Propaganda nos tempos do cólera
O brasileiro está mudando e a publicidade não espelha isso. Parte da culpa é de anunciantes que não evoluem seus negócios em linha com as expectativas do consumidor
O brasileiro está mudando e a publicidade não espelha isso. Parte da culpa é de anunciantes que não evoluem seus negócios em linha com as expectativas do consumidor
Meio & Mensagem
23 de julho de 2013 - 12h30
(*) Por Rodrigo Leão
Na sala de reunião transadinha havia alguns pufes coloridos, sobre os quais agora se sentavam alguns profissionais bacanas de comunicação e marketing, inclusive eu — todos iludidos até ali por um convite esquisito feito pelo dono de uma produtora de conteúdo, na época uma novidade no mercado. Estávamos sentados ali todos com a mesma cara de criança que fez coco na calça, um misto de arrependimento com “agora é tarde demais”.
O dono da empresa de conteúdo havia nos emboscado com um convite para um bate-papo informal sobre o rumo das empresas na internet, usando cada um de nós como desculpa para o outro ir. Eu, por exemplo, fui porque iriam estar presentes um executivo do Google e outro da Tecnisa, construtora que na época se adiantava ao mercado de vendas de imóveis online.
O mediador nos apresentou uns aos outros e pediu que falássemos um pouco do foco de nossa atuação na internet. Eu estava ali representando o trabalho online de Melissa, de grande repercussão nas redes sociais. Papo vai, papo vem, quando o mediador finalmente chega ao assunto que lhe interessava. “Gente, eu gostaria de revelar pra vocês que eu fiz esse convite em nome de uma grande operadora de telefonia móvel. A conversa de vocês está sendo gravada. Eu gostaria de propor que a gente falasse um pouco sobre como uma grande empresa de telefonia móvel pode ser bem vista nas redes sociais.”
Como você imagina, parecia que todos tínhamos chupado um limão azedo ao mesmo tempo. Mas, em vez de dizermos algumas obscenidades e nos retirarmos em bando, aconteceu algo engraçado. Quase imediatamente todos falaram a mesma coisa: que para ser bem vista nas redes sociais a megaempresa de telefonia móvel deveria parar imediatamente de fazer propaganda e reverter seus fartos recursos multimilionários para fazer uma empresa de telefonia móvel melhor, treinando seu atendimento ao cliente para falar sem gerundismos (“Eu vou estar estando passando o senhor pra quem vai estar estando podendo resolver…”), melhorando a cobertura, acabando com planos lesivos e principalmente prestando atenção ao SAC. Ou seja: o grande segredo do sucesso nas redes sociais era fazer telefonia móvel direito.
Eu conto esta história neste momento, cinco anos depois, pois hoje é mais atual e importante do que então. Acredito que a propaganda faz parte do léxico da cultura pop e que deve estar plenamente atenta ao zeitgeist. O espírito dos tempos, o mesmo que faz que Frankie Avalon um dia seja rei e no outro Bob Dylan bote ele pra correr. Que manda os Beach Boys de volta pra praia e faz o Led Zeppelin subir a montanha do sucesso. Que esquece o Public Enemy em prol dos Beastie Boys. E esquece os Beastie Boys em prol do Jay-Z. Não é que a música desses grandes artistas ficou ruim da noite para o dia. Foi o público que mudou, e mudando quis se reconhecer em outro espelho.
Para mim fica cada vez mais claro que o consumidor brasileiro está mudando e a propaganda não está espelhando essa mudança. E o mais complicado é que boa parte da culpa é de anunciantes que não conseguem evoluir seus negócios em alinhamento com as expectativas dos consumidores.
Recentemente notícia do portal UOL revelava que um em cada três chocolates vendidos no Brasil não pode ser chamado de chocolate. Isso mesmo. Isso ocorre porque esses produtos não têm as quantias mínimas de cacau exigido pela legislação (25%), sendo que muitos não chegam nem a 5% de cacau. Isso significa que um terço dos publicitários vendendo chocolate estão enganando a população contra sua vontade. Se os anunciantes não se concentram em melhorar suas práticas, como é que vamos melhorar a publicidade?
Trabalhando ainda mais, que é o que fazemos melhor.
Chegou a hora de ajudarmos nossos clientes a enxergar as oportunidades em seus negócios para espelhar os anseios dos consumidores, seja por um serviço melhor, um pós-venda benfeito ou mesmo uma boa risada durante o intervalo comercial. Só não podemos ficar parados olhando o mundo mudar.
(*) Rodrigo Leão é sócio-diretor de criação da Casa Darwin e professor dos MBA de Marketing, MBA Executivo Internacional e International MBA da FIA. Este artigo está publicado na edição 1569 de Meio & Mensagem, de 22 de julho, exclusivamente para assinantes, disponível nas versões impressa e para tablets.
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