A interseccionalidade é a nova potência da indústria

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Opinião

A interseccionalidade é a nova potência da indústria

Evoluímos o diálogo, chegando até a discussão daquilo que podemos e precisamos fazer para que esse espelhamento social no nosso mercado seja uma realidade


12 de março de 2024 - 10h36

(Crédito: Adobe Stock)

Em 2017, me mudei para os Estados Unidos como uma mulher brasileira, branca e privilegiada. Chegando lá, me transformei numa mulher latina, não-branca, mãe que trabalha, com mais de 40 anos e com muito menos privilégios do que tinha por aqui. Não foi uma escolha em princípio, foi reconhecer como eu era vista pela sociedade. Nunca me vi como latina, mas de um dia para o outro era o que todos viam em mim.

Em um determinado momento me conectei com a comunidade negra do mercado, e logo depois com a comunidade latina. Ambas me acolheram de braços abertos, muito embora eu estivesse em processo de construção dessas novas identidades. Voltei para o Brasil há 3 anos e não voltei para a pessoa que eu era. Aí sim foi uma escolha. Hoje me vejo refletida em todas essas características, como se cada pedaço formasse o que compõe minha identidade.

Não sei você, mas eu tenho encontrado com a palavra interseccionalidade cada dia com mais frequência em nosso mercado e fora dele também. Se você não tem familiaridade com i n t e r s e c c i o n a l i d a d e, vem comigo. É um momento bacana para conhecer essa grande palavra, tanto no tamanho quanto no significado.

A interseccionalidade refere-se a grupos demográficos múltiplos e interligados, coisa que faz bastante parte da nossa realidade – de alguns de nós mais, e de outros menos. Existem muitos recortes a serem considerados, como raça, características físicas, de fase de vida, de orientação sexual, cultural e outros. As definições e estudos da academia trazem entendimentos mais complexos do tema relacionado à origem e manutenção de estruturas sociais permeadas por ideias de poder e privilégios. Para quem quiser mergulhar mais a fundo na veia acadêmica, recomendo começar pelo trabalho do Instituto de Investigação da Interseccionalidade da Universidade George Washington. Mas não é preciso ir tão longe quando a ideia de interseccionalidade já pode fazer diferença hoje em nosso mercado.

Em conversas inspiradoras com lideranças da indústria de marketing sobre temas que nos são caros no dia a dia, a representatividade se tornou tópico fundamental ao vislumbrar um mercado que se conecte verdadeiramente com a sociedade, seja em gestão de talentos, seja atravessando toda a cadeia de valor dos fornecedores ao produto final da comunicação, ou ainda pensando na maturidade do negócio em si. Começando por uma discussão sobre representatividade de gênero, rapidamente chegamos na expansão do gênero no seu encontro com diferentes grupos etários, e todos os desafios e oportunidades que encontramos nessa interseção.

Da mesma maneira, podemos propor uma reflexão entre o encontro do recorte de gênero e racial, que traz uma imensa riqueza de variáveis e de realidades vivenciadas pelos diferentes grupos. E assim poderíamos seguir exaustivamente propondo a intersecção do gênero, com a classe, com a raça e com a deficiência. Com a hereditariedade cultural e a orientação sexual. Veja, não são novas demografias, mas o reconhecimento que elas sempre estiveram aqui como parte do grande corpo social do qual fazemos parte, mas que até bem pouco tempo atrás eram invisibilizadas.

Você não pode ser aquilo que não pode ver. E nesse contexto, a profusão do mercado de criadores de conteúdo efetivos na construção de audiências traz alguns aprendizados sobre interseccionalidade, principalmente trazendo à tona o valor da pluralidade e da identificação das audiências com a autenticidade. A oportunidade para nós de reconhecer a importância de interseccionalidades pode impactar positivamente o trabalho, multiplicando os pontos de vista criativos, inspirando uma nova geração de talentos a ser atraída para o mercado como um espaço mais dinâmico, e ampliando a conexão com as pessoas que consomem o conteúdo que produzimos. Imaginem só o poder de um mercado mais interseccional justamente no momento em que temos mais ferramentas baseadas em IA para turbinar essa mistura criativa! E, como consequência, toda essa jornada tem o potencial de gerar resultados melhores e mais duradouros para marcas, agências, criadores… toda a cadeia.

Evoluímos o diálogo no mercado, começando pelo reconhecimento das interseccionalidades como uma realidade e chegando até a discussão daquilo que, como gestores, podemos e precisamos fazer para que esse espelhamento social no nosso mercado seja uma realidade. É mais do que incluir novos perfis em estruturas existentes, é sobre repensar que estruturas queremos, considerando que somos feitos de múltiplos traços de identidade. Benefícios, planos de carreira, modelos de trabalho, de seleção de fornecedores, estilo de liderança, e por aí vai. São muitas camadas que compõem a gestão do negócio. Muito mais assunto do que cabe aqui ou numa conversa apenas.

Minhas oportunidades e desafios como mãe latina não-branca que trabalhou nos Estados Unidos em muito difere dos da mãe branca que trabalha hoje no Brasil. Em alguns poucos pontos se assemelham, porém mais em relação à vida pessoal de gestão familiar do que no trabalho. Isso não necessariamente é bom ou ruim, é apenas um fato que não antecipei porque ninguém tinha falado comigo sobre isso antes. Significa ir além do que eu conhecia como profissional e também como gestora, e isso foi um aprendizado maravilhoso que mudou as lentes com as quais olho para o mundo.

Sigo aprendendo na prática com meus colegas como as interseccionalidades interferem na forma como o mundo fala com as pessoas, e reconhecer isso é uma das chaves mais importantes para desenharmos juntos um futuro mais interessante e mais interessado em fazer parte das transformações que queremos ver.

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