Escapismo X vida real: o que postar na quarentena
Há um sofrimento coletivo sem precedentes no ar e você não pode simplesmente fingir que ele não existe
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Quando cheguei no Instagram, era tudo mato. Estamos falando de 2011. Fui uma usuária ativa e operante desde o dia 1. Na época, dirigia uma revista feminina, a Glamour, que nasceu praticamente junto com o app. Fui flechada instantaneamente: vi o Insta esfregar na nossa cara todos os predicados em falta na mídia impressa feminina – autenticidade, humanidade, originalidade, informalidade. Era vida real na veia. Gente real falando com gente real. Sem filtros, sem clichês de perfeição, sem grandes pretensões. Era um admirável – e mais horizontal, menos hierarquizado, mais democrático – mundo novo surgindo no front.
Mas o tempo passou, o mundo girou, a Lusitana rodou (e acabei de entregar minha idade, fazer o quê). Aos poucos, a brisa de ar fresco trazida pelo conteúdo do Insta se dissipou. Influencers viraram marcas, mídias, veículos. Ou seja: minirrevistas, muitas vezes com publiposts ocultos. A coisa saturou geral. Além disso, muitas influencers construíram sua história em cima de feeds perfeitos com curadoria cuidadosa. Viagens-ostentação, festas nababescas e looks do dia grifados sustentaram conteúdos 100% aspiracionais, para fazer sonhar e suspirar quem só poderia ter acesso àquele universo cor-de-rosa por meio dos tais posts oníricos. Era legítimo, fez sentido por um tempo e não deixo de aplaudir, já que sempre há mérito no sucesso.
Só que a pandemia chegou para mover as placas tectônicas das redes sociais, da moda, da beleza e do lifestyle como um todo como nunca antes se viu – na real, chegou para mover todas as nossas certezas, ilusões de controle e egotrips narcísicas; foco nas acima mencionadas porque são minhas áreas de atuação. Há muitas dúvidas, poucas respostas. Nada nem ninguém nos preparou pra este momento – nem MBA, nem pós-sei-lá-o-que em Harvard, nem nenhum dos cursos online amplamente oferecidos de graça agora. Estamos todos tentando, errando e acertando. Empiricamente nos testando. E, às vezes, é preciso errar muito pra acertar.
Uma coisa é certa: somos humanos e marcas em crise – financeira e existencial, além de estarmos desnorteados, inseguros, irritados e entediados – nos comunicando com humanos e marcas em crise. Não esperamos que as coisas voltem “ao normal”. Estamos angustiados com o que será considerado normal depois disso. Não estamos acostumados a este tipo de incerteza prolongada. E todos, sem exceção, teremos de reescrever as rotas de nossos negócios.
Foi um prólogo extenso para poder chegar a algumas conclusões, se me permitem, acerca do título deste artigo. Empatia e bom-senso são palavras-chave que devem nortear cada comunicação, pessoa física e/ou jurídica. Em tempos de cancelamentos frequentes e destruições seriais de reputação online, postar menos e com mais propósito parece o mais sensato.
Utilidade e criatividade também são bons nortes. Pense em como sua influência pode servir às pessoas e comunique isso de maneira clara e original. No que você pode ser útil? Divulgando campanhas sociais nas quais você confia? Sendo transparente com relação à sua política junto aos funcionários e colaboradores? Fazendo doações ou usando seus meios de produção em prol das vítimas da pandemia? Com receitas, treinos em casa, humor e entretenimento?
Com um mix disso tudo? Saia da sua zona de conforto e arrisque-se a mostrar seu lifestyle de forma mais crua, abrangente e real. Volte, enfim, aos primórdios do Instagram. Aqueles que serviram de passaporte para que a plataforma revolucionasse nossa maneira de captar o mundo. Quem tem feito isso muito bem, obrigada, é a musa das blogueiras, a italiana Chiara Ferragni, quase 20 milhões de seguidores. Desde o início do isolamento, ela já estimulou doações, divertiu o mundo com suas coreôs no TikTok, arrancou “owns” exibindo a fofura do seu filho Leo, compartilhou receitas… não reinventou a roda, porém “entregou” um mix variado, sensível, empático e divertido. Não é pouca coisa.
Last but not least: fuja do conteúdo monotemático e, sobretudo, não poste como se nada de extraordinário estivesse acontecendo no planeta. Há um sofrimento coletivo sem precedentes no ar e você não pode simplesmente fingir que ele não existe. Influencers (cpfs e cnpjs) que se prezem não se alienam do zeigeist. Ou não são dignos deste nome. Portanto, não ostentem (se antes era aspiracional, hoje é ofensivo e inadequado), evitem #tbts luxuosos, corram de promoções oportunistas (tipo “usem este código de desconto para ganhar 5% off nas suas compras”… oi?), mostrem-se vulneráveis e humanos (nada conecta mais que isso: a união pela incerteza geral). Estamos todos com nossas feridas abertas. Qualquer overdose de merthiolate não será tolerada ou esquecida. Estamos plantando a imagem pela qual seremos reconhecidos por público, crítica e mercado. Sejamos gentis, sejamos antissépticos com anestésico, band-aid e canja de galinha. Porque vai passar… Assopra aqui?
*Crédito da foto no topo: Reprodução
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