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Mariana Becker: a voz feminina da Fórmula 1 na TV brasileira

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Mariana Becker: a voz feminina da Fórmula 1 na TV brasileira

A jornalista, que viaja pelo mundo há mais de 15 anos para cobrir o automobilismo na televisão, fala sobre a ascensão feminina na categoria 


10 de outubro de 2024 - 9h20

Mariana Becker é jornalista automotiva e cobre a Fórmula 1 desde 2000 (Crédito: Divulgação)

A paixão pela escrita, viagens e esportes sempre esteve presente nas veias de Mariana Becker. Enquanto a mãe achava que ela estava com amigos, a jovem viajava sozinha, na companhia de papel, caneta e da prancha de surfe. Assim surgiu o interesse pelo jornalismo esportivo. Após a faculdade no Rio Grande do Sul, a jornalista recebeu um convite da Globo no Rio de Janeiro para cobrir um repórter que estava viajando e, assim, acabou na televisão pelo resto da carreira. 

“Sempre tive interesse por esportes radicais e histórias de mulheres. Fiz matérias sobre a primeira mulher a voar de asa-delta no Rio Grande do Sul, sobre a primeira campeã mundial brasileira de bodysurf, ou jacaré, e também com a Andréa Lopes, a primeira campeã brasileira de surfe”, conta a jornalista. 

Com a cara e a coragem, Mariana decidiu experimentar outro esporte radical: o Rally dos Sertões. Primeiro como navegadora, e depois como piloto. Logo, surgiu a oportunidade de cobrir a Fórmula 1 pela Globo, e ela foi a primeira mulher na cobertura do esporte. Antes, não era fascinada pela categoria, era apenas um programa das manhãs de domingo com seu pai. Contudo, tudo mudou quando teve contato com o Mundial.

“Eu via a Fórmula 1 como a maioria dos brasileiros da minha geração, que cresceram assistindo o Senna vencer. Mas foi quando comecei a cobrir as etapas brasileiras do Mundial em São Paulo que passei a achar bem mais interessante. Lá, vi coisas que eu já gostava no surfe e na vela: um microcosmo com gente do mundo inteiro, falando várias línguas, com diferentes maneiras de pensar”, lembra.  

Na Fórmula 1, começou em 2000 cobrindo apenas o Grande Prêmio do Brasil, que ocorre no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Mas, desde 2008, Mariana viaja o mundo para cobrir todas as etapas da temporada. Este ano, a temporada terá 24 Grande Prêmios, um recorde histórico, que iniciou em março, em Bahrein, e terminará no dia 8 de dezembro, com o GP de Abu Dhabi. 

Apesar de ter feito carreira na televisão com o jornalismo esportivo, Mariana Becker lançou, em 2022, o livro “Não Inventa, Mariana”, em que traz crônica sobre viagens, experiências e família. “O que tento fazer com a obra é o mesmo que faço na televisão: trazer as pessoas junto comigo. Meu maior prazer é dividir o que vejo e vivo. Escrevi para que quem estiver do outro lado possa ler e, quem sabe, me responder”, relata. 

Nesta entrevista, Mariana Becker conta como é ser uma mulher num meio ainda muito masculino e fala sobre os avanços da representatividade feminina no esporte. Além disso, a jornalista também reflete sobre o legado de Ayrton Senna e a popularização do público que acompanha o esporte após a série da Netflix “Drive to Survive” e o lançamento de videogames da franquia. 

Existe um movimento novo de promover mulheres na Fórmula 1. Como você avalia o avanço dessa pauta nos últimos anos?  

Acho que ainda falta bastante. É um meio muito difícil de mudar. Não se trata de “virar o jogo”, porque não é uma coisa contra a outra, mas de enfrentar algo estrutural. Se você for em qualquer escolinha de kart, no Brasil ou no mundo, tem muito menos meninas. E destes, quem vai chegar na Fórmula 4? Quem vai chegar na Fórmula 3? E na Fórmula 2? A questão já começa pela quantidade.  

