Meio & Mensagem
30 de julho de 2013 - 2h21
Desde o início, a indústria das drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, tem relações íntimas e férteis com a publicidade. Propaganda de cigarro, de remédio para ereção (ou seria melhor droga para ereção?), álcool, refrigerante (sim, cafeína é droga, açúcar também, muito açúcar com gordura então, nem se fala) e até junk food, que segundo a prestigiosa revista médica britânica The Lancet, vicia mais do que a cocaína, e é sabido que também mata mais que a cocaína. Os limites entre remédio e veneno são tênues, ainda mais à luz das possibilidades farmacêuticas da maconha serem imensas. E vale lembrar que a heroína e cocaína eram remédios para dor, tosse, etc.
Vamos analisar a questão de forma prática. No seu lado bom, publicidade de drogas desperta uma excelente política antidrogas que existe: a geração de empregos. Por trás de cada anúncio, existe uma economia florescendo e empregos sendo gerados, inclusive no setor de comunicação. Sem querer, isso é uma grande política antidrogas. Um ser humano lutando para sobreviver economicamente é automaticamente alguém na zona de risco da marginalização, seja para o crime ou para o abuso de drogas. Desemprego e crise aumentam o risco do abuso.
No seu pior lado, publicidade de drogas pode vender e iludir um belo caminho para a destruição e morte. Mas existe sim, alternativas mais “sustentáveis” e pragmáticas. O problema é que as regras foram definidas por questões morais e não pragmáticas, sem fundamento científico, mas sim criminalizando substâncias usadas pelos que não eram da elite que decidia as regras. Foi a convenção da ONU reforçada pelos presidentes Nixon e Reagan que criou uma lista de substâncias proibidas e criminalizadas. Assim, a indústria da publicidade começou a fazer campanha para uma droga fatal, com alto poder de adição, o tabaco. A proibição também fez uma publicidade involuntária, para todas as outras substâncias proibidas. Quer propaganda melhor, mais sedutora, do que o proibido? O problema é que o proibido vem sem a regulamentação, aumentando o dano causado pela droga na pessoa e na sociedade. Então o proibido, na prática é o liberado.
Cabe notar um erro primário cometido por muitos. Não existe defender a liberação da maconha. Liberação é não ter limites. O pragmático é a regulamentação da maconha, ou seja estabelecer o conjunto de regras para consumo e uso daquela substância e inclusive, decidir como vai ser, ou se vai existir a publicidade dessa droga ou substância. Vocês, diretores de criação, já se imaginaram criando um anúncio de um baseado? Colegas diretores e fotógrafos: pack shot de baseado? Uma visita ao Colorado, Califórnia, e outros estados americanos pode revelar o florescimento de uma atividade econômica e alternativa para incluir e não excluir os cidadãos menos favorecidos. A publicidade de maconha lá não é permitida, mas por quanto tempo? Por outro lado, a indústria do tabaco não se dá por vencida. Uma brecha está permitindo atualmente a propaganda dos cigarros eletrônicos nas TVs americanas sem regulamentação adequada, dando a falsa ilusão de que não existe risco e aproveitando o vácuo regulatório deixado por ausência de medidas óbvias. O tabaco é uma droga que mata e vicia muito. Quando dirigi o documentário “Quebrando o Tabu” conheci algumas pessoas que largaram a dependência da heroína, mas não conseguiram largar o cigarro.
Não existem evidências científicas de que o uso moderado da maconha por adultos faça grande mal à saúde, ou mate alguém. Claro que existem riscos, em especial para menores de idade. Mas o consenso científico hoje é de que é possível fazer uso medicinal ou recreativo da maconha, dependendo do organismo da pessoa, da frequência, do contexto, e do padrão de uso ou abuso. Por isso, a necessidade imensa de se aproximar das pessoas e promover uma educação honesta sobre o tema, sem tabus e comunicando e debatendo riscos de forma verdadeira e não ideológica.
