Pyr Marcondes
6 de julho de 2020 - 7h17
O papel foi inventado na China há mais de 2000 anos e serviu como suporte para a arte desde então, abrindo um universo de possibilidades para que a imaginação em apenas dois planos, o horizontal e o vertical, pudesse voar longe, criando histórias, imagens e, mais que tudo, sonhos sem fim.
Sem o papel, não teríamos todas as maiores obras literárias de todos os tempos. Sem ele, não teríamos nem os livros, nem a imprensa. Sem contar as gravuras, os sketches da arquitetura e do design, que nele nasceram. Ou ainda, os desenhos das invenções inebriantes, espantosas e transformadoras de Leonardo da Vinci. Os esboços de Picasso. As fórmulas de Einstein. As teses de Dawin. Toda a obra de Shakespeare.
Todo o conhecimento humano, toda a literatura, todas as informações e notícias, foram registradas em papel até a eclosão global da internet e dos suportes digitais na metade da década de 90, do século passado.
Esse movimento, o da internet, uma revolução tecno-humana sem precedentes na História, passou a colocar em cheque atividades, processos, procedimentos, serviços, narrativas, produtos e serviços baseados no papel.
Uma dor imensa.
De uma bula de remédios aos mais sofisticados complexos de noticias e informações do Planeta, passando pelos livros e todo o seu ecossistema editorial, tudo que o Homem hoje ainda faz sobre o papel, está, inexoravelmente, agora em cheque.
Num evento MaxiMidia anos atras, Roberto Civita, para meu espanto, declarou aos presentes: não é possível imaginar que uma indústria que corta árvores, usa tintas químicas que poluem o meio ambiente e utiliza uma logística de distribuição baseada no petróleo, possa ser viável daqui a alguns anos.
Ele, de forma visionária, falava da sua própria corporação, a Editora Abril, durante décadas o maior conglomerado de mídia impressa da América Latina, e um dos maiores marcos da imprensa brasileira de todos os tempos. E falava também de toda a indústria da informação sustentada no papel.
Pois nasci profissionalmente no papel.
No papel fiz meus primeiros desenhos, escrevi minhas primeiras palavras, minhas toscas poesias, redigi parte relevantes dos meus textos profissionais.
Ainda hoje, quando pego uma revista na banca de jornal (curioso, ainda chamamos as bancas de publicações de bancas de jornal), me emociono. Acho arte aquilo. Elaborada, complexa, esteticamente chic, um prazer intelectual e emocional para mim ainda único.
Mas o papel está em vias de desaparecer por completo da face do Planeta. Não é o que quero, não é o que desejo e é algo que me entristece a alma.
Mas é isso que vai acontecer.
Todos os livros e toda a imprensa serão digitais. Todos os desenhos serão digitais. Se Da Vinci nascesse hoje, estaria criando uma máquina de Inteligência Artificial para desenhar seus inventos.
Foi. É só uma questão de tempo.
O papel seguirá vivo por anos ainda como canvas de histórias humanas as mais diversas e da distribuição de informação, mesmo com a evolução da infra-estrutura digital e das novas tecnologias cognitivas como a voz, um indiscutível avanço interativo mais eficiente, já que falar é ainda mais intuitivo do que escrever.
Ainda assim, o papel e a arte que ele encerra no interior de suas tramas, seguirá vivo e pulsante na sua platitude bidimensional, de onde seguirão nascendo universos inteiros, sonhos e um sem fim de imaginações.
Mas será por algum tempo.
Depois desse tempo, o papel virá a ser apenas história.
Se eu ainda estiver por aqui, vou chorar. Sem lenços de papel para minhas lágrimas.