Depois, tem as oportunidades. Converso com algumas meninas e elas falam das dificuldades de conseguir patrocínio. Sempre surgem desculpas como “ah, mas quem garante que vai ganhar?”. Mas ninguém garante nada. Não precisa ganhar para ter destaque. Ainda falta uma mentalidade mais esclarecida para apostar nessas atletas. 

O fato de estarmos vendo mais movimento, pessoas falando sobre isso, criando categorias femininas e até uma parte na Federação Internacional de Automobilismo dedicada às mulheres já é um grande avanço. Durante muitos anos, até recentemente, não existia absolutamente nada. Era um meio totalmente estéril para mulheres. 

Agora, essas mudanças estão começando, mas como já estou há mais tempo nisso, fico um pouco impaciente. Cubro o Mundial de Fórmula 1 desde 2000 e nunca vi a coisa realmente avançar. Em 2008, comecei a perceber uma pequena mudança. 

Como é ser uma mulher à frente da cobertura de um esporte dominado pelos homens? Você já sofreu alguma situação de machismo? 

Já. Não apenas na Fórmula 1, mas em vários outros esportes. Mas eu nunca fui maltratada por ser mulher. Nunca deixaram de me dar uma entrevista por isso, e os profissionais da área, pilotos, engenheiros, mecânicos, nunca fizeram mansplaining comigo. Nunca me interromperam ou atropelaram na fala. 

Agora, já senti uma tentativa de diminuir a minha importância como profissional, de desvalorizar a minha informação ou a relação que eu consegui construir. Nossa profissão é sobre isso: conseguir estabelecer boas relações. E esse é um meio muito desconfiado. Você precisa estar lá por um bom tempo e agir de uma certa maneira para ser aceita. O que me irrita é quando você conquista algo e as pessoas desconfiam. Dizem: “Quem te disse isso?”, ou fazem comentários como “Ah, claro, loira de olho verde, óbvio que ele vai falar”. Isso me cansa, sabe? Não chego a ficar ofendida, mas acho chato e desgastante.  

Qual foi o maior desafio da sua carreira até agora? 

Olha, todo dia é um desafio. Não tem um dia em que eu possa relaxar, colocar os pés para cima e fazer as coisas no piloto automático. Mesmo com todos os anos de carreira e com tantos grandes prêmios que já cobri, nunca fico totalmente tranquila. Tudo acontece muito rápido, ainda mais trabalhando com televisão, onde é tudo instantâneo.  

As coisas acontecem na sua frente e você tem que estar pronta para reagir. Como é ao vivo, não dá para parar, pesquisar e ver o que fazer. Então, o desafio diário é estar atualizada e preparada para o que pode acontecer. Adoro estar ao vivo, me dá um prazer enorme. Mas, ao mesmo tempo, o desgaste físico e emocional é enorme. Eu termino exausta. 

Já passei por vários desafios na carreira, como quando cobri o acidente do Felipe Massa, um piloto brasileiro de que eu gosto muito. Naquele momento, fiquei assustada, com medo de que ele morresse, e ao mesmo tempo tinha que manter o tom certo. Nessas horas, surgem muitas informações de todos os lados, e há uma pressão para trazer novidades, mas sem disseminar algo falso. Foi uma grande responsabilidade. A experiência que eu já tinha na Fórmula 1 me ajudou muito, porque você não tem tempo para estudar, precisa saber de imediato onde está o centro médico, se tem hospital na cidade, onde o piloto pode ser levado. 

Claro que tentamos manter um distanciamento emocional, mas não é fácil. Todos moram longe de casa, e quando é um piloto brasileiro, você acaba se apegando mais. Mesmo que não possa ser íntima, pois às vezes você vai ter que criticar, existe um vínculo. No fim, somos poucas pessoas e acabamos dividindo os perrengues. Aquele momento foi um grande desafio de manter a serenidade, estar atenta a tudo, conseguir as informações corretas e, ao mesmo tempo, lidar com a parte emocional. 

Recentemente, a Audi do Brasil lançou “O Legado do S”, um filme sobre a importância do Ayrton Senna. Qual o legado que o piloto teve para o esporte e para o Brasil? 

