Pyr Marcondes
15 de agosto de 2018 - 8h11
Ontem, por uma inominável imprudência idiota minha, provoquei um acidente de trânsito com um motociclista.
O pobre coitado que teve a infelicidade de cruzar meu caminho era uma pessoa totalmente desconhecida para mim. Nunca fez parte dos meus ciclos de amizades pessoais, profissionais ou familiares. Pois eis que ele me aparece como uma pessoa que eu possivelmente conheça no meu Linkedin. E, quase que de imediato, comecei em paralelo a ser impactado também por uma miríade de peças de comunicação online, me oferecendo planos de seguro.
Bom, muitos dos leitores já devem ter passado por experiências semelhantes, então não há qualquer novidade nesse meu relato aqui, embora eu confesse um pouco de espanto sempre que isso acontece comigo.
Você também deve sentir a mesma sensação, quando acontece com você.
O que permitiu que meu perfil e meus dados fossem rastreados e minha privacidade inapelavelmente invadida sem minha permissão?
Não sou técnico, mas certamente foi um conjunto intricado e complexo de malhas de dados que se intercruzam permanentemente, e que envolvem a telefonia celular, as redes sociais, os intermediários de dados que infestam o ecossistema da comunicação publicitária comercial digital, a conivência de alguns portais e publishers, além da co-conivência de algumas agências e alguns anunciantes.
Todo mundo tem seu pedaço de responsabilidade por eu, e todos nós, todos os dias, sermos invadidos em nossa privacidade digital e pessoal.
Pois bem, ontem o Temer promulgou a lei de dados brasileira que, a exemplo de outras legislações mundo afora, particularmente a GDPR europeia, busca mitigar esses crime cibernéticos, que deveriam botar na cadeia todo mundo que faz ou co-faz parte dessa cadeia espúria de bandidos digitais.
A lei é boa, só que não. Boa porque existe. Mas frágil e com buracos jurídicos e técnicos, sobre os quais muita gente já falou e seguirá falando (aqui no ProXXIma, vamos seguir publicando artigos sobre o tema, embora o índice de leitura que eles provoquem seja sempre pífio, numa clara evidência de que as pessoas e profissionais da nossa indústria não estão nem aí para nada disso).
Mesmo a GPDR, mais consistente e vigente num Continente que, pelo menos sob o olhar da História, é certamente mais sério do que nós, cucarachos do jeitinho, tem suas limitações de eficácia efetiva.
Tanto a nossa legislação, como a europeia e, em breve, as que deverão vir a ser promulgadas na Ásia e norte-américa, serão muito importantes para seguirmos construindo barreiras para que um acidente de trânsito como o meu não seja mais uma porta escancarada para que dados dos envolvidos passem a circular livremente pelas vielas do crime organizado digital.
Mas, ainda assim, a fragilidade geral de tudo isso seguirá flagrante. Infelizmente.
A tecnologia, neste caso, é a vilã. Ela é muito, mas muito poderosa para seguir suas chicanes e escaramuças, e através delas continuar ludibriando as eventuais boas intenções legais, permitindo assim que, em verdade, sigamos todos desprotegidos.
Em artigo publicado ontem aqui no ProXXIma, nosso colaborador Omarson Costa, escreveu sobre a Internet das Coisas e a privacidade de dados, e nele esse tema foi muito competentemente abordado.
Omarson alerta que se tá ruim agora, vai piorar com a chegada da Internet das Coisas. As “coisas” serão ainda muitos mais vulneráveis do que nossos celulares e nossas redes sociais, uma vez que a camada de segurança de dados que se poderá acoplar a elas deverá ser virtualmente inócua.
Omarson dá um conselho cômico, se não fosse trágico. Se você se preocupa com tudo isso, só tem um jeito: desligue-se da tomada.
Como é improvável que isso ocorra na prática, seguiremos aqui nosso calvário de frágeis coadjuvantes de uma trama em que a falta de caráter de profissionais e empresas, direta ou indiretamente envolvidos, são os verdadeiros, fulgurantes e bem sucedidos protagonistas.
Todos criminosos, mas que como parte significativa das pessoas do nosso mercado, não estão nem aí para nada disso.