Pyr Marcondes
3 de fevereiro de 2019 - 11h16
Imperdoável para um jornalista como eu ter assistido apenas semana passada pela primeira vez o filme The Post, sobre os bastidores da revelação dos Pentagon Papers, em 1971, pelo Washington Post, um pouco antes do próprio Post revelar o escândalo de Watergate, que resultou no impeachment de Nixon, em 1974.
O filme é de 2017, dirigido por Steven Spielberg, e tem como protagonista a sempre excepcional Maryl Streep e Tom Hanks. Uma obra sensacional, como você deve concordar se já assistiu (se ainda não assistiu, recomendo muito, é um ato de civilidade com você mesmo) e, nestes tempos de fake news e descrédito de quase tudo que é informação que circula pela internet, traz à tona a questão essencial não destes tempos, mas de todos os tempos: para que serve o jornalismo, afinal?
Não, não estou falando de produzir informação indiscriminadamente, o crowdsource, que é tão bem vindo, quando feito com comprometimento e seriedade. A massa dizendo ao mundo o que é o mundo, fenômeno típico da era digital, tão bem sincretizado no brilhante livro “Here comes Everybody: The Power of Organizing Without Organizations”, do pensador Clay Shirky.
Todo mundo é muito bem vindo na produção de informação. E cada vez mais será.
Mas se você entende a diferença entre uma pelada de futebol entre amigos no clubinho do bairro e um jogo de seleção, então você começa a entender meu ponto aqui.
Produzir e distribuir informações consistentes, checadas, avaliadas, aprofundadas, refletidas, profissionalmente apuradas, não é para amadores. É para pros.
Não sou corporativista, tipo, jornalista de carteirinha que defende a catigoria só porque ela é a catigoria. Tem muito jornalista bunda no mundo. Como tem profissionais bunda em todas as profissões. Além disso, exatamente porque têm em mãos um poder diferenciado sobre a difusão da informação, muitos coleguinhas se acham. Mais do que a ética recomenda. Serão sempre maus profissionais.
Só que não tem jeito: quanto mais o mundo digital da pós-verdade (anti-verdade, prefiro dizer) se espraia e contamina a sociedade com seu vírus da intolerância e da mentira, mais o jornalismo sério e profissional vai ganhar relevância. É diretamente proporcional.
Neste Domingo, hoje, quando publico este post, o Post vai veicular o primeiro comercial no Super Bowl de toda a sua história. Falando exatamente isso tudo que acabo de dizer aí acima.
A locução off fica por conta exatamente de Tom Hanks, que no filme The Post interpreta o editor executivo Ben Bradlee. Nada mais apropriado. Ótimo resgate. (Atualizei segunda cedo e aqui está o comercial.)
Jornalismo é para mostrar a sociedade os fatos que ela mesma produz, mas que não teria como saber que produz, se não houvesse jornalistas profissionais treinados para prescrutá-los e contá-los (jornalistas vão onde a multidão não consegue ir). Jornalismo existe para contrapor versões e deixar o público concluir suas próprias verdades. Existe para refletir sobre os fatos e analisá-los com a profundidade que no botequim não rola. Jornalismo existe para revelar mentiras escondidas e espalhar verdades obstruídas de serem públicas.
Jornalismo é a única vacina social global contra o vírus da anti-verdade.
Parabéns ao Washington Post por, corajosa e oportunamente, nos lembrar de tudo isso na maior audiência global da TV.