidade, onde, inclusive órgão governamentais constantemente possuem acesso. Contudo, as questões concernentes à vida sexual das pessoas possuem um caráter íntimo profundo e que podem impactar de forma direta e extremamente perigosa diversas pessoas que não estão preparadas ou não querem ser identificadas como sendo de determinado grupo social.
Justamente por isso que o legislador, quando tratou de dados pessoais na Lei Geral de Proteção de Dados, classificou dados sobre a vida sexual dos titulares como dados pessoais sensíveis que obtém maior proteção e resguardo por parte do texto legal, sendo extremamente bem-vinda a atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados regulamentar mais profundamente o tema como em questões sobre a sensibilidade extra de dados de saúde de pessoas transexuais e não binárias e a categorização do nome social como sensível ou não por meio de publicações baseadas em ampla consulta à comunidade atingida.
Há situações em que países investigam e empresas perfilam comportamentos, direcionam conteúdos e segregam pessoas por grupos ou preferências. Assim, em uma sociedade que ainda possui preceitos tradicionalistas ser exposto sem que se deseje pode impactar diretamente a vida de milhões de pessoais. Aliás, não é à toa que recorrentemente estatísticas e relatórios de organizações de direitos humanos mostram que o Brasil é frequentemente classificado como um dos países onde ocorrem mais assassinatos de pessoas LGBTQIA+ .
Ademais, com o advento do ChatGPT em junho de 2020, como parte do projeto GPT-3, trouxe à mesa discussões acaloradas acerca do tema. É certo que as minorias de todas as categorias estão sujeitas aos vieses e decisões automatizadas. Com o público LGBTQIA+ não é diferente, não sendo raras as confusões de gênero e orientação sexual por sistemas de machine learning, deep learning e processamento de linguagem natural (NLP), sobretudo no que se refere às pessoas trans e não-binárias. Sendo que a inclusão da representatividade de maneira end-to-end, com protagonismo e inclusão pode minimizar os efeitos adversos para os cidadãos.
São muitas as nuances a serem consideradas quando se fala de privacidade e vida sexual, o direito de existir e pertencer. A comunidade LGBTQIA+ ganha os holofotes no decorrer do mês do orgulho, mas é durante todo o ano tanto em âmbito digital quanto físico que as ações afirmativas devem colaborar para que seja possível a construção de maior proteção a identidade, com pessoas de todos os espectros da sexualidade tendo direitos e garantias vinculados e sua autodeterminação, existência e, sobretudo, privacidade, sendo, assim, garantido o direito de maior representatividade nos ambientes sociais, políticos e econômico ou, caso prefiram, não ter qualquer exposição que o indivíduo possa permanecem no anonimato de forma digna e segura.
Por Patricia Peck sócia-fundadora de Peck Advogados, head de Políticas Públicas do Instituto Norberto Bobbio e membro titular do Conselho Nacional de Cibersegurança, e Gustavo Sabio, advogado especializado em Compliance e Proteção de Dados em Peck Advogados
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