25 de junho de 2025 - 14h00
Esperei algumas semanas para escrever este artigo: precisava decantar os fatos pitorescos que a CPI das Bets nos entregou. Obviamente, tudo terminou em pizza. Mas o grande destaque foi no dia 13 de maio de 2025, quando a mega-influenciadora Virgínia Fonseca virou a atração principal, em pleno Senado Federal.
Não preciso esmiuçar o circo que foi aquele depoimento. Muito já se falou e, na verdade, nada surpreende. A dinâmica superficial e cínica que predominou foi congruente com o estilo de influencers com milhões de seguidores, frequentemente retroalimentado pela indústria da comunicação.
Me vali desse histriônico episódio, na verdade, para chamar a atenção para tema “responsabilidade midiática” das marcas. Como tenho reiterado, inclusive neste Meio & Mensagem, a responsabilidade midiática é um critério inegociável para toda marca relevante e com propósitos construtivos para a sociedade, entre eles o necessário resgate do atributo “confiança”.
Em um mundo onde a desinformação, polarização e a superficialidade proliferam, a confiança se torna o atributo mais valioso, conforme apontam estudos como o ubíquo Edelman Trust Barometer. No levantamento de 2025, a Edelman identifica uma “crise de ressentimento” inversamente proporcional aos níveis de confiança, conforme esse gráfico extraído da 25ª edição do relatório:

A imagem, retirada da página 58 do estudo, mostra o óbvio: se a confiança cresce, a queixa diminui. Mas tal dinâmica, claro, não vem acontecendo nas redes, inclusive pela atuação temerária de muitas marcas junto aos “influencers”.
Entra ano, sai ano, os escândalos envolvendo tais agentes evidenciam a vulnerabilidade de estratégias com ênfase em influenciadores digitais. Casos como os das apostas online escancaram não apenas os riscos inerentes a um modelo pautado apenas pelo alcance. Evidenciam, principalmente, a negligência de empresas com aspectos como profundidade, compromisso com a verdade e cuidado com as pessoas.
Diante desse cenário de absurdos, finalmente o mercado sinaliza uma mudança paradigmática: da audiência massiva para a autoridade de nicho. Especialistas do setor apontam para o declínio dos influenciadores de grandes audiências em favor de vozes especializadas que oferecem conteúdo de profundidade e alto valor agregado.
Há uma virada de chave em curso, com mais gente apontando para a necessidade de uma comunicação robusta e autêntica. Em um canal patrocinado pela Huge, a Fast Company dispara: “Esqueça a economia da atenção: Prepare-se para a economia da intenção”. Essa visão está em linha com Gary Vaynerchuck, que cunhou o termo “mídia de interesse” para defender a importância de informar com qualidade e não mais acumular seguidores.
No Brasil também não estou sozinho: por exemplo, a Bia Granja destaca a importância de um conteúdo com intencionalidade, para geração de confiança. Essa transição é urgente e inadiável. Se as marcas ainda hesitam em promovê-la, é por ignorância (no sentido mais duro da palavra, de não compreender a sua responsabilidade midiática) ou, em muitos casos, por má-fé – buscando atalhos no sedentarismo cognitivo que compromete sua reputação e afeta negativamente suas audiências.
Para operar nesse ciclo virtuoso da “mídia de interesse”, entretanto, as marcas precisam investir na comunicação editorial de qualidade. Isso significa, em essência, se tornar uma fonte de informação crível, com um programa editorial próprio, relevante e de alta qualidade, estabelecendo sua autoridade perante seu nicho.
É um movimento necessário e que posiciona a marca como um legítimo publisher setorial. A relevância, afinal, não reside no volume de seguidores, mas na capacidade de uma marca se estabelecer como um destino editorial confiável para uma comunidade editorial legítima.
Brand publishing como cérebro da comunicação editorial
O brand publishing representa a evolução natural desta demanda por confiança. Apenas publicar conteúdo nas fragmentadas redes sociais não é suficiente. Para serem relevantes e construtivas, as marcas devem se estabelecer como publishers legítimos em seus setores, construindo um ativo de conteúdo proprietário e duradouro, para desenvolver uma comunidade editorial em torno do seu campo semântico.
Esse esforço contribui para o resgate da confiança e ajuda proteger a sociedade contra a desinformação. Inclusive, a marca se posiciona como organizador do debate em seu setor, estabelecendo conexões com influencers e creators de qualidade.
A L’Oreal, com seu ativo de brand publishing Makeup.com, é um exemplo pioneirísimo desta dinâmica. Criado pelos idos de 2010, quando as vloggers de maquiagem se despontavam como estrelas do Youtube, a marca de cosméticos decidiu se posicionar como publisher, ao invés de se acotovelar entre as influencers.
Em um movimento de autoridade e proteção de marca, a LOreal se tornou organizadora do debate e integrou influencers de beleza ao ativo editorial proprietário. Hoje o Makeup.com é um dos principais ativos sobre maquiagem e beleza no mundo, com cerca de 150 mil acessos por mês, segundo a SimilarWeb.
Papel dos influenciadores
Ao escolher como case o decano exemplo da L’Oreal, quero frisar que estratégia de brand publishing não substitui o papel dos influenciadores, mas os reposiciona como elementos complementares ao seu programa editorial proprietário.
Influenciadores e criadores de conteúdo responsáveis, que construíram autoridade genuína em seus nichos, mantêm valor como amplificadores de mensagens e pontes para comunidades específicas.
No entanto, e aqui reside o ponto crucial, eles não devem ser a estratégia protagonista. A dependência excessiva de mensagens efêmeras para a construção da imagem e da mensagem da marca é um risco que o cenário atual, da sociedade da informação, simplesmente não permite mais.
Novamente, a responsabilidade midiática
Por essas e muitas outras, a responsabilidade midiática das marcas passa necessariamente pelo seu compromisso com a qualidade da informação setorial. Um compromisso assumido com sua indústria e, no limite, com toda a sociedade.
Afinal, essa licença para informar já é concedida pelos consumidores, que acreditam que as marcas são confiáveis e devem fazer mais para melhorar o mundo, conforme aponta o Edelman Trust Barometer.
Ainda mais diante da emergência da inteligência artificial, que desemboca na necessidade cada vez maior de se criar comunidades por meio da difusão de informações mais profundas e relevantes. Tal conjuntura vai renovar a própria indústria publishing e, por extensão, abrir avenida ainda mais larga e comprida para o brand publishing.
Em outras palavras, o brand publishing é uma das disciplinas protagonistas desse admirável mundo novo que se avizinha.
Mas ocupar a nobre posição de destino editorial é um esforço que não oferece atalhos fáceis. Implica investimento em processos de publishing em nível profissional, com tecnologia, produção, curadoria e distribuição de informação para audiências realmente interessadas em seus temas. Não pode ter preguiça: as lideranças das marcas têm que renovar a mentalidade e entender a real demanda da sociedade por informação confiável.
A consolidação do brand publishing como estratégia protagonista é um caminho inexorável da comunicação das marcas, principalmente porque é sustentável financeira e operacionalmente com resultados claros, tanto em reputação, quanto em negócios.
A capacidade de gerar valor consistente através de um ativo editorial proprietário estabelece a marca como referência em seu setor e cria vínculos de confiança que transcendem campanhas pontuais.
Quanto mais relevante e consistente for o programa editorial da marca, maior será a relação de confiança de uma marca com seus públicos e com toda a sociedade.