Cidade Limpa. Consciência nem tanto
Perdemos em fazer igual quando somos pagos para fazer diferente, perdemos em tratar como diferentes quem deveríamos ver como iguais
Perdemos em fazer igual quando somos pagos para fazer diferente, perdemos em tratar como diferentes quem deveríamos ver como iguais
Meio & Mensagem
18 de junho de 2013 - 8h30
(*) Por Rafael Pitanguy
Recentemente a mídia exterior voltou a conquistar alguns espaços em São Paulo por meio da liberação oficial de um determinado número de mobiliários urbanos e relógios de rua pela cidade. Tudo feito de maneira sensata e equilibrada, sem que ocorresse qualquer espécie de problema de “poluição visual”.
Porém, quando pensamos na mídia exterior além de seus espaços formais, percebemos que ela não só continuava como se reinventava por aqui. As brilhantes bikes do Itaú, a ciclofaixa do Bradesco, as empenas de GE são, claro, mídias exteriores. E daqueles que extrapolam espaços formais para conquistar o espaço mais valioso de todos: a vida da cidade. Essa mídia tão única e exclusiva que não há dinheiro que compre.
Infelizmente, assim como não faltam exemplos de mídias exteriores que anunciam o futuro, há também aquelas que não se reinventam e que parecem estar presas ao passado. Uma delas me chama especial atenção: “os homens-seta de condomínio”. Não tenho ideia se é esse o nome ou se essa espécie de mídia pelo menos tem um nome. Porém, por mais difícil que seja saber como chamá-los, fica fácil saber quando vê-los.
Lá estão eles, durante todos os finais de semana, com uma seta pendurada no peito. “Mude para um condomínio de luxo logo em frente”, “venha para o melhor três quartos de Moema à esquerda”, para o “dois quartos com varandão dos sonhos à direita”. “Descubra o prazer de viver perto do parque”.
Essa variação grotesca do bom e velho “homem-sanduíche“ serve, antes de tudo, para anunciar as nossas contradições e injustiças. Afinal, deixar pessoas humildes de pé, durante um dia inteiro, com setas penduradas no peito, não pode ser a maneira mais inteligente para vender coberturas de milhões de reais. Por isso, quando o assunto é a qualidade dessa forma de mídia exterior, sem dúvida, aquelas setas apontam todas para baixo.
Difícil descobrir quem contrata, como recebem ou quanto ganham. Mas fácil descobrir o quanto nós perdemos. Perdemos em fazer igual quando somos pagos para fazer diferente. Perdemos em tratar como diferentes quem deveríamos ver como iguais.
Muitos vão argumentar que essa atividade gera renda e que não deixa de ser uma espécie de emprego. “Melhor ganhar isso do que nada.” Porém, quando vejo uma senhora de pé com uma placa no peito por oito horas seguidas fica difícil perceber a situação como a de alguém que está recebendo uma oportunidade, e não como a de alguém que está ali, justamente, por não ter oportunidade alguma. Não podem andar. Não podem sentar e muito menos falar. Ali estão pessoas cuja ordem é atuar como postes.
Acredito que os finais de semana que tanto servem para ver apartamentos, também devam servir para rever esse ponto da Lei Cidade Limpa. Para que assim, da próxima vez que pessoas e placas tomem as ruas, elas estejam lá para fazer o que tem feito nos últimos dias: pedir por mudanças sociais, políticas e não pela nossa mudança para um “condomínio fantástico com vista espetacular e quatro vagas na garagem”.
Até porque, não pode ser normal proibir que placas sejam colocadas em muros, em postes, em bancas e permitidas no peito das pessoas. Afinal, uma coisa é certa: gente é gente e placa é placa.
(*) Rafael Pitanguy é diretor de criação da Africa. Este artigo está publicado na edição 1564, de 17 de junho, nas versões impressa e para tablets do Meio & Mensagem, exclusivamente para assinantes.
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