O povo quer música
Quanto mais tempo temos para racionalizar, menos nos deixamos levar pelo instinto
Quanto mais tempo temos para racionalizar, menos nos deixamos levar pelo instinto
Meio & Mensagem
5 de junho de 2013 - 12h55
Eu sou um leigo em música clássica. Gosto de ouvir, mas não saberia citar o nome de uma orquestra. Não ligo o nome à obra. Meu conhecimento nessa área é restrito a toques de celular e a musiquinhas de espera. É a minha vergonha musical. Só equilibrada pelo fato de eu não suportar qualquer estilo que termine com a palavra “universitário”.
Acontece que música clássica me emociona, mesmo não conhecendo nada. Quando estive em Berlim pela primeira vez, o que logo me chamou atenção foi a trilha sonora dos taxistas. Ou eles escutam música clássica ou hits esquecidos dos anos 80. Ou eles exaltam o conhecimento que me falta ou passeiam pelos sucessos represados pelo muro. Para um carioca acostumado com taxistas embalados no funk e sem amortecedores, Berlim me emocionou na primeira corrida.
No segundo módulo da Berlin School, tive uma chance única. A escola nos convidou para um evento da série Casual Concerts na Deutsches Symphonie-Orchester Berlin. Tudo parecia perfeito. O lugar é inacreditavelmente lindo. O som chega limpo a todos os recantos. Uma plateia absolutamente elegante e concentrada. Um espirro não se atreveria a escapar em tal espaço com vergonha de sair do tom.
A ideia do Casual Concerts é excelente. O maestro faz o papel de um professor. Tugan Sokhiev foi o nosso condutor nessa viagem pela Sinfonia Nº 7 de Antonín Dvorák, que tinha tudo para ser inesquecível. O maestro nos leva a entender as passagens, as intenções de vários momentos da Sinfonia. Ele explica cada detalhe com afinco. Nos primeiros 10 minutos, tive a certeza de que seria uma noite incrível. Ele ressaltava os porquês, o estilo, a linha histórica, os motivos. O problema é que a explicação levou tempo demais. A partir de um determinado momento, Deutsches Symphonie-Orchester parecia um lindo Keynote. A baqueta virou um enter que mudava as telas. A trilha era bonita, mas o peso da pálpebra começou a ser inevitável.
Após 50 minutos de introdução, o maestro finalmente iniciou a Sinfonia. Que veio a durar menos do que a explicação. Cada detalhe estava tão racionalizado, que a emoção fugiu sorrateira. Eu estava cansado. Quando conseguia conectar uma passagem da Sinfonia Nº 7, eu buscava pela razão. Ticava a minha lista como quem diz: essa eu lembro.
Na saída, comentei com meus colegas de classe (gosto de ter 40 anos e falar isso) que o concerto tinha me lembrado um erro recorrente em reuniões. O excesso de racionalização. Do mesmo jeito que o maestro tentava transformar em lógica o que muitas vezes nos emociona por ser ilógico, as apresentações tendem a exaltar o racional. Na ânsia de explicar como chegamos lá, perdemos o sentimento de aproveitar o “lá”.
No Casual Concerts, não houve equilíbrio. Meus colegas Chacho, Simon, Eduardo e Lea saíram antes do término. Lea escreveu sobre o meu comentário que agora percorro de novo. Parte da plateia chegou cansada na execução da peça. O que me faz pensar que não é por acaso que reuniões muito longas costumam terminar com refação. Quanto mais tempo temos para racionalizar, menos nos deixamos levar pelo instinto. Precisei de meses para ouvir a Sinfonia Nº 7 novamente. Livre de todos os porquês, enfim, aproveitei. Achei sentido quando não busquei por um. Tugan Sokhiev me deu a razão. A Sinfonia me trouxe a emoção. Se tivesse que escolher entre as duas, não hesitaria. O povo quer música.
André Kassu, diretor de criação da AlmapBBDO
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