Esther Perel: “Até que ponto a IA é um canal para a intimidade artificial?”
Esther Perel mostrou como conexões facilitadas digitalmente estão diminuindo as expectativas de intimidade entre humanos
Esther Perel mostrou como conexões facilitadas digitalmente estão diminuindo as expectativas de intimidade entre humanos
Amanda Schnaider
12 de março de 2023 - 2h26
Você já conversou com alguém por horas sobre assuntos profundos e tudo que recebeu foi um “aham” ou uma mínima fagulha de atenção? Ou você já esteve em algum lugar onde todos ao seu redor estavam concentrados em seus celulares e não na conexão humana? Se sim, então você sabe o que é a “intimidade artificial”, conceito apresentado pela psicoterapeuta, autora e podcaster, Esther Perel, durante o SXSW 2023.
A apresentadora dos podcasts Where Should We Begin? (Por onde começamos?) e How’s Work? (Como está o trabalho?) usou o seu espaço em um dos maiores festivais de inovação, tecnologia e criatividade para criticar a tecnologia, principalmente, a inteligência artificial. Para isso, fez um jogo de palavras entre inteligência artificial e intimidade artificial. Utilizando-o, inclusive, no próprio título de sua apresentação: “A outra IA: a ascensão da intimidade artificial e o que isso significa para ‘nós’”.
No início de sua palestra, Esther explicou que recentemente um homem, que não havia conseguido se consultar com ela, resolveu recriá-la virtualmente, para conseguir ter um direcionamento psicológico. “Parte de mim ficou lisonjeada, parte se sentiu plagiada. Outra parte estava profundamente preocupada com as implicações clínicas e éticas disso”, disse.
A preocupação da psicoterapeuta tem embasamento, visto que, nos últimos anos, ela tem estudado justamente a conversão entre saúde mental, terapia e relacionamento com tecnologias de consumo. Na sua visão, a tecnologia está afetando e mudando o comportamento humano, e as noções de intimidade, consequentemente, estão sendo moldadas a partir disso. “Temos falado muito sobre inteligência artificial. Mas e a outra IA? Até que ponto a inteligência artificial é um canal para a intimidade artificial?”
Estrelas e tópicos em pauta no SXSW 2023
O criador de sua versão em inteligência artificial relatou que, após enviar uma mensagem de texto para a Esther virtual, atingiu “a maior clareza que já teve sobre seus relacionamentos”. Isso acendeu uma preocupação em Esther.
Para explicar porque o fato é preocupante, ela utilizou um conceito de outro psicólogo, Todd Essig. Ele diz que quando as pessoas recebem tratamento de saúde mental online, muitas vezes ficam tão satisfeitas quanto ficariam se fosse pessoalmente. Entretanto, os resultados quantitativos não são igualmente bons. “Os pacientes ficam satisfeitos porque abaixam suas expectativas de empatia, de intimidade, para corresponder ao que a tecnologia poderia proporcionar. Eles receberam cuidados menos eficazes, mas não reconhecem a diferença” acrescentou Esther.
Todavia, o que mais preocupa a psicoterapeuta não é a intimidade artificial com um bot, mas, sim, como as conexões facilitadas digitalmente estão diminuindo as expectativas de intimidade entre humanos. Ou seja, como a tecnologia e o uso cada vez mais intenso da internet está interferindo na intimidade entre humanos.
Vale ressaltar que Esther não demoniza a tecnologia, muito pelo contrário. Ela entende suas partes boas, como a facilidade de conexão entre as pessoas durante a pandemia, por exemplo. Porém, ao mesmo tempo, salientou que a conveniência trazida por ela, como o aviso de um calendário sobre uma reunião ou uma recomendação de música do Spotify, pode não ser benéfica. “Gosto que meus inconvenientes sejam removidos, mas, ao mesmo tempo, ficar desconfortável fazendo coisas que você acaba não gostando e correr riscos são algumas das maneiras pelas quais aprendemos quem somos e quem não somos”.
Esther entende que as experimentações e os fracassos são essenciais para o desenvolvimento da identidade das pessoas. E que quando se elimina os riscos, as oportunidades de aprendizado são eliminadas junto. “Nossas tecnologias cada vez mais preditivas, embora tenham resolvido muitos dos maiores inconvenientes da vida, também estão nos tornando despreparados e incapazes de tolerar a inevitável imprevisibilidade da natureza humana, do amor e da vida”.
Essa automatização da vida, trazida pela tecnologia, está transformando a intimidade em um “processo simples e comercializado”, que acaba com os erros, na visão da psicoterapeuta. Ela reforçou que uma característica única da intimidade humana é que quando as pessoas verdadeiramente se permitem conhecer o outro, elas também passam a conhecer novas parte de si mesmas.
OpenAI e ChatGPT: pró-humano e pró-ética
Por fim, Esther criticou a inteligência artificial no sentido em que mais pessoas a criticam, que é justamente no ponto de que ela só sabe sobre aquilo que foi treinada, não tem crenças e nem questões pessoais, não sabe ler o contexto das situações. “Reduz questões complexas a zeros e uns”.
Dilemas como divórcio, ter filhos, entrar ou sair de um relacionamento, são complexos e não podem ser resolvidos com inteligência artificial. “Sugiro que paremos de tratar desses dilemas como problemas técnicos, que têm soluções claras”, enfatizou a psicoterapeuta.
Muitas pessoas vivem com perguntas pesadas, que não têm resposta certa ou errada. Para Esther, qualquer decisão que se tome em uma situação como essa trará consequências às pessoas envolvidas e que deverão ser carregadas por elas. “Cada escolha traz risco para a opção que não escolhemos”, completa, ressaltando que, neste contexto, as telas são falsas promessas de que é possível fazer escolhas sem vivenciar o luto da perda do que não foi escolhido.
Esther entende que o foco atual dos seres humanos de tentar se livrar de grandes obstáculos e pequenos desconfortos, está facilitando a vida das pessoas, mas, ao mesmo tempo, deixando-as despreparadas para as inconveniências cotidianas. Apesar disso, a psicoterapeuta acabou sua palestra de forma otimista, explicando que a intimidade nasce com o ser humano, na verdade, vem desde o útero da mãe.
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