Pyr Marcondes
18 de junho de 2017 - 19h00
Como já estava escrito nas estrelas digitais faz tempo, tudo vai virar tudo. Temos dito isso frequentemente, quando falamos de varejo: não haverá a distinção entre o físico e o virtual do ponto de vista de negócios. Nem a loja física vai desaparecer, nem o mundo digital ficará eternamente na distante situação em que se encontra hoje, sendo responsável por uma parcela de menos de 10% dos negócios do comércio no mundo.
Uma coisa vai se interpenetrar na outra, cada qual em sua medida contribuindo para essa integração com seu melhor, ambos os lados que cada vez mais são um só transformando o varejo como o conhecemos em algo que ainda não conhecemos, mas que não é difícil de imaginar. Basta tentar enxergar o futuro próximo (nada de décadas, mas poucos anos à frente) com os olhos do Jeff Bezos e do pessoal do Wal-Mart.
O que ambas as empresas e suas concorrentes já enxergaram é que a verdade está no meio. A experiência online não substitui a experiência física e, na loja, o ambiente está cada vez mais dotado de ferramentas tecnológicas que aproximam os dois mundos de vez. A verdade é omnichannel.
Para esclarecer, Bonobos é uma operação de varejo digital voltada para moda masculina. Nicho demais? Não olhe assim. Olhe o conjunto da obra. O que Wal-Mart está fazendo é criando clusters segmentados no mercado online – que hoje não tem – trazendo para bordo operações de alta performance digital. Tem feito outras aquisições nessa linha e quer chegar mais perto dos millenials e consumidores mais jovens, ao contrário do seu perfil de usuário mais conservador de hoje. Nessa estratégia vem junto a tentativa de não ser apenas mais uma rede do tipo “vendemos mais barato”. Bonobos não tem essa proposta. É mais sofisticada e qualidade com preços para bolsos mais aquinhoados é a pegada.
Wal-Mart pagou por Bonobos a merreca de US$ 310 milhões, que comparados com os US$ 13 bilhões pagos pela Amazon pelo Whole Foods parecem piada.
Mas de novo, não olhe assim. Perceba que há uma desigualdade já na largada, uma vez que ainda é no mundo físico que se concentra a maior parte dos negócios do varejo hoje e, portanto, quem tem que correr para ocupar maiores espaços (e pagar mais por eles, óbvio) é a Amazon, não o Wal-Mart, o maior varejista do mundo (físico ou não).
Indispensável acrescentar também um outro olhar aqui: Amazon não é mais apenas um varejista, mas uma rede de produção e distribuição de séries e filmes, proprietária do Washington Post e também a primeira companhia do mundo de cloud computing. É há alguns anos considerada uma das empresas de tecnologia mais arrojadas e inovadoras do mundo. Não esqueçamos os seus drones e o Alexa. E ainda seu namoro com o Google na área dos self driving cars (seriam uma frota supimpa para distribuir, junto com os drones, as compras de seus usuários). Por esse conjunto da obra, seu market cap (ou seu valor em bolsa somadas todas as ações distribuídas em mercado) é de US$ 430 bilhões, enquanto o do Wal-Mart é praticamente a metade disso, ou US$ 220 bilhões.
O que os investidores avaliam não é o que rende a companhia hoje, mas o que ela pode render no futuro.
As 465 unidades da Whole Foods espalhadas pelos EUA darão agora a Amazon uma capilaridade física adicional, que a companhia jamais teve.
Os modelos do varejo estão sendo sacudidos e reinventados. A Natura quer comprar a Body Shop por 1 bilhão de euros para diversificar seu modelo porta-a-porta e entrar de cabeça, com as 3 mil lojas físicas da Body Shop espalhadas pelo mundo, no ambiente em que sua concorrente Boticário reina (também com 3 mil lojas, só que só no Brasil) até hoje.
Também essas companhias têm suas experiências digitais em evolução, na mesma busca de Amazon e Wal-Mart: a integração absoluta e definitiva dos dois mundos, a fronteira final do varejo. Que, by the way, é uma fronteira sem fim, pelas possibilidades transacionais ilimitadas que esses dois universos juntos representam.
Acompanhe essa briga de perto, porque novos capítulos deverão acontecer em breve. Ah, e espere para ver que posição irão tomar as plataformas de tudo (em contraposição à loja de tudo de Bezos), como Google e Facebook, Apple correndo por fora (sendo que Apple já atua no varejo faz tempo).
Quem viver, verá.