“E você, trabalha com o quê?”
Pergunta, recebida numa aldeia indígena, instigou a reflexão sobre a importância que a publicidade pode ter no apoio a causas relevantes
Pergunta, recebida numa aldeia indígena, instigou a reflexão sobre a importância que a publicidade pode ter no apoio a causas relevantes
A pergunta que intitula este artigo veio da Nilza, uma indígena do povo Puyanawa – aldeia no extremo oeste do estado do Acre – e mudou definitivamente o rumo da minha vida.
Estive com a Creators Academy em uma imersão de sete dias em um território indígena, e entre cerimônias com o cacique Joel Puyanawa e grupos de compartilhamento com a equipe de mais de 100 pessoas, eu passava horas sentada na venda da Nilza, tomando água de coco e a assistindo trabalhar incansavelmente, enquanto cozinhava, servia, sorria e cantava. Nilza Sibi Puyanawa tem 35 anos, três filhos e um carisma contagiante. Ela é a dona de uma venda que fica no centro cultural da aldeia Puyanawa e que entre água de coco, tapioca e bolinhos de chuva, também distribui amor.
Logo nas nossas primeiras conversas, Nilza perguntou sobre meu trabalho, sobre minha família… e depois de me contar que toda a comunidade a ajudou construir madeira por madeira o seu estabelecimento, ela me olhou e perguntou “e você faz o que, Débora?”.
Silenciei por uns segundos olhando para ela e, tentando encontrar uma forma objetiva de definir publicidade, dentro daquele contexto, respondi “eu faço comercial de TV”. Ela soltou um desinteressado “ah, tá” e saiu para atender alguém que chegou pedindo algo.
Fiquei ali ressoando a minha resposta. Olhando em volta e sentindo uma completa desnecessidade para o mundo, no que eu faço e amo enquanto trabalho. Algumas pessoas têm uma visão completamente equivocada com relação a conexão/tecnologia e alguns povos indígenas, na aldeia Puyanawa, por exemplo, existe um sinal de internet que era melhor do que o que tínhamos no hotel. Mas a diferença é que senti que eles usam a internet, mas a internet e a mídia não os têm como reféns.
A vida em uma aldeia depende da aldeia. Comem o que plantam, compram apenas o que precisam, compartilham o que ganham, uma dinâmica verdadeiramente simples e coletiva. A natureza do meu trabalho de criar necessidades não necessárias, perdeu completamente o sentido naquele espaço. Percebi que havia muito para eu aprender na relação que eles têm com o consumo, entre modernas motos e carros que circulavam na aldeia e os artesanais tetos das malocas trançados com palha.
Na volta, chegando ao aeroporto lotado, desci uma escada rolante e dei de cara com um OOH gigantesco com uma campanha que eu tinha feito. Parei e fiquei observando a quantidade absurda de pessoas sendo impactadas por aquele painel luminoso, estrategicamente posicionado. Sentei para esperar o carro e do meu lado um homem rolando seu feed passou por mais um monte de campanhas feitas pelos meus colegas.
Peguei o celular e escrevi uma mensagem para Nilza:
“Nilza, minha amiga… Sabe tudo aquilo que conversamos sobre a urgência em regenerar a floresta? Sabe nosso papo sobre estruturar o empreendedorismo para as mulheres indígenas? Lembra que você me contou que a cidade precisa aprender a beleza da convivência entre os diferentes tipos de fé da aldeia? Então, acho que o alcance gigantesco das mensagens que emitimos na publicidade, o dinheiro que as marcas investem para chegar até a casa e ao coração das pessoas, pode ser útil nisso, o que a gente faz CHEGA PARA MUITA GENTE e é exatamente isso que eu amo no que eu faço. E eu prometo que não deixarei de tentar fazer com que as mensagens que importam cheguem longe e movimentem as estruturas. Te mando notícias. Mande beijos para sua filha, minha xará Débora e até breve.”.
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