Intrigas nos bastidores de Cannes
Omnicom e WPP brigam abertamente em ano que teve até expulsão de jurado
Omnicom e WPP brigam abertamente em ano que teve até expulsão de jurado
Felipe Turlao
3 de julho de 2012 - 8h38
Claro que os júris do Festival Internacional de Criatividade de Cannes nunca foram propriamente reuniões de frades franciscanos, já que inúmeros relatos ao longo dos anos dão conta, por exemplo, de favorecimento a determinados países em detrimento de outros. Mas, conforme o peso da criatividade e dos prêmios vai ficando maior e influenciando inclusive nos resultados financeiros dos grandes grupos — e nos bônus pagos aos executivos —, as sagradas salinhas dos júris do festival acabam se tornando alguns dos centros de decisões mais nervosos da publicidade mundial. Em 2012, os 15 júris do festival reuniram nada menos que 285 profissionais.
Nos últimos dias do evento, graves acusações opuseram altos executivos dos dois principais grupos da publicidade. Na sexta-feira 22, Martin Sorrell, CEO do WPP, afirmou ao The Guardian que alguns jurados estavam enfrentando pressões inapropriadas para votar contra determinadas peças, e que isso tiraria as chances de vitória das agências da holding dele. Sorrell não disse em que categoria o fato ocorreu, mas o Guardian apurou que teria sido no júri do Media Lions, que foi liderado por Mainardo de Nardis, CEO da OMD, bureau de mídia do Omnicom.
A reação não demorou a acontecer. No mesmo dia, o alemão Amir Kassaei, diretor global de criação da rede DDB, do Omnicom, disse à revista Campaign que havia solicitado aos jurados da rede que votassem de maneira independente. “Ele realmente pediu que a gente levasse em consideração apenas a qualidade criativa dos trabalhos e que votássemos livremente. E disse para reportarmos qualquer fato que fugisse do ético”, testemunha Wilson Mateos, diretor de criação da DM9DDB, que julgou trabalhos na área de Outdoor.
Mas Kassaei, que, segundo Mateos, acompanhou o processo de votação dos júris com muito interesse, foi mais longe nas declarações a Campaign: “Fui notificado por não menos do que 12 jurados que pessoas de outras holdings tinham recebido a missão de matar a Omnicom, especialmente BBDO, DDB e TBWA”. A declaração bombástica movimentou os bastidores do evento e, conforme apurou Meio & Mensagem, o Omnicom reportou ao festival que aquela não era a posição oficial do grupo, mas, sim, uma visão pessoal de Kassaei, e que continuará inscrevendo peças normalmente nos próximos anos. A sensação dentro da holding, embora não oficializada, é de que houve excesso nas declarações, embora Keith Reinhard, chairman emérito da DDB, assegurou à Campaign, em um primeiro momento, que concordava com Kassaei. O executivo de criação foi contatado por Meio & Mensagem, mas disse que não quer mais falar sobre o assunto. E o WPP não rebateu as declarações.
Cartão vermelho
“Por causa do processo todo de Cannes, me aproximei do Amir e o respeito muito. Não vou desdizer o que ele afirmou e acredito que esteja embasado para tal. Mas posso falar pelo meu júri, conduzido pelo Mayan (apelido de Lo Sheung Yan, diretor executivo de criação da JWT para a Ásia), que foi bastante tranquilo e liderado corretamente”, garante Mateos.
Porém, além da briga de gigantes, os júris reservaram mais algumas surpresas neste ano quente em Cannes. Pela primeira vez, de acordo com a organização do encontro, um profissional foi expulso do júri. A “façanha” coube ao espanhol Javier Curtichs, presidente da agência especializada em mídias sociais Tinkle, que atrapalhou os trabalhos do júri do PR Lions ao colocar os próprios deveres profissionais em primeiro lugar em várias ocasiões. “Ele estava destoando dos outros, atendendo muitos telefonemas”, testemunha Flávio Castro, sócio-diretor da FSB, jurado brasileiro nesta área. Em uma das diversas vezes que deixou a sala, resolveu abandonar o júri, mas, posteriormente, quis retornar. Entretanto, a organização o considerou expulso. Curtichs foi contatado pela reportagem, mas até o fechamento da edição não deu a sua versão.
Em Branded Content & Entertainment, também teve gente abandonando a sala. Neste caso, três jurados, liderados pelo argentino Rodrigo Figueroa Reyes, CEO da Fire, resolveram não participar da votação do Grand Prix por considerar que os cases que disputavam o prêmio máximo não eram de branded content — incluindo aí o vencedor, “Cultivate”, da norte-americana Creative Artists Agency para a rede de fast food de comida mexicana Chipotle. Para Figueroa Reyes, muitos cases premiados eram campanhas de publicidade ou mesmo eventos em que o conteúdo não assumia o posto principal na criação. Ele aponta como melhor trabalho concorrente nesta primeira edição da área de Branded Content o desenvolvido pela JWT San Juan para o Banco Popular de Porto Rico, vencedor do Grand Prix de PR. “Uma canção gerou um evento nacional”, salientou. Ele criticou ainda o alto número de Leões: 56 dentre 87 shortlists.
Grand Prix fantasmas?
Em Design, dois casos premiados com louvor em outras categorias foram barrados no baile e apontados como fantasmas. Coincidentemente, estiveram envolvidos os dois Grand Prix de Outdoor. “Invisible Car”, de Mercedes-Benz, foi apontado pelo representante alemão do júri de Design como irreal. “Era fake total. Ele disse que o efeito de invisibilidade só funcionava se o carro estivesse parado”, relata Ricardo Saint-Clair, sócio da Diálogo Design, um dos jurados brasileiros do Design Lions. O mesmo vale para “Coke Hands”, da Ogilvy Shangai para Coca-Cola. Esta peça foi, na verdade, criada pelo estudante Jonathan Mak Long, o mesmo que fez a imagem mais popular de Steve Jobs, quando ele morreu, com a maçã branca de fundo. Ele não é funcionário da Ogilvy e a agência nem mesmo atende a marca naquele país — a conta é da Leo Burnett. “Sou estudante de design e fui convidado pela agência para criar uma imagem para um briefing muito simples: divida uma Coca-Cola”, disse Long ao Meio & Mensagem.
Em entrevista ao Advertising Age há dois meses, um dirigente da Coca-Cola confirmou a peça e observou que, apesar de não ter feito um briefing, abraçou a ideia da agência e assinou. “Nesse caso, para o júri de Design pesou o fato da jurada chinesa ter falando mal de um trabalho do próprio país”, relata Saint-Clair.
Obviamente, as pendengas tradicionais não deixaram de estar presentes por mais um ano em Cannes. E todas podem ser reunidas na declaração do brasileiro Andre Rabanea, sócio da Torke e representante de Portugal no júri de Direct. “O argentino fala demais, os asiáticos votam sempre todos unidos em suas peças, o alemão reclama que é tudo ruim, o norte-americano pensa que tem a razão, o brasileiro sempre dá um jeitinho de defender o país, o indiano explica dez vezes que a penetração da internet é muito pequena lá, e o presidente do júri ajuda todos os trabalhos que tenham um fim de caridade”, resume. É em salas não tão diferentes desta que se tomam decisões que afetam as ações das grandes holdings globais e os rendimentos de seus executivos.
Colaboraram Andrea Martins e Lena Castellón
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