Acho que o Ayrton deixou um legado inegável para o esporte. Ele é ídolo até hoje de pilotos que sequer tinham nascido quando ele morreu e continua sendo uma referência para muitos no grid. O Ayrton trouxe várias inovações, como a preparação física e a profissionalização da assessoria de imprensa. Ele tinha a Betise como assessora, que organizava as entrevistas e dizia, por exemplo, que primeiro falaria apenas com a imprensa estrangeira e depois com a brasileira. Pode parecer uma bobagem, mas não é. Essas decisões impactam as histórias que o mundo todo vai conhecer.  

Ele foi um dos primeiros pilotos a negociar os próprios direitos de imagem, mostrando que sua imagem não pertencia apenas à equipe, mas a ele mesmo, envolvendo capacetes, bonequinhos e mais. O Ayrton percebeu a importância de ser profissional, tanto na pista quanto fora dela. Ele sabia o valor da sua imagem e o que queria fazer, além das corridas, como o projeto Seninha e outras iniciativas solidárias voltadas ao Brasil. 

Além disso, ele tinha uma visão aguçada da mídia e da imprensa. Ele se posicionava bem, sabia como se expor e se comportar. O Ayrton soube trabalhar sua imagem e seu nome com uma maturidade profissional que era rara. 

É verdade que o Emerson Fittipaldi e o Nelson Piquet também foram importantes, mas o Ayrton alcançou um sucesso maior. Não apenas pela performance nas pistas, mas também pela forma como geria sua imagem e se conectava com o público. Ele representava um Brasil que não era só de terceiro mundo, mas um país forte e dominador, e a Fórmula 1 era um espaço onde o Brasil se sentia no controle. O Ayrton falava não apenas para os fãs de Fórmula 1, mas para todos, criando uma conexão genuína com a população. 

A série da Netflix sobre a Fórmula 1, “Drive to Survive” (Dirigir para Viver), trouxe um novo perfil para os fãs da categoria. Como o esporte mudou ao longo dos anos? 

Mudou bastante e a Fórmula 1 voltou a ficar popular no Brasil. Antes, ela era muito querida por conta dos vencedores, mas quando deixamos de ter campeões mundiais, o interesse diminuiu. A Fórmula 1 se tornou distante, especialmente para os mais jovens, que passaram a ver como algo mais para os velhos.  

Acredito que há um tripé importante nessa mudança. Primeiro, temos a série “Drive to Survive”, que atraiu pessoas que não entendiam ou não gostavam de Fórmula 1 e fez com que elas começassem a perceber os dramas humanos que ocorrem nos bastidores, algo que a imprensa nunca conseguiu mostrar.  

A gestão do Bernie Ecclestone, embora tenha sido essencial para transformar a Fórmula 1 em um poder no mundo dos esportes, deixou a categoria um tanto afastada do público. Durante minha carreira, não podíamos chegar perto dos pilotos e contar suas histórias. A liberdade que havia nos anos 1970 e 1980 desapareceu, o que dificultou a conexão. 

Com a chegada da Netflix, a Liberty Media abriu a Fórmula 1 para um acesso maior. Os pilotos ganharam a liberdade de mostrar suas vidas nas mídias sociais, o que fez com que a geração mais jovem começasse a acompanhar mais. Além disso, agora temos pilotos de novas gerações que falam a mesma língua e jogam videogames juntos. Assim, temos esse tripé: Netflix, mídias sociais e videogames, que abriu espaço para contar histórias. 

Antes, a imprensa conseguia contar a história de apenas um piloto, geralmente do seu país, mas agora há uma comunicação mais ampla com o público, incluindo o feminino. Muitas mulheres sempre gostaram da Fórmula 1, mas não se sentiam à vontade para se manifestar, pois não havia espaço. Lembro de quando era repórter. Era difícil até para mim. Imagine uma mulher em casa dizendo que não concordava com uma estratégia de corrida no meio de um grupo de homens. Agora, esse espaço existe, ainda que de forma forçada, e isso torna o ambiente muito mais agradável.  

Há uma troca imensa hoje em dia entre mulheres, homens e pessoas mais velhas que voltaram a acompanhar a Fórmula 1, além da nova geração que joga, entende e conhece. A Fórmula 1 está muito mais democrática, tanto em termos de audiência quanto de interesse. 

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