Pyr Marcondes
22 de dezembro de 2017 - 7h59
Num piscar de olhos, o futuro.
A primeira vez que ouvi falar que as transformações digitais impunham uma nova Ética ao Homem foi na palestra de uma professora, cientista, consultora, empresária, artista e autora alta e esguia, de fala segura e jeito encantador.
A mestra nos explicava que novos códigos, tanto tecnológicos, como comportamentais e morais, começavam a ser escritos por todos nós, humanos, com o objetivo de repactuarmos sociologicamente nosso convívio no âmago de uma nova entidade pagã que se nos impôs, a internet. Uma rede de máquinas.
Seus olhos claros, mas incisivamente agudos, nos olhavam como quem enxerga amigos e, num misto de confissão e a doação dos que sabem para compartilhar, nos tranquilizava sobre uma certeza visceral: a de que estamos todos ainda órfãos de saber para onde ir, mas que há caminhos comuns a serem percorridos.
Ufa, que bom!
Naquele momento, e isso lá se vão uns 10 anos, a professora que tanto conhecimento domina, ironicamente não sabia algo sobre ela mesma: que viria a conceber um guia para este mundo em que homens e máquinas cada vez mais inteligentes convivem cotidianamente. Um mundo cujo controle parece hoje muitas vezes estar escapando de nossas mãos.
O guia é este que você lê agora e a palestrante, você já adivinhou, é Martha Gabriel, que se tornou uma amiga admirável. Admirável no sentido de ser admirada mesmo.
E a razão da minha admiração pode, em grande parte, ser compartilhada com você agora, graças, finalmente, ao lançamento deste “Você, eu e os robôs: pequeno manual do mundo digital”.
Digo “finalmente” porque quase ficamos sem ele. Em 2014, Martha perdeu os originais que estava escrevendo, quando seu computador foi roubado. Teve que escrever tudo de novo.
Nesta versão, digamos, 2.0, um eixo percorre a trama: os homens convivem com a tecnologia desde o Homo Sapiens até hoje, tempos do Homo Conectadus (a expressão é minha). E essa interação é mutuamente transformadora, Homem modificando tecnologia, tecnologia retribuindo com modificações sobre os Homens.
Num rápido spoiler aqui, Martha sentencia: “A tecnologia tem (…) recriado a realidade, fundando e colapsando civilizações”.
Essa é nossa história, desde sempre.
Só que um gene novo se infiltrou no sangue e nos tecidos do corpo social humano e aparentemente veio para trombar de frente com a Teoria da Evolução das Espécies. Um gene que deixaria Darwin de cabelos em pé: a Singularidade.
E isso mudou tudo.
Chegaremos a ela, mas vamos por partes.
Uma das grandes belezas da tecnologia de nossos tempos, tecnologia que até bem pouco tempo vinha evoluindo direitinho, num determinado ritmo e sob um padrão conhecidos, é que ela deu à luz a conexão em rede, colocando a nós, Homens, todos juntos, ainda que virtualmente, como nunca estivemos antes.
Essa proximidade cyber-visceral, por um lado, nos encantou e, por outro, nos espantou. Vimos como somos iguais, mesmo sendo tão diferentes. De perto ninguém é normal, diria Caetano Veloso
Pois é exatamente dessa diversidade que se origina a mais vibrante riqueza da conexão em rede.
Foi a diversidade das espécies encontradas nos corais da América do Sul que deu origem a teoria evolucionista de Darwin, sendo que o esboço que rabiscou a mão, em seu caderno de notas, de como uma espécie se ramifica da outra, dando origem à árvore da vida, lembra, de forma impressionante, a rede neural e conectada da internet.
Steven Johnson em seu livro “Where Good Ideas Come From”, depois de nos levar por um passeio intelectual sobre como conhecimento e disrupção caminharam juntos pela História, conclui que a possibilidade de estarmos hoje todos conectados é o mais produtivo berço potencial de novas conquistas para o Saber humano. A internet seria assim a maior malha de geração, gestão e disseminação de conhecimento da História. Ever.
Nessa mesma linha, Martha nos ensina sobre a teoria das árvores de conhecimento, de Michel Authier, através da qual aprendemos que, desde o século III a.C., a produção humana de conhecimento na Terra é coletiva.
“Você, eu e os robôs: pequeno manual do mundo digital” fala sobre tudo isso alinhando, por um lado, fatos e coisas, e do outro, oferecendo-nos bases teóricas sólidas para decifrar e entender nosso novo entorno.
Reúne, assim, não uma árvore do conhecimento, mas uma floresta inteira de sistemas, plataformas e ferramentas tecnológicas, encadeadas e devidamente decodificadas. Do singelo mobile ao complexo blockchain. Dos usuais e cuti-cuti Snapchats, Facebooks, WhatsApps e tantas outras redes dentro da rede, à complexa web semântica. Do Big Data ao 3D Printing. Da hiperconectividade a ubiquidade da Internet das Coisas. E muito mais.
Mas é quando Martha introduz o tema da interação exponencial homem-máquina (a Exponencialidade, que acelerou o ritmo de tudo, e vai seguir acelerando mais e mais) que o bicho começa a pegar.
A partir da Inteligência Artificial, ela nos faz enveredar por uma trajetória inquietante, que desagua no cibridismo e, finalmente, na Singularidade.
“Você, eu e os robôs: pequeno manual do mundo digital” nos mostra, em detalhes didáticos, como isso deverá ocorrer. Digo, nossa aparentemente inevitável evolução singular, quando extensões tecnológicas de nós mesmos (o celular é parte do nosso corpo, ou você ainda não se deu conta disso?) nos tornará cíbridos (híbridos de organismos biológicos e máquinas), até finalmente nos tornarmos tecno-homens, em que a parte máquina virá a ser a maior parte de nós mesmos.
Como resume Ray Kurzweill, citado mais de uma vez nesta obra, em seu clássico “The Singularity is Near”: “A Singularidade nos permitirá transcender as limitações dos nossos corpos e cérebros (…) A parte não-biológica da nossa inteligência será trilhões e trilhões de vezes mais poderosa do que nossa inteligência humana (…) Viveremos tanto quanto desejarmos”.
Depois de lermos Kurtweil by Martha, nos sobra pouco a não ser concluir: a assim chamada raça humana será substituída por outra, com pouco ou nenhum resquício biológico. E essa viverá para sempre.
É doido, mas não há como não conhecermos tais coisas. Mesmo que elas, eventualmente, não venham de fato a acontecer.
Ainda bem que aqueles olhos claros e incisivamente agudos seguem vendo tudo isso e explicando cada coisa para nós. Ainda bem que a cientista nos decifra tantos enigmas. E ainda bem que a – ainda – ser humano Martha Gabriel segue nos enchendo de esperança. De que estaremos prontos para lidar com tudo isso, sempre que chegar a hora.
“Você, eu e os robôs: pequeno manual do mundo digital” é um mapa do presente e uma ponte de preparação para o futuro.
Ler, sem trocadilhos, é vital.