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Opinião

Desbravar o possível

Precisamos sair do ciclo aprender pela dor e nos dedicarmos a aprender pelo amor


15 de março de 2021 - 14h20

(Crédito: Ajijchan/ iStock)

“Três coisas são impossíveis: ensinar, curar e governar”, disse Anna Freud. Mas são exatamente as coisas impossíveis que precisamos enfrentar, ainda mais quando se relacionam intimamente em estruturas sócio-políticas. Todos nós precisamos de cura em um ou mais níveis, sendo que a cura começa pela consciência do outro enquanto possibilidade de igualdade e não de diferenciação. Curar é reeducar e administrar as doenças do ego, a fim de que esse não prejudique ou sufoque a vida.

É interessante observar também que, por muito tempo e em diversas culturas, foi o exercício desmedido do ego que ergueu e derrubou impérios, impactando toda vida ao entorno. Os conceitos de saúde, sustentabilidade e equilíbrio como fundamentos do bem-estar social são ideias novas em relação a tantas práticas hedonistas e consumistas.

Esse e outros fatores comprovam que a noção de saúde e cura deve ser continuamente repensada: antes do século 18, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres ou melhor, de separação e exclusão. Nessa época, guardava a função de “morredouro”. Foi por conta dos hospitais marítimos (que tinham práticas de quarentena para evitar epidemias em embarques e desembarques) e do preço dos soldados – que deveriam ser mantidos vivos em prol da economia do Estado durante a guerra – que o hospital passou a ser associado como um lugar para a manutenção e melhoria da vida.

Hoje, em pleno século 21 e com a mesma urgência característica da nossa modalidade de vida, é necessário expandir e modificar as noções de cuidar, curar e de valorizar a vida, inclusive para além das paredes do hospital. Ora, se a saúde só puder ser fator de atenção em casos críticos ou dentro de hospitais, isso significa que a própria compreensão sobre a vida ainda está desestruturada, e com isso empacamos novamente nos três impossíveis: ensinar, curar e governar.

Já temos tecnologia, já temos mais infraestrutura, já temos, inclusive, mais dinheiro e mais praticidade para espalhar informação. O que falta? Uma renovação mental irá se impor de qualquer modo, seja por ação ou coerção, por atitude ou por desistência. Em qualquer um dos casos, a reeducação das posturas individuais irá conduzir a novas formas de governo do coletivo. Quanto à cura, adverte o filósofo Comte: nenhuma renovação mental pode realmente regenerar a sociedade a não ser quando a sistematização das ideias conduz à sistematização dos sentimentos.” A renovação do sentir está pautada, hoje, na fragilidade e na fugacidade da vida, mas, de alguma forma, se esse sentir é novo em circunstância, já é conhecido em contexto. Precisamos sair do ciclo aprender pela dor e nos dedicarmos a aprender pelo amor: amor ao eu como autorrespeito, amor ao próximo como colaboração e empatia, entre outros. É o próprio sentir que criará valores, e esses, por sua vez, reorganizarão a sociedade.

Como sentir diferente? Essa é uma questão que só a poesia pode responder. Com a palavra, Orides Fontela:

A poesia é
impossível

o amor é mais
que impossível

a vida, a morte loucamente
impossíveis.

Só a estrela, só a
estrela
existe

– só existe o impossível

Se só existe o impossível e, ainda assim, resistimos enquanto substâncias existenciais, é porque na verdade, tudo é possível. Vamos todo, desbravando o possível e nos curando de impossíveis.

*Crédito da foto no topo: Oleg Magni/Pexels

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