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E o conceito de oferta como o conhecemos? Ainda está valendo?

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Ponto de vista

E o conceito de oferta como o conhecemos? Ainda está valendo?

Para a economia, oferta é ?o conjunto de bens e serviços oferecidos no mercado em determinando momento e por um preço concreto?


1 de outubro de 2015 - 9h32

“Eu vim pra confundir, não pra explicar”. Há tempos que secretamente desejo iniciar um artigo com a citação de nosso saudoso Velho Guerreiro. É que em sua simplicidade escrachada, ela me ajuda a tirar toda a pretensão de desafiar impunemente um clássico conceito econômico-mercadológico que utilizamos há décadas e que norteia os princípios do marketing: o conceito de OFERTA. É essa a provocação que eu gostaria de fazer hoje aqui.

Uma recente pesquisa conduzida globalmente pelo Grupo Yankelovich mostra dados assustadores a respeito da credibilidade e das expectativas que os consumidores, pelo mundo todo, depositam nas atividades de marketing. De acordo com ela, 67% dos respondentes simplesmente “não acreditam que o marketing desenvolve coisas que são relevantes para a vida deles”. Pior, outros 75% “acreditam que não precisam de propaganda para encontrar informação e decidir por produtos e serviços”.

Sinal dos tempos? Sintoma da credibilidade de grandes marcas e corporações em plena transição para o mundo digital? Um pouco de cada coisa em um contexto que aponta a necessidade de repensarmos, ou pelo menos discutirmos, conceitos centrais das disciplinas do marketing e da comunicação.

Vamos desafiar um pouco o conceito clássico de OFERTA. Para a economia, oferta é “o conjunto de bens e serviços oferecidos no mercado em determinando momento e por um preço concreto”. Trocando em miúdos, a oferta é uma equação que se define por duas variáveis: PREÇO e DISPONIBILIDADE. Dois componentes que se influenciam mutuamente e que talvez não contemplem outras variáveis que hoje, em tempos de economia colaborativa, criativa e digital, talvez não bastem para compreender toda a subjetividade que uma OFERTA pode ter. De certa forma, a concepção de uma oferta com base nessas variáveis é exclusiva, está sob o controle apenas de quem a emite, e não de quem é o destinatário dela. E esse é um sintoma contundente do descompasso entre a dinâmica das empresas e a das pessoas em geral ̶ as primeiras ficaram para trás e ainda não perceberam.

Há quinze anos, em janeiro de 2000, em plena bolha digital prestes a estourar, e portanto muito antes do desenvolvimento das redes sociais como as conhecemos hoje, jornalistas americanos publicaram na internet um manifesto chamado The Cluetrain. Manifesto que posteriormente se tornaria um importante livro que estava à frente de seu tempo. Ele alertava que as pessoas estavam se desenvolvendo digitalmente muito mais rápido do que as empresas, que deveriam estabelecer um diálogo verdadeiro, transparente e mais humano com os indivíduos. “Mercados são conversações, consistem em seres humanos, não setores demográficos, e conversas entre seres humanos devem parecer humanas, conduzidas por uma voz humana”. Sem querer, esses jornalistas estavam lançando, quinze anos atrás, as bases de uma dinâmica de relacionamento entre empresas e indivíduos que hoje é perseguida por todas as marcas que querem estabelecer uma relação sustentável com seu público, uma relação que desloca o eixo e distribui de forma um pouco mais equilibrada a força da relação empresa-indivíduo.

A releitura do conceito de OFERTA passa por essa equalização de pesos e forças da relação empresa-indivíduo e, por isso, se constitui de três variáveis: CONTEXTO, RELEVÂNCIA e AFINIDADE.

A miríade de informações sobre o comportamento de vida e de compra dos indivíduos nos permite hoje um vislumbre muito mais preciso e assertivo diante desses três conceitos.

O CONTEXTO diz respeito à adequação da oferta no momento e no espaço em que é realizada. ONDE E QUANDO são os “momentos” ideais para abordar potenciais clientes? Muitas vezes, a identificação desses “momentos da verdade” não é tão óbvia como o senso comum costuma indicar, e a miríade de informações disponíveis sobre o comportamento e o trânsito das pessoas permite inclusive escolhas mais precisas quanto aos conteúdos e canais de contato a serem ativados. Uma pessoa não se interessa por um carro apenas quando decide trocar o seu anterior ou quando recebe seu 13º salário. Às vezes, a conquista de uma promoção no trabalho ou uma separação são bons gatilhos de abordagem com uma oferta de compra ou troca de carro, situações identificáveis do ponto de vista do trabalho de big data crunch, e que merecem a escolha mais precisa dos canais ideais de comunicação.

RELEVÂNCIA é um conceito que define a vantagem competitiva de determinada marca ou empresa em relação a seus concorrentes. O QUE ela oferece? Tem a ver com a capacidade de uma marca em demonstrar que possui domínio do conhecimento do comportamento e da fase da vida de seu cliente, o que torna sua oferta muito mais competitiva, pois entende com profundidade a necessidade de seu cliente, e por isso tem assertividade na sua oferta. A relevância é o que faz com que a Amazon possa oferecer um livro sobre Feng Shui a alguém que anda ouvindo muito Enya e Andreas Vollenweider no Spotify.

Por fim, AFINIDADE trata da questão da identificação dos indivíduos com as marcas. Não é o “como” ou “o que” a oferta representa, mas o “POR QUÊ” as pessoas devem achá-la interessante. Apenas as marcas que definiram um claro propósito têm condições de formular ofertas que gerem afinidade com seu público, pois uma marca com propósito é uma marca que define uma clara razão de existência na vida das pessoas, uma marca que expõe suas crenças e gera essa afinidade com aqueles que comungam da mesma crença. Um site de viagens pode gerar muito mais identificação (leia-se resultados comerciais) se, ao realizar uma oferta, demonstrar o que realmente pensa sobre viajar ou sobre o destino em questão, e demonstrar a seu público o verdadeiro sentido de sair de viagem com a família ou com quem se ama.

Enfim, questionar o conceito tradicional de oferta é repensar o próprio relacionamento entre empresas e marcas, em busca de uma conversa em tom mais humano, personalizada, entre pessoas, e reverter um quadro que Zygmunt Bauman (no livro “Consuming Life”) qualificou como a “sociedade dos consumidores”, na qual a constante “conversão dos consumidores em commodities” é a lógica, meros números demográficos que pouco dizem a respeito da vida de pessoas de verdade, que se emocionam, amam, relacionam-se, enfim, vivem de forma singular e pessoal e, a propósito, consomem.

Marcello Magalhães é sócio e vice-presidente de planejamento da Leo Burnett Tailor Made

 

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