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3 de julho de 2019 - 14h55
Por Francisco S. Homem de Melo (*)
Quando falamos sobre ligar metas à remuneração (geralmente bônus) de maneira direta, nos referimos à insistência de algumas empresas em associar o batimento de metas à remuneração de maneira matemática. Por exemplo: Roberto é gestor de marketing da e tinha como meta elevar o market share da empresa a 35% (a partir dos atuais 30%). No fim do ano, apurou-se que a participação da empresa no mercado era de 34%, ou seja, Roberto bateu 80% da sua meta.
O RH, então, pegou os 80%, comparou-os com a tabela de PLR e percebeu que a regra é que, quando um funcionário bate 80% da meta, ele ganha dois salários mensais de bônus. Nosso objetivo com esse artigo é mostrar diversos exemplos práticos que ilustram como é complexa e pouco produtiva essa prática. Não faz sentido associar diretamente metas e remuneração porque, nem sempre, meta é sinônimo de performance. Um exemplo que temos usado muito: Hermes e Renato são vendedores e, ambos, como metas de vender R$ 100 mil. Ao fim do ano, Hermes e Renato apuram suas vendas do ano e fecham suas metas com R$ 90 mil em vendas, ou seja, batem 90% de suas metas.
Faz sentido que ganhem a mesma coisa? Agora vamos adicionar um grau de complexidade à decisão: Hermes cobre o setor de construção civil, e Renato, o de agronegócio. Em 2016, aproximadamente cinco mil construtoras e incorporadoras fecharam suas portas em meio à grave crise impulsionada por desemprego e juros altíssimos. No mesmo ano, o setor de agronegócio passou bem pela crise: o real desvalorizado tornou os produtos agrícolas brasileiros mais baratos no mercado estrangeiro, o que potencializou as exportações aos países desenvolvidos. Dado esse cenário, Hermes teve um ano dificílimo e, mesmo assim, bateu 90% da sua meta. Virou incontáveis noites, procurou novos clientes no interior do Brasil. Renato, por sua vez, teve um ano bastante típico: vendeu para sua carteira tradicional de clientes, sem grandes acrobacias.
E agora, faz sentido que ganhem a mesma coisa? Mais do que isso: se pagarmos a mesma coisa aos dois, estamos sendo meritocráticos? Meu ponto aqui é que tentar medir performance com base em uma simples continha matemática, raramente, produz resultados justos. O “modelo matemático” de performance é daqueles multivariados, impossíveis de se prever. Ademais, avaliar performance é o trabalho do gestor de pessoas. Se você concordou comigo que o exemplo anterior, do Hermes e do Renato, é longe do trivial, você também concorda que se queremos ligar diretamente % de batimento de metas e remuneração teremos que ser muito mais precisos na “contratação” das metas. Talvez, se tivéssemos previsto que o ano do Hermes seria muito mais difícil do que o ano do Renato, poderíamos ter dado ao primeiro uma meta mais baixa, para tornar a conta mais justa.
Assim, Hermes com a sua meta de vender R$ 60 mil e Renato com a sua meta de R$ 100 mil estariam jogando um jogo justo e equilibrado. E como podemos chegar a essa conta? Para esse caso, a empresa pode contratar uma consultoria econômica e pedir a ela que faça projeções sobre as perspectivas de cada setor (crescimento, margens de lucro entre outros indicadores para o ano) e, a partir deles, ser feita uma estimativa. A empresa deve fazer uma série de reuniões e validações das metas contratadas, e melhor ainda, criar uma área interna de “performance”, cuja principal responsabilidade será ter certeza de que todos possuam metas “justas”, que levem em conta todas as nuances de cada função. Assim, com as metas corretas, minimizamos a chance de termos um bônus relacionado às metas injusto.
E se, no meio do ano, o Presidente do Brasil cai de amores com o setor de construção civil e outorga uma nova Medida Provisória que diz que todas as construtoras e incorporadoras não precisarão pagar mais impostos e que, além disso, receberão empréstimos a custo zero do BNDES? Renato, que tinha uma meta de R$ 60 mil, agora pode ser agraciado com um segundo semestre excelente. Se ele vender R$ 80 mil com uma meta de R$ 60 mil, vai ter batido 133% da sua meta, e vai ganhar sem dúvida um bônus mais agressivo do que Hermes. Isso é meritocrático?
Hermes receberá um bônus em função da média ponderada do seu atingimento de metas na área antiga, que contará por oito meses e alguns dias, e da área nova, que contará por três meses e alguns dias. Uma simples equação:% de atingimento do ano = (% de atingimento da função antiga x fator de ponderação i) + (% de atingimento da função nova x fator de ponderação ii). Fator de ponderação i e ii = dias corridos na função i e ii / 365. Aí o Hermes se informa dessa conta e fica um pouco preocupado: ele estava trabalhando em um negócio enorme com a construtora Tabajara, e estava marcado para sair depois de 25 dias da sua troca de função. Hermes apresentou o novo vendedor, Dimas, que o substituirá, ao pessoal da Tabajara, e Dimas ficará apenas imbuído de assinar na linha pontilhada. Ou seja, a % do atingimento das metas de Hermes na semana de sua troca não refletirá o importante trabalho que ele fez com no grande negócio.
Ora, mas ele terá a nova função para bater metas nos meses restantes do ano, certo? Mais ou menos: os três meses do ano são muito fracos na área de Operações, pois o ano fiscal já acabou para a matriz, e nenhum projeto sai do forno na época. O que fazemos? Ajustamos a fórmula no caso a caso? Deixamos o Hermes com as metas da função passada (se sim, qual a “linha de corte” a partir da qual isso acontece?) E se a mudança fosse em abril, o que aconteceria?
Agora vamos imaginar que a área administrativa da empresa tenha um analista chamado Toninho. Ele, diferentemente do Hermes e do Renato – que estão na área comercial, portanto, com remuneração variável e mais agressiva – tem bônus máximo possível é de dois salários no fim do ano. Toninho chega em setembro, e percebe que não vai conseguir bater a meta, de reduzir em 40% o tempo médio de processamento de um pedido. Além de saber que não vai bater a meta (ele só conseguiu reduzir o tempo em 10% até agora, e não vê muito bem como reduzir o tempo ainda mais), também sabe que não vai ganhar um bônus: ele só ganharia alguma coisa se batesse pelo menos 80% da meta.
Assim, Toninho pensa: “eu não vou me esforçar para melhorar o resultado nessa meta já que não vou ganhar bônus mesmo. Vou correr atrás da meta para bater 75% dela e ficar a ver navios? Prefiro ficar tranquilo”. Ou seja, metas diretamente associadas a bônus criam um contrato implícito, que diz que a decisão de bater ou não meta é do funcionário: quem perde é ele e, ganha, quem batê-la.
É necessário que gestores e funcionários estabeleçam metas relevantes, alinhadas com o negócio e ambiciosas. Após combinarem metas, precisam acompanhá-las semanalmente (ou quinzenalmente) em reuniões de time, passando por cada uma das metas, seu status, próximos passos etc. O funcionário precisa ser responsável pela meta, e quem garante isso é o seu gestor direto. Ambos precisam avaliar de maneira honesta e transparente se as metas foram batidas. Mas, em última instância, quem dirá se Hermes ou Renato tiveram mais ou menos performance serão os gestores, após avaliarem em conjunto seus números, a economia do País, os negócios gerados pelo CEO da empresa, e todos os outros fatores observados durante o ano. É essa sua função.
(*) Francisco Homem de Melo é fundador da Qulture.Rocks, software de gestão de desempenho. Especialista e estudioso em cultura organizacional. Autor do livro The 3G Way: Dream, People, and Culture, figurando entre os mais vendidos da Amazon em estratégia e negócios. Lança a próxima obra: “OKRs: Da Missão às Métricas”, com o objetivo de ajudar as empresas a implementar uma metodologia de metas direcionada para alcançar resultados.