ProXXIma
27 de março de 2019 - 8h09
Por José Flavio Pereira (*)
Depois de participar de algumas bem-sucedidas implantações de projetos de automação inteligente em empresas Blue Chips, sinto-me na obrigação de tentar desmitificar o grande hype em torno dos avanços da Inteligência Artificial. Este buzz vem criando um entendimento distorcido de que tecnologias como Deep Learning e Machine Learning já operam milagres.
Não é bem assim. Robôs e sistemas que rodam algoritmos ainda têm muito a aprender para transformar a ficção científica em realidade. Antes de chegarmos a soluções de alta performance, as empresas terão de fazer uma árdua lição de casa e avaliar em quais áreas valerá a pena investir em programas de automação.
Neste meu primeiro artigo sobre o tema, desejo acender um sinal de alerta: se você está disposto a implementar IA para melhorar a produtividade, reduzir custos e acelerar processos no seu negócio, tenha muita calma nesta hora.
Gostaria primeiro de contextualizar os leitores sobre o atual panorama do mercado. É fato que o ecossistema vem crescendo a taxas exponenciais e os analistas já falam em uma nova bolha pontocom como a que vivemos na Internet nos anos 90. O mercado global de IA foi estimado em cerca de US$ 7,35 bilhões no ano passado, segundo o Statista, incluindo principalmente aplicações como reconhecimento de imagem e escrita, processamento de fala, detecção, classificação e identificação de objetos.
Não faltam previsões sobre o futuro da IA e não é arriscado apostar que entre os próximos unicórnios globais estarão startups com modelos de negócios baseados em redes neurais e que vêm atraindo uma avalanche de investimentos de risco nos últimos anos, especialmente da China, que contabilizou 48% do total de aportes realizados em startups no mundo em 2017; e Estados Unidos, que respondeu por 38%, colocando mais combustível na guerra pelo domínio das novas tecnologias travada entre os dois países.
Não é à toa que muitas das gigantes de tecnologia (Facebook, Apple, Amazon, Google, IBM e Microsoft, somente pra citar algumas) estão comprando startups e desenvolvendo produtos e soluções de IA. De acordo com o AI Index 2018 Annual Report, no mercado americano o número de fundos de venture capital focados em IA cresceu 4,5 vezes entre 2013 e 2017 enquanto todos os fundos de VC cresceram 2,08 vezes. De janeiro de 2015 a janeiro de 2018, as startups em atividade de IA nos Estados Unidos aumentaram 2,1 vezes; o total de startups 1,3 vez.
Estando inserido no epicentro do mercado de automação com uso de Inteligência Artificial, procuro estudar o tema a fundo, tendo encontrado alguns bons autores e artigos que endereçam o que estou vendo nas implantações e lançamento de modelos de inteligência artificial em grandes corporações.
No artigo “Things that Aren’t Working in Deep Learning” (Coisas que não Estão Funcionando no Deep Learning), o cientista de dados William Vorhie destaca o nascimento e avanço do CNN (Convolutional Neural Network) como a tecnologia que irá substituir a RNN (Recurrent Neural Network) em programas de tradução e com alto potencial para outras novas aplicações.
Ao mesmo tempo, o autor salienta inúmeros obstáculos que ainda precisarão ser superados para que a IA seja realmente eficiente e justifique a alocação de recursos para sua adoção, como a dificuldade que a CNN ainda apresenta de diferenciar objetos que são iguais ou semelhantes; a visão computacional míope e com resultados ainda sofríveis em integrar a detecção de objetos com sua classificação e localização; e as respostas também ainda pouco satisfatórias com o uso do Deep Reinforcement Learning, tecnologia que está entre as mais pesquisadas em IA e aplicável em áreas como robótica, carros autônomos e, especialmente, em machine learning.
Em outro texto intitulado “5 Reasons why Businesses Struggle to Adopt Deep Learning” (5 Razões porque os Negócios Lutam para Adotar Deep Learning), Ganes Kesari, também cientista de dados, dá o recado: “Sim, a IA está se tornando uma realidade rapidamente, com carros autônomos, drones entregando pizzas e máquinas lendo sinais cerebrais. Mas muitas destas tecnologias ainda estão em laboratórios de pesquisa e funcionam apenas dentro de um ambiente cuidadosamente controlado”.
Esta é uma consideração de grande valia para reflexão que proponho neste artigo – o Ambiente Cuidadosamente Controlado. Os modelos de rede neural e inteligência artificial conseguem performar bem as tarefas em ambientes nos quais todas as variáveis são controladas; e isso está causando uma percepção errada por todo o mercado.
As empresas que querem implantar modelos de rede neural entendem equivocadamente que conseguirão lançar magicamente modelos de automação em suas operações. E volto a salientar que não é bem assim. Liderei as automações de alguns dos maiores back-offices do Brasil, com destaque para dois em específico. O primeiro é um back-office que analisa contratos de financiamento de veículos. Este processo possui mais de 30 modelos de contratos diferentes, com regras de análise diferentes para cada Estado (totalizando 27 regras de negócios distintas), e a adição dos dados é feita por centenas de seres humanos.
