Como a tecnologia pode transformar a eleição em bom negócio
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14 de junho de 2016 - 9h00
*Alexandre Secco
As eleições deste ano no Brasil já entraram para a história mesmo antes de começar. Pela primeira vez, as empresas estão proibidas de fazer doações para campanhas, o que significa enxugar do mercado algo como 600 milhões de reais, segundo as melhores estimativas. Para fazer caixa, os candidatos precisarão recorrer exclusivamente à simpatia do eleitor. Pode ser o fim da era das grandes produções e o início de uma fase de mais simplicidade e, quem sabe, de mais profundidade.
Em nenhum lugar do mundo, nem nos Estados Unidos, tirar dinheiro dos eleitores é tarefa fácil. Ainda que acostumadíssimos ao processo, apenas 10% dos americanos topam fazer doações para campanhas. Para os mais céticos, aqui no Brasil a questão será resolvida pelo velho esquema do caixa dois. E não se fala mais nisso. Quem ainda tem esperança acