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Líderes tech enfrentam Congresso dos EUA e sua própria contradição
Como achar e responsabilizar culpados, se culpado é o planeta todo? Vigiar como, se vigiar a internet é tarefa, desculpem a expressão, virtualmente impossível?
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29 de março de 2021 - 16h12
A Seção 230, uma espécie de emenda normativa constante das leis que regulam os meios digitais nos EUA, fornece imunidade às plataformas e sites de conteúdo de terceiros — como é o caso do Google, Facebook e Twitter — contra eventuais processos, desde que, comprovadamente, elas tenham e adotem políticas claras que removam ou restrinjam conteúdos de terceiros que possam ser considerados “obscenos, lascivos, imundos (filthy), excessivamente violentos, ofensivos ou de qualquer outra forma questionáveis, independentemente de tal material ser ou não constitucionalmente protegido”, e desde que, sem sombra de dúvida, hajam em boa fé na busca da consecução dessas premissas legais.
A Seção 230 é legal, no sentido de cool, mas convenhamos, apesar de sua boa intenção, muito difícil de ser aplicada, na real, no mundo digital dos tempos de hoje. Já falo mais sobre isso.
Mas a última nesse tema foi a interpelação a que foram submetidos Mark Zuckerberg, Jack Dorsey e Sunday Pichai no Congresso norte-americano semana passada, e que tiveram que responder o que acham da Seção 230 e se ela deve ou não passar por alterações e modernizações.
Todos foram a favor, claro.
Robert Latta, deputado congressista de Ohio, por exemplo, como registrou a imprensa nos EUA, pediu ao CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, para citar mudanças específicas que ele apoia para a Seção 230. Zuckerberg disse que as grandes plataformas precisam emitir relatórios de transparência que declaram a prevalência de conteúdo em todas as categorias prejudiciais, como exploração infantil terrorismo, incitação à violência, violações da privacidade intelectual, entre outros assuntos.
Quando questionado a quem os relatórios devem ser enviados e com que frequência devem ser divulgados, Zuckerberg disse que as empresas devem ser responsabilizadas por terem sistemas como o do Facebook, que já identifica esse tipo de conteúdo trimestralmente.
A segunda mudança que Zuckerberg propõe é que as empresas tenham sistemas para moderar e remover conteúdo ilegal, como tráfico sexual e exportação de crianças.
“Acho que seria razoável condicionar a imunidade das plataformas maiores à existência de um sistema geralmente eficaz para moderar tipos de conteúdo claramente ilegais”, disse Zuckerberg.
Latta então perguntou ao CEO do Google, Sundar Pichai, se ele concordava com as alterações recomendadas de Zuckerberg à Seção 230.
“Essas são definitivamente boas propostas em relação à transparência e responsabilidade”, disse Pichai. “Receberíamos propostas legislativas nesta área.”
Já o CEO do Twitter, Jack Dorsey, disse acreditar que as ideias em torno da transparência são boas, mas será difícil diferenciar entre plataformas pequenas e grandes.
Tim Walberg, Rep. De Michigan, perguntou se essas plataformas deveriam ser os árbitros da verdade, pois foram classificadas na Seção 230.
Zuckerberg disse que é bom ter uma lei que permite que as plataformas moderem o conteúdo, mas seria benéfico ter mais responsabilidade e transparência.
Dorsey disse que não acha que as plataformas ou o governo deveriam ser os árbitros da verdade, mas concorda que é necessária maior transparência em relação à moderação de conteúdo. E citou que um dos problemas a serem endereçados são os algoritmos (já explico isso melhor).
Bom, como vimos, todas declarações exatamente como poderíamos esperar dos três líderes. Sob a ótica de seus negócios e diante da dificuldade que é, certamente, para eles, encarar de frente essa questão, eles responderam do jeito que deu e da forma que seria possível responder, nas atuais condições de temperatura e pressão.
Mas deveríamos esperar, e, em verdade, exigir, bem mais do que o esperado nas atuais condições de temperatura e pressão, já que a temperatura está mais alta do que nunca e a pressão social maior do que sempre, no que tange a divulgação, difusão e distribuição de conteúdos indevidos na internet, pelas quais essas plataformas são hoje, em conjunto, as maiores responsáveis.
A origem do problema está na origem dessas plataformas. Elas foram concebidas para serem ambientes agnósticos da internet livre, lembra-se dela? Pois bem, num mundo de antes, em que o ambiente hostil da pós-verdade, das fakes news e das ofensas digitais que invadiram a internet, além da igualmente nociva e pervasiva invasão de conteúdos indevidos na web, não existia, as regras eram outras e esses negócios terem surgido como os grandes amálgamas da caótica produção e profusão de conteúdos digitais na internet parecia ser (e de fato foi) sensacional. Esses negócios e essas plataformas cumpriram e cumprem ainda seu papel.
Do ponto de vista do seu modelo de negócios, é simples: publicidade. A velha e boa publicidade, agora travestida em atividade digital do mundo virtual.
Tudo certo, em princípio, já que milhares e milhares de plataformas, on e offline do mundo, sempre ganharam dinheiro com publicidade.
Mas algumas sutis diferenças precisamos reparar aqui. Enquanto os publishers do passado produziam conteúdo, essas plataformas raramente produzem hoje algo proprietário. São aglutinadoras de conteúdos de terceiros, corporativos e profissionais, ou simplesmente amadores, produzidos pelo mundaréu de gente que produz conteúdo hoje na internet.
O que veio junto, assim, nessa origem própria dessas plataformas, é que a questão ética, tão intrínseca desde sempre para os publishers tradicionais, pareceu alheia, distante e pouco relevante para estes jovens brilhantes da ilha das maravilhas chamada Vale do Silício.
Conteúdo, para eles, lato sensu, é um mercadoria para embrulhar.
Ocorre que tinha droga no pacote e agora os feds estão batento à porta.
E aí entra a questão do algoritmo, citada por Dorsey. Os algoritmos dessas plataformas nunca foram desenvolvidos e pensados para endereçar nada nem parecido com essas questões. Eles estão tendo que redesenhar tudo e colocar ética onde havia apenas algarismos da boa e velha aritmética.
Ora, aritmética não é, per se, uma ciência moral. Pode vir a ser, dependendo do uso que se faça dela. Sem entrar muito no mérito, Dorsey quis dizer que muita coisa na web acontece à revelia e sem controle de suas máquinas agregadoras de conteúdos e serviços. Na real, seus algoritmos são de um mundo que mudou e que continuará mudando, exigindo dele e de seus data scientists que saiam da bolha e encarem a dura realidade em que se meteram. A realidade, aliás, em que a sociedade inteira, da qual tiram seus lucros, se meteu.
A dificuldade a que me referi acima do fazer-se cumprir uma lei como a 230 tem a ver com tudo isso. Como achar e responsabilizar culpados, se culpado é o planeta todo? Vigiar como, se vigiar a internet é tarefa, desculpem a expressão, virtualmente impossível?
Ver os três líderes ali sentadinhos de terno e gravata no Congresso dos EUA, tendo que responder a questões para as quais nunca estiveram preparados para responder aqui na Terra, porque habitavam Marte, é, por um lado, até meio gozado, porque os caras evidentemente se sentem mega desconfortáveis nessa nova indumentária política em que estão agora enfiados, bem maior do que seu número e tamanho.
Por outro lado é revelador e inquietante, porque agora, sim ou sim, eles vão ter que se adequar, algoritmos junto, a um novo jeito de fazer internet. Sob pena de, se não se adaptarem, não fazerem mais internet nenhuma.
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