Nós da indústria de comunicação estamos muito acostumados a ter uma visão menos preconceituosa, ao contrário de outros setores da indústria em geral. Entre nós, profissionais da comunicação no Brasil, não existe muito preconceito com quem fuma um baseado socialmente “numa boa”. Também conseguimos enxergar o óbvio com mais facilidade: a pessoa que tem problemas com drogas, seja lá qual for a substância, é um paciente e não um criminoso. E por fim, sabemos que se aventurar além de certos limites em qualquer droga que seja pode ser muito perigoso.
A pergunta é: porque a sociedade ainda autoriza a propaganda de cigarro? Porque não oferecer a alternativa de gerar empregos explorando a comercialização da maconha, uma droga cujo uso recreativo é possível e considerado mais seguro, não só do que o tabaco, mas também do que o álcool? Se hoje um brasileiro vai nos EUA e compra um hambúrguer e ketchup, está comprando produtos de uma empresa brasileira, que cresceu gerando empregos e projetando o Brasil no cenário de grandes negócios e abocanhando outros gigantes nos EUA. Ao mesmo tempo, a TV nos EUA está firme e forte com a tão necessária receita de propaganda de antidepressivos com cenas lacônicas de “dia a dia” de família feliz enquanto o narrador fala sobre os riscos de suicídio, morte, ataque do coração, queda de cabelo.
Goste você dessa publicidade ou não, mas ela está alertando honestamente e claramente para os riscos e está pagando as contas de um veículo de comunicação e seus fornecedores e gerando atividade econômica com “backward linkages”, o que, diga-se de passagem, é muito mais eficiente do que qualquer transferência governamental que quer ativar a economia.
Surge também o papel mais nobre da publicidade de drogas, o papel educativo, regulatório. É o mesmo trabalho que vem sido realizado com bastante suor no Brasil, onde se proibiu associar a cerveja a símbolos infantis e se criou restrições como cenas de consumo de cerveja. A regulamentação da indústria do álcool no Brasil funciona bem, e o mesmo serve para as drogas para dor, também conhecidas como remédio ou seus apelidos.
Porque não oferecer emprego aos milhares membros da nossa sociedade que estão marginalizados? Porque não resgatar da criminalidade milhares e milhares de pequenas mulas e profissionais que vendem droga para se sustentar? Afinal, goste alguém ou não, quem é preso na guerra as drogas, são aqueles que estão ali de “funcionários” e são peões no tabuleiro da grana. O cinema brasileiro já provou e fez a sociedade acordar para os horrores da Guerra as Drogas nas periferias das cidades do Brasil. É a tendência dos EUA, também, e o modelo se reproduz no mundo: conflitos armados de traficantes nas áreas mais pobres por disputa de ponto de venda de drogas, corrupção e exclusão social, que constituem por si só uma ameaça à democracia, como denunciou a Comissão Latino Americana de Drogas, presidida pelos presidentes FHC, Gaviria, e Zedilho.
No Brasil e nos EUA os presídios estão ficando pequenos e estamos recriando um aparthaid social, como na África do Sul. Nos EUA, refrigerante e fastfood matam mais do que drogas ilícitas. Porque não racionalizar e aumentar eficiência regulamentando a maconha e a publicidade de drogas como a maconha e proibir a publicidade de tabaco? Vamos acabar com a hipocrisia e cinismo social e parar de submeter aqueles que nasceram em condições sociais absolutamente injustas
Acredito com convicção na força de programas de inclusão pela cultura, esporte e educação. Uma política de paz que mobilize a sociedade para incluir ao invés de excluir, aliada a uma política pragmática de regulação do uso de drogas, é o passo necessário a ser dado pela construção de uma sociedade mais justa, humana e eficiente.
Fernando Grostein Andrade é cineasta, sócio fundador da Spray Filmes, diretor de filmes publicitários e autor dos documentários Quebrando o Tabu, Breaking The Taboo e Coração Vagabundo
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