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Opinião

Se não souber jogar, nem venha para o parquinho

Games como plataforma de branding: uma linha tênue entre entretenimento e fadiga digital


7 de maio de 2021 - 5h57

Consistência e relevância serão ingredientes fundamentais para as marcas que ousarem se aventurar dentro do universo dos games (crédito: iStock)

Quando a pandemia da Covid-19 colocou o Brasil em isolamento social, muitos acreditavam que seria só por algumas semanas e, em breve, tudo voltaria ao normal. Mal sabíamos que 2020 entraria para a história de nossas vidas como um divisor de águas, ressignificando o espaço dos lares, formas de entretenimento, dinâmicas familiares e nossos métodos de comunicação – com pessoas e com marcas.

Um ano depois, dentre muitas incertezas que a pandemia nos deixou, uma coisa é certa: nunca se buscou tanto por alternativas para descompressão. O caos no sistema de saúde, o distanciamento social, a diluição dos limites entre pessoal e profissional e as instabilidades econômica e política fazem da busca por escape uma prioridade para muitos brasileiros.

É neste cenário que o universo dos games se torna ainda mais democrático e acolhedor, oferecendo o acesso a novas realidades – ainda que virtuais – menos estressantes e turbulentas do que o mundo off-line.

State of play: o cenário dos games no Brasil
Em 2020, o mercado de games digitais no Brasil movimentou mais de R$ 7 bilhões – um crescimento de 25% sobre o ano anterior. Assim, o Brasil ultrapassa o Canadá e se torna o 11º no ranking mundial de vendas de games digitais –, mas com os novos rumos da pandemia, que segue durando mais do que o planejado, pode entrar para os top 10 países antes mesmo de 2025.

Dentro do universo de games digitais no Brasil, as categorias de jogos online (que não necessitam de download) e mobile (para dispositivos como tablets e smartphones) são as que têm maior participação e que determinaram o ritmo de crescimento do setor nos últimos cinco anos – em especial, durante a pandemia.

Isso acontece porque, embora a penetração de computadores e consoles tenha crescido no País nos últimos anos, são os smartphones que ditam o ritmo de acesso dos brasileiros à internet. A penetração de smartphones era de 172% dentre os lares brasileiros em 2020, consolidando-se como o principal dispositivo de acesso à rede – tanto para fins de entretenimento, quanto de estudo e trabalho.

Uma particularidade do mercado de jogos mobile no Brasil está justamente no desenvolvimento de programas mais leves do ponto de vista de consumo de dados e de requerimentos de sistema para um bom funcionamento. Isso porque, apesar das grandes taxas de penetração do dispositivo no País, grande parte deles se concentra em modelos de entrada, com configurações limitadas para uma boa performance de plataformas de jogos mais sofisticadas.

Assim, o mercado de jogos mobile – da mesma forma que o próprio mercado de smartphones – passa por um processo de intensa democratização, trazendo para seu universo um contingente de consumidores altamente atrativo para as marcas.

A partir de um cenário tão otimista esperado para os próximos anos – tanto em números de faturamento quanto de novos entrantes, encorajados pela pandemia –, não é de se surpreender que muitas empresas tenham voltado suas atenções para esta nova plataforma de comunicação com seu público. Mas qual é o espaço real que o universo digital ocupa no “novo normal” dos consumidores?

Fadiga digital: ameaça ao futuro do mercado?
Com as medidas de isolamento social durando mais tempo do que o previsto, as plataformas digitais tornaram-se um denominador comum entre entretenimento, socialização, estudos e trabalho. Longas jornadas diárias em frente às telas têm encorajado muitos brasileiros a abraçar medidas de redução do tempo gasto em dispositivos digitais e em redes sociais – consequência do efeito conhecido como fadiga digital.

