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Opinião

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Somente a aderência a ações e programas afirmativos em prol de grupos mais vulneráveis da sociedade não é o bastante para evitar que barbaridades como o assassinato de João Alberto Freitas aconteçam


30 de novembro de 2020 - 13h45

(Crédito: Alexandre Schneider/ Getty Images)

Uma semana após o assassinato de João Alberto Freitas, em uma loja do Carrefour, em Porto Alegre (RS), tanto a morte brutal quanto a discussão sobre o racismo seguem em pauta, mas deixaram de ocupar as manchetes dos principais sites e jornais de notícias. O impacto das cenas de selvageria sobre o desempenho financeiro da empresa estabilizou. Na quinta-feira 26, as ações do Carrefour foram negociadas na bolsa de valores de São Paulo a R$ 19,47, apenas 4% abaixo do registrado na quinta-feira 19, dia em que o crime foi cometido dentro do estabelecimento com sua bandeira.

Os danos à imagem da companhia de origem francesa e mais de 40 anos de história no Brasil também podem ser apenas temporários, caso a mesma siga o manual moderno de controle de crise: agir com transparência e assumir compromissos que demonstrem, por meio de desdobramentos práticos, e não apenas de comunicação, a dedicação para combater o racismo e promover a igualdade de tratamento e oportunidades entre brancos e negros, perante os olhos da Justiça, do mercado de trabalho e das relações sociais, em suas mais diferentes esferas.

Apesar de louvável, somente a aderência a ações e programas afirmativos em prol de grupos mais vulneráveis da sociedade não é o bastante para evitar que barbaridades como o assassinato de João Alberto Freitas aconteçam. O próprio Carrefour faz parte de iniciativas consideradas positivas, de fomento à inclusão e diversidade no seu quadro de funcionários — o varejista foi desligado, por tempo indeterminado, das atividades da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, movimento formado por empresas e instituições que lutam pela superação do racismo no ambiente corporativo —, além de manter boa reputação nos índices que aferem os níveis de sustentabilidade de seus negócios.

Aliás, a resiliência do valor de mercado do Carrefour, após o crime cometido dentro de seu ponto de venda, provocou um debate quanto à legitimidade dos critérios ESG (que valorizam a boa governança social e ambiental), contaminando, consequentemente, as demais companhias bem avaliadas sob esse indicador, embora alguns analistas afirmem que uma corporação não possa ser definida por um único indicador ou chancelado por atos independentes — é o conjunto da obra, defendem, que determinaria esse perfil.

Pois é justamente o “conjunto da obra” da nossa sociedade que leva autoridades em branding e marketing de causas, entrevistadas por Meio & Mensagem ao longo da semana, ponderarem que o assassinato de João Alberto Freitas, infelizmente, poderia ter acontecido em qualquer outra rede de varejo. Longe de minimizar a culpa do Carrefour, esse ponto de vista amplia as responsabilidades exponencialmente. Enquanto o racismo estrutural permanecer enraizado em nossas relações, sendo negado por lideranças, como o vice-presidente Hamilton Mourão, toda ação afirmativa, por mais bem intencionada que seja, corre o risco de ser apenas mais uma mensagem publicitária, dados os alicerces nos quais se apoiam, tão firmes quanto manteiga sob a lâmina de uma faca quente — leia-se, os valores perpetuados por nossa própria sociedade, até aqui.

“O primeiro passo é se assumir como racista. Eu diria, marcas, se assumam como racistas”, afirma Luana Génot, fundadora e diretora-executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), em entrevista ao editor Luiz Gustavo Pacete, publicada na edição semanal.  “Apenas dizer não ao racismo não foi capaz de evitar que a gente reproduzisse o racismo estrutural. Essa virada de chave do ‘não sou racista’ para ‘sou racista e preciso fazer algo para combatê-lo’ é fundamental para quebrar esse ciclo.”

A maior adesão pública a propósitos e atitudes para coibir práticas nefastas como o racismo é o único caminho seguro para que as empresas possam cumprir as promessas feitas nesse campo.

Enquanto sociedade, somos a soma de todas as nossas atitudes e das atitudes de todos.

*Crédito da foto no topo: Unsplash

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