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Blockchain e por que seu banco nunca mais será o mesmo

O fechamento de agências é apenas a ponta do iceberg das grandes mudanças que ainda assistiremos com a evolução de tecnologias


6 de junho de 2016 - 9h24

Omarson Costa*

José Barbosa dos Santos era dono da maior mercearia de Bento Rodrigues, cidade arrasada pelo rompimento das barragens da mineradora Samarco. O lamaçal destruiu sua casa e ele perdeu R$ 60 mil, reserva que passou a esconder no colchão depois de ter a poupança confiscada no Plano Collor.

A perda de confiança nas instituições levou José Barbosa a amargar um novo prejuízo e a não ter mais conta em banco, o que, aliás, não é incomum no País. Segundo o Banco Mundial, 32% dos adultos não são bancarizados no Brasil. E o número de dependências bancárias também vem despencando. De acordo com dados do Banco Central de abril passado, dos quase 5,6 mil municípios brasileiros, 313 não contam com agências, lotéricas, caixas eletrônicos ou postos de atendimento.

Em dezembro de 2012, eram 149 cidades sem serviços bancários e, 3 anos depois, este número dobrou para 300 municípios que não oferecem um endereço sequer onde o cidadão possa sacar moedas, pagar a conta de luz ou investir seu dinheirinho na poupança. No final do ano passado, 1989 localidades não tinham nem mesmo uma portinha do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica Federal.

A fuga dos bancos de cidades com baixa densidade demográfica e onde os custos operacionais não compensam manter uma agência aberta não é uma tendência que chega a surpreender, principalmente em um país com as dimensões geográficas do Brasil e regiões com economias quase inexistentes, com baixa circulação monetária e comércio local modesto. A crise econômica, claro, responde por parte da conta. Mas definitivamente não é a única a forçar a redução dos investimentos dos bancos em atendimento off-line aos clientes.

Sinal dos tempos, caro leitor.

O fechamento de agências é apenas a ponta do iceberg das grandes mudanças que ainda assistiremos com a evolução de tecnologias de criptomoedas e o nascimento de fintechs independentes oferecendo produtos financeiros inovadores, preços mais competitivos, vantagens e mimos para encantar e conquistar os clientes que hoje brigam com os gerentes dos bancos por melhores serviços e, claro, taxas menos salgadas.

Estamos começando a testemunhar o nascimento de novos modelos que dispensam a regulamentação de um Banco Central e a intermediação dos bancos, até aqui atores com um enorme poder e controle sobre o secular sistema financeiro.

A mãe desta revolução atende pelo nome de blockchain, considerada por analistas como a tecnologia mais disruptiva depois da criação da Internet, a invenção cantada em prosa e verso como aquela que irá causar um tsunami na ordem financeira mundial, trazendo para nuvem um ativo intangível, mas até hoje determinante para manter os bancos como os principais guardiões das nossas vidas financeiras: a confiança.

Com a estruturação de grandes redes distribuídas de computadores que assumem as funções de validar e certificar, em ambientes criptografados invioláveis, as remessas de recursos entre pessoas e negócios, as casas bancárias e câmaras de compensação deixam de ser os únicos veículos seguros, com credibilidade para efetuar pagamentos e até mesmo emitir e colocar moedas na praça, que serão substituídas por moedas eletrônicas ou outras não lastreadas, como a precursora Bitcoin.

Da mesma forma que até hoje depositamos nossa crença cega nos bancos, entregando a eles todas as nossas economias, e que aceitamos e recebemos nossos salários em réis, cruzeiros, cruzados, reais, dólares ou euros, surgirão rapidamente novos modelos monetários sustentados por tecnologias digitais de segurança que irão aposentar a velha e surrada carteira de couro para levar nosso suado dinheirinho para digital wallets no smartphone, no relógio ou algum outro device conectado ao corpo.

Já acostumados a acessar e movimentar o banco pelo celular, os correntistas não devem apresentar resistência em aderir a serviços de fintechs para, com poucos toques no app, seja lá qual for a unidade monetária, fazer transferências de recursos peer-to-peer, liquidar contas, investir, comprar produtos com promoções exclusivas criadas especialmente para seu perfil, pagar o Uber ou o Airbnb.

A economia compartilhada, aliás, é outra que ganhará grande propulsão com a evolução da blockchain, criando ambientes seguros para oferta e pagamento de serviços com preços definidos segundo a demanda.

A digitalização monetária, como toda tecnologia disruptiva, gera inicialmente muita polêmica, mas sua implementação é inevitável em uma economia cada vez mais dependente da Web e da expansão do mobile. Bancos centrais de diversos países já declararam a intenção de emitir suas próprias moedas digitais, o que demandaria o crescente desenvolvimento e adoção da tecnologia blockchain para garantir a segurança das transações.

A expectativa é de que a revolução digital nas transações financeiras traga economia de custos, além da redução de fraudes nos meios de pagamento. Evidente que as moedas em circulação não seriam totalmente substituídas pelas eletrônicas e haverá uma convivência entre as duas até que o dinheiro de bits ganhe escala global. Outro ponto positivo será passar a atender um grande número de pessoas que hoje não têm conta corrente, poupança, crédito ou acesso a qualquer serviço financeiro, abrindo grandes oportunidades para as fintechs, que ganham a infraestrutura necessária para concorrer com a oferta de produtos hoje dominados pelos bancos.

No Brasil, a Febraban já formou uma comissão para debater a regulamentação dos bancos digitais que não têm agências físicas e a abertura de contas pela Internet, sem contato pessoal com o gerente, tudo on-line. A preocupação é garantir a segurança nas transações, o que tem levado a um maior interesse por parte das instituições na blockchain e na realização de testes da nova tecnologia.

Fecho a reflexão com duas notícias recentes que mostram a fragilidade do sistema monetário ainda em voga no século XXI.

A forte crise na Venezuela levou o País a tal colapso que o Banco Central já não tem mais dinheiro para pagar a própria impressão do seu papel moeda. A economia corroída pelo governo de Nicolas Maduro corre o risco de sangrar de vez justamente por falta de dinheiro em circulação. Do outro lado do mundo, o Banco de Bangladesh informou ter sido vítima de uma fraude de R$ 300 milhões que foram roubados através de transferências para contas nas Filipinas. A ação dos hackers foi barrada, mas se concretizada poderia ter gerado um prejuízo de mais de R$ 3 bilhões.

Queiram os bancos ou não, queiram os governos ou não, é hora de rever nossos conceitos e parar de guardar dinheiro no colchão ou no cofre. José Barbosa precisa voltar a confiar. E não quer pagar nada por isso.

Omarson Costa é formado em Marketing, tem MBA e especialização  em direito em telecomunicações

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