Conceitualmente, do ponto de vista médico este efeito se refere a um desconforto ocular e consequentes distúrbios visuais que costumam ocorrer após longos períodos de exposição às telas. No contexto da pandemia, no entanto, refere-se ao desejo de adotar rotinas com intervalos de desconexão maiores, privilegiando atividades e interações off-line, mantendo-se distante do fluxo ininterrupto de informações que os dispositivos digitais proporcionam.

Jovens das gerações Z e Millennials do Brasil estão entre os que mais pretendem reduzir o tempo gasto em dispositivos digitais, atividades em redes sociais e o tempo em serviços de streaming digital nos próximos 12 meses, como consequência da Covid-19 – mais de 25% deles indicam que têm estes planos.

Com as atividades off-line limitadas ao âmbito dos lares, muitos destes jovens acabam por optar pelo universo dos games como uma forma de se desconectar do mundo real – e seus problemas – ainda que se mantenham conectados a outros jogadores e ao universo digital.

As perguntas que surgem são: se tantos jovens buscam este escape em um mundo paralelo dos games, qual é o real espaço que as marcas podem e devem ocupar neste novo universo? A presença destas marcas será acolhida dentro desta nova realidade ou será vista como invasão de um espaço que deveria ser uma espécie de refúgio?

Consistência: o segredo da relevância
Quando se fala sobre comunicação de marcas com o consumidor, não é novidade que a consistência é um fator fundamental. Coesão entre os valores da marca e suas iniciativas de comunicação com o consumidor devem ser o principal ingrediente de uma receita de campanha de sucesso. No universo dos games, este fator é ainda mais decisivo para reforçar a marca de maneira positiva e criar uma relação relevante com o consumidor. Apesar de não faltarem exemplos de marcas utilizando as plataformas de games para lançamentos de novos produtos e serviços, nem todas conseguem amarrar esta estratégia com os valores da marca no mundo off-line.

Recentemente, no entanto, o Grupo Boticário inovou ao estrear com ação no jogo Avakin Life. Ao permitir que o jogador crie um avatar e desenvolva uma vida dentro do jogo, a marca ocupa um espaço similar ao do mundo off-line: criou uma loja onde os jogadores têm acesso a uma assistente virtual, que traz informações sobre as ativações da marca dentro do programa. Estas ativações envolvem desafios com criação de looks, concursos de beleza e outras missões que valem BotiCoins – pontos que podem ser resgatados para aquisição de itens do portfólio da marca.

O impacto da entrada da marca no universo dos games, no entanto, não se restringe a reproduzir a experiência off-line. Vem como celebração à entrada de um número maior de jogadoras neste mercado – ressoando com consistência algumas das bandeiras trabalhadas pelo grupo no País, como equidade de gênero e diversidade.
Mais do que isso, a oferta de itens de cuidados pessoais para todos os avatares no jogo contribui para eliminar barreiras de entrada dos homens neste segmento – a média de itens de cuidados pessoais e beleza usadas por eles no País é de dois produtos, enquanto para as mulheres gira em torno de sete. Desta forma, quebrar paradigmas dentro do universo dos jogos digitais pode se tornar um caminho consistente para reproduzir no mundo digital os mesmos avanços.

Assim, é inegável que a relevância dos jogos digitais para o mercado global e, sobretudo, o brasileiro, tem crescido em níveis exponenciais e estas plataformas, hoje, fazem parte da estratégia de comunicação das marcas. A profusão de novos jogos, muitos novos jogadores e o muito tempo gasto ainda nestas plataformas, no entanto, não diminui a importância da consistência das ações das marcas dentro dos jogos com os seus valores fora deles.

Para um contingente de consumidores cada vez mais crítico de ações de marketing vazias, consistência e relevância serão ingredientes fundamentais para as marcas que ousarem se aventurar dentro do universo dos games. A velha máxima ainda é verdadeira: se não souber jogar, nem venha para o parquinho – seja ele físico ou digital.

Crédito da imagem do topo: Soumil/Kumar/Pexels

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