Pergunto: existe um ambiente mais ‘não estruturado’ que este? Tivemos que usar mais de 50 tipos diferentes de algoritmos para tentar padronizar uma infinidade de distintas variáveis e colocar todos em sequência para automatizar o workflow. Uma tarefa das mais complexas que desempenhei na vida.
Em outro caso, meu time teve o desafio de criar uma série de algoritmos para interpretar mais de 100 mil contratos de locação de torres e terrenos e extrair informações desestruturadas de mais de 100 páginas. Novamente, tivemos de tentar padronizar uma quantidade massiva de variáveis que não se conectam.
Aproveito a rápida explicação sobre estes dois cases para conectar com a continuação do que o autor pontua como outro problema: a falta de dados estruturados, um ponto que vejo na prática há 3 anos.
Kesari cita também a falta de dados estruturados e “treinados” para alimentar o apetite insaciável do Deep Learning, o que acaba por enterrar soluções de ponta que se tornam apenas protótipos de pesquisa, e a preocupação na outra ponta com a privacidade de dados em sistemas que têm acesso a um alto volume de dados e chegam a cruzar o que o autor chama de zona assustadora.
Novamente ele destaca uma variável importantíssima para as redes neurais: os dados. O seu modelo de inteligência artificial é tão bom quanto a qualidade de dados que você alimenta para treinamento. Uma analogia interessante é a de um trainee. Após a contratação de um trainee, você deve treinar este novo profissional. Se o treinar de forma errada, ele irá apresentar uma péssima performance e terá as respostas erradas para a tarefa que foi designado. Aqui vale a mesma lógica.
O analista e visionário em tecnologias emergentes Phil Fersht também destrói alguns mitos da IA, especialmente no que diz respeito a automação de processos robóticos (RPA). O primeiro deles é de que os robôs substituem pessoas diretamente. “Trata-se de aprimorar processos e melhorar a qualidade da força de trabalho e não eliminar empregados com robôs”, escreve o autor.
“A maior parte destas iniciativas é ainda direcionada para projetos pontuais e não para projetos escaláveis. A RPA é uma porta de entrada para digitalizar processos e liberar o tempo do recurso humano para que possa focar em atividades de maior valor. RPA é um catalisador para trazer mais inteligência operacional, mas não é inteligente por si mesma”, acrescenta, derrubando outra falsa expectativa de que a automação pode escalar rapidamente e ter impacto dramático nas organizações em poucos meses e de que entrega inteligência sozinha.
Então devo deixar de lado a crescente tendência e evolução da IA? Ainda não é o momento de investir? No meu entendimento, não! As tecnologias disruptivas beneficiam os que têm coragem de ser pioneiros, testar, arriscar e buscar soluções que venham diferenciar seus serviços da concorrência, que, pode ter certeza, logo logo poderá ter um robô atendendo os clientes e irá roubar seus consumidores por ter mantido os olhos e as portas abertas para inovação.
Enumerei 7 passos que devem ser seguidos para adoção da IA. Respeitá-los poderá ser definitivo para o sucesso ou fracasso da implementação e para alcançar os resultados que você espera com a automação. Vamos a eles:
- Identifique com clareza qual a dor que o modelo de rede neural irá curar.
- Mapeie todos os processos e busque entender como replicar a regra de negócios nos algoritmos.
- Prepare os dados para treinamento dos modelos de redes neurais.
- Aplique o treinamento e interação do modelo (pode variar uma semana, semanas ou meses, dependendo do projeto).
- Esteja preparado para soluções dos problemas. Nos sistemas de IA, são processados milhares de algoritmos que geram o mesmo resultado. É possível utilizar “N” formas com “X” algoritmos e o resultado poderá ser o mesmo. O que impacta nos resultados é a produtividade do modelo, a acuracidade e o tempo de desenvolvimento. Fique atento para esta variável e não meça esforços para chegar na meta esperada.
- Prepare a infraestrutura da empresa. Este é um importantíssimo ponto de atenção, já que o impacto da implantação da IA é grande, tanto técnica quanto em recursos humanos. É preciso implementar uma gestão de mudança com base nos resultados conquistados. Imagine, por exemplo, uma empresa de financiamento de veículos que reduz de 32 minutos para segundos a análise de contratos; as equipes e os sistemas precisam estar prontos para nova realidade.
- Evolua e não esqueça de fazer a manutenção do sistema. Tenha a clareza de que diferente de um software convencional que uma empresa instala e esquece da sua existência, em um modelo de IA ocorre uma evolução natural que levam a novos resultados, entendimentos e acurácias. Por isso, é fundamental uma manutenção permanente e durante todo o ciclo de vida do sistema, já que as regras de negócios sempre mudam e estão em constante evolução.
Não espere para iniciar sua caminhada para fazer da IA uma estratégia importante do seu negócio, seja qual for a área ou a finalidade. Mas não se esqueça. Siga estes passos e controle suas expectativas. Entenda que as máquinas ainda estão na autoescola e só estarão habilitadas para realizar seus sonhos futurísticos em alguns anos. Mas esperar pode comprometer um tempo valioso e você corre o risco de perder market share para concorrência. E você não vai querer isso, vai?
(*) José Flavio Pereira é Fundador e CEO da Nuveo, desenvolvedora de sistemas de Inteligência Artificial corporativos.