As lojas como espelho das mudanças do varejo
O brasileiro Roberto Funari, CEO da Alpargatas, e Martin Islas, head global de retail experience da Lego, mostram que suas marcas têm o retailtainment como ponto em comum
O brasileiro Roberto Funari, CEO da Alpargatas, e Martin Islas, head global de retail experience da Lego, mostram que suas marcas têm o retailtainment como ponto em comum
Roseani Rocha
16 de janeiro de 2023 - 22h27
As transformações pelas quais o varejo tem passado, que muitas vezes têm base na evolução da infraestrutura ou são reações a mudanças de comportamento dos consumidores, acabam se refletindo nas lojas e no papel que elas desempenham hoje, em relação ao passado, além de colocar os líderes do segmento já tentando lançar olhares para o futuro.
Uma das primeiras conversas da NRF a respeito do tema teve presença de Roberto Funari, CEO da Alpargatas, que ao lado do italiano Giorgio Pradi, presidente da Sunglasshut, discutiu com o host, o também brasileiro Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, sobre o fato de a loja do futuro dizer menos respeito à loja em si do que ao modelo de negócio.
Serrentino introduziu o tema lembrando que as lojas precisam ser reinventadas, uma vez que, hoje, se tornaram, entre outras coisas, hubs logísticos das marcas e é preciso que tenham uma conexão muito mais forte com CRM, o que, por sua vez, também demanda novos indicadores de performance, ou KPIs. “Reinventar a loja demanda reinventar o modelo de negócio e isso começa com cultura, em desafiar os KPIs atuais”, disse o consultor.
Funari, falando para uma plateia na qual havia muitos varejistas brasileiros, disse que a Alpargatas é uma power house de marcas globais, que tem o brand equity como centro do negócio. “Tudo que fazemos é para fomentar isso”, pontuou, destacando também – em especial no caso de Havaianas – como as lojas atendem ao objetivo de, em qualquer lugar do mundo, levar o espírito do verão brasileiro. E isso mesmo em destinos de verão globais que não sejam praias.
Já o executivo da empresa que comanda a Luxxotica relembrou o movimento arrojado da companhia, anos atrás para entrar no mercado americano por meio de uma aquisição. Mas a ação, disse, foi visionária, pois ter investido no varejo significa ter um canal direct-to-consumer. Por meio delas, é possível colher e analisar dados dos consumidores o que influencia até a produção nas fábricas e permite antecipar trends em relação à concorrência.
Por outro lado, o movimento de crescimento digital da pandemia fez o e-commerce sair de 2% para uma venda em dois dígitos. E agora, com a volta à normalidade, foi preciso criar uma experiência mais integrada. Ao contrário de algumas varejistas, inclusive de luxo, que gostam de transformar a experiência de uma loja totalmente distinta da outra, dependendo de onde esteja, a Luxxotica busca ter certo padrão global. “Mesmo em lojas diferentes, é preciso ter consistência e o mesmo nível de experiências”, disse Pradi.
Se a experiência precisa ser a mesma, há fatores que podem ser levados em conta de modo diferente. Tanto que a Alpargatas adquiriu em 2021, lembrou Funari, a startup Ioasys com foco em acelerar sua transformação digital, tendo em vista melhorar a experiência dos consumidores, tomar decisões de operações de loja e mesmo apoiar a expansão global de Havaianas. Outro ponto em que a tecnologia tem ajudado é na segmentação das lojas, influenciando questões como price point, dependendo do lugar do mundo onde está localizada ou região dentro de um mesmo país ou cidade.
Quanto à visão de futuro sobre o varejo, os dois executivos, os dois destacaram os impactos da pandemia na digitalização, mas vêm complementaridade entre consumo online e físico, sendo este último, agora, tendo de atender a novas expectativas dos clientes, mesmo nas lojas menores.
Uma dessas novas expectativas diz respeito, destacou Roberto Funari, a ainda funcionar como local para oferecer serviços e engajar o consumidor, inclusive como entretenimento.
Juntando as peças
O aspecto entretenimento foi o centro de uma palestra com Martin Urrutia Islas, head global de experiência de varejo da empresa dinamarquesa. O executivo mexicano comentou ações da empresa que a colocam como referência na mescla entre experiências físicas e digitais, construindo o que, na NRF, ele chamou de “retailtainment”, ou seja, o varejo que é também entretenimento.
A Lego está presente com operação própria em 44 países e, no total, em 120. Somente na China, ano passado, abriu 100 lojas. E em 2023, disse Islas, construir essa presença de varejo. Ele destacou que as lojas, que no caso da Lego recebem famílias inteiras, têm que funcionar como algo além do transacional e sim um espaço de socialização. “Vejo a loja como outro canal de comunicação da marca, onde apresentamos os produtos e podemos ouvir os consumidores”, destacou.
E acrescentou que é preciso oferecer boas experiências na loja, pois isso demonstra preocupação em como as pessoas se sentem. Para cumprir essa tarefa, defendeu Islas, é preciso ouvir “de verdade” clientes e funcionários, que são os que estão em contato direto com os consumidores. E mesmo o modelo das lojas físicas foi mudado há dois anos com esse objetivo de ser o retailtainment. “Somos uma companhia de inovação, adoramos criatividade”, enfatizou Islas. E essa criatividade vem também em plataformas colaborativas, como o site ideas.lego.com, no qual as pessoas podem colocar suas ideias de produtos e quando alguma atinge 10 mil votos, um comitê da Lego analisa se é algo que pode ser desenvolvido.
Questionado sobre como lidar com as novas gerações e se manter atrativa em tempos de games e digital, o head da Lego afirmou que novas gerações de consumidores não mudam tanto, pois, como seres humanos, todos gostamos de viver momentos surpreendentes e de um bom storytelling. Já o digital, quanto ao e-commerce, é visto por ele como mais uma forma de a marca conseguir conexão com um número maior de shoppers.
E, por fim, mas não menos importante, dada a situação do planeta em relação à exaustão de recursos e urgência climática, o moderador questionou Islas sobre a sustentabilidade, já que a Lego utiliza o plástico como matéria-prima. O executivo mexicano usou a própria natureza do produto para justificar que a empresa tem essa preocupação também. No caso, ao lembrar que uma criança passa décadas com um mesmo brinquedo, não sendo algo tão rapidamente descartável. Além disso, ele contou que novos materiais para as peças de Lego vêm sendo estudados e que a companhia tem uma espécie de logística reversa, num projeto que recolhe peças de Lego descartadas pelas pessoas para serem doadas a escolas e comunidades.
Compartilhe
Veja também
Para CEO do GPA, avanço do retail media depende da crença dos líderes
Em entrevista, Marcelo Pimentel, explica os passos do grupo na construção da operação de retail e aponta a transposição da experiência da loja ao digital como o principal desafio da categoria
IA, pé no chão e experiência: CMOs fazem balanço da NRF 2024
Bárbara Miranda (Ipiranga), Washington Theotonio (Americanas S.A) e Vivian Zwir (Grupo Casas Bahia) dividem os temas que mais se destacaram ao longo dos três dias de evento