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Opinião

Criatividade e engajamento ‘no agora’ alçam necessidades urgentes

Neste 25 de julho celebramos o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, o que nos impulsiona a refletir sobre os espaços conquistados e os que precisamos criar para esse grupo demográfico, que move a economia brasileira


25 de julho de 2022 - 9h17

(Crédito: Eoneren/istock)

O ano é 2022 e acabamos de romper o primeiro semestre. Julho deveria ser só mais um mês longo no calendário, mas ele traz consigo a força de uma data ainda pouco conhecida: o dia 25, onde comemoramos o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data foi criada para reconhecer a luta e a resistência da mulher negra contra a opressão de gênero, o racismo e a exploração de classe, mas ainda está bastante distante de ser comemorativa e eu posso provar o porquê.

Antes das evidências, eu quero dar um passo na história e relembrar – ou apresentar a você – uma das precursoras da luta da mulher negra na nossa sociedade, a líder quilombola Tereza de Benguela. Uma das primeiras líderes negras no Brasil, Tereza era símbolo de luta e resistência das comunidades negra e indígena e enfrentou a escravidão por mais de 20 anos. Digo “uma das primeiras líderes negras no Brasil” porque, no continente africano, esse era o nosso lugar. O de liderança, o de compactuar com homens em todas as tarefas, fossem elas dentro ou fora dos lares.
Depois de Tereza, a luta só foi crescendo e hoje, de acordo com dados do IBGE, mais da metade da população brasileira é negra. Mas ainda hoje, muito mais da metade da nação, as mulheres negras, protagonizam os piores indicadores sociais do país.

Vai anotando: 63% das casas do nosso país são chefiadas por mulheres negras. Muitas destas, passando por situações econômicas extremamente difíceis, m as garantir a vida e superar a miséria não são os únicos desafios. Muito pelo contrário. Se na liderança das casas somos maioria, nas grandes corporações o número de mulheres negras assumindo posições de liderança cai drasticamente para 3%.

Outro número que choca está no Atlas da Violência de 2021, que revela informações de 2019 e aponta que 66% de todas as mulheres assassinadas no país naquele ano eram negras. Enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de 2,5, a de mulheres negras foi de 4,1. Vou resumir: uma mulher negra tem 1,7 vezes maior chance de ser vítima de homicídio do que a mulher não negra.

Chegando em 2022, o podcast “A Mulher da Casa Abandonada”, de um renomado veículo de comunicação nacional, e um dos temas mais comentados do momento, traz o horror experenciado por uma empregada doméstica negra, que viveu em situação análoga à escravidão entre 1979 e 1998. A história dela abre gancho para outras histórias de mulheres pretas tratadas como escravas. Em pleno século XXI e à luz da era das redes sociais. Esse pode ser considerado o perfil de mulheres que ilustra o reflexo de mais de 300 anos de escravidão.

Contrapondo os números amedrontadores, temos algumas pequenas vitórias ao longo do percurso, que podem ser vistas como grandiosas quando pensamos no que representam. Pela primeira vez, os negros são maioria nas universidades públicas, como aponta a pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil” do IBGE. Hoje, já temos cientistas negras bem famosas, como a Jaqueline Goes de Jesus, que mapeou o genoma do coronavírus recentemente e ganhou até uma boneca com jaleco para estimular outras meninas negras a se desenvolverem nas ciências. Não há como frear, hoje ocupamos espaços únicos depois de séculos de escravidão. E, assim como Rosa Parks, a ativista negra norte americana que ficou conhecida por realizar um ato de desobediência civil na década de 50, no Alabama, nós não vamos mais descer de nenhum ônibus. As oportunidades dadas a nós são nossas e delas não abrimos mão.

Conjugo o verbo na terceira pessoa do plural desde o início do texto, porque sou mais uma mulher negra deste estrato social, a filha mais velha de três irmãs e a primeira a concluir a universidade na minha família materna – muito por influência e insistência da minha mãe, que, muita sábia, tinha certeza de ser essa a única solução para mudarmos a nossa história. A mãe dela, minha avó, que saiu adulta do interior da Bahia para tentar a vida em São Paulo, sempre se envergonhou por não saber ler e escrever. Mal sabia a dona Rosalva do conhecimento que carregava, ela foi uma das mulheres mais inteligentes que eu conheci e a melhor cozinheira também.

Acho que hoje, mesmo sem entender muito bem o que eu faço no trabalho, dona Rosalva se orgulharia da jornada que ela começou lá nos idos de 1910. Se orgulharia de ir comigo ao Vozes Negras, espetáculo teatral em cartaz até dia 7 de agosto e patrocinado pela Unilever, que conta a história de artistas negras e suas vivências, nos levando a refletir sobre as nossas raízes, onde celebramos a voz histórica – em todos os sentidos, que essas mulheres têm, e sobre o espaço que queremos conquistar. Se orgulharia da neta trabalhar em uma empresa que prepara, desenvolve e reconhece talentos negros, em um programa só nosso, o Prontidão. Programa esse que me faz lembrar de uma frase famosa de outra ativista negra, a Angela Davis, ao afirmar que “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.

Eu quero falar um pouco mais sobre o Prontidão, porque o programa já muda o ponteiro da diversidade racial na Unilever. Criado em 2020, ele tem como objetivo oferecer oportunidades de desenvolvimento e aceleração de carreira para talentos negros da companhia. Ao longo da jornada, 64% das participantes eram mulheres, colegas de trabalho das quais tenho um orgulho imenso, como a Daniele Jesus, Tania Costa e, mais recentemente, a Paloma Santos, que está à frente do programa para analistas. Porque não queremos que ninguém fique para trás. Outra frente que muda a forma como aceleramos a visibilidade da população negra na empresa e para além dela é o Fundo Afrolever, criado para acelerar a inclusão racial dentro e fora da companhia, com aporte de R$ 17 milhões, e que leva o nome do nosso coletivo racial. O Fundo conta com expertises de parceiros externos e já está potencializando iniciativas voltadas à representatividade negra em cargos de liderança, nos programas de atração de talentos, nas campanhas de marketing, em toda a cadeia de valor e também na comunidade.

Em nome da dona Rosalva, de Tereza de Benguela, de Rosa Parks, de Elisete Cardoso, de Marielle Franco, de Amy Ashwood Garvey, María Elena Moyano, de Suzanne Bélair e de tantas outras mulheres negras que lutaram, cada uma à sua época, uma batalha ainda distante de acabar, usemos este dia e os outros 364 do ano para repensar a maneira de encarar o mundo e de pré-conceber ideias e ações. Lutemos para acelerar oportunidades e fazer da mulher negra latino-americana e caribenha uma grande parte visível da sociedade, para pavimentar o caminho que favoreça a jornada que todas as pessoas que precisam ter os seus direitos respeitados e validados, para garantir mudanças de vida.

A hora de refletir, lutar e resistir é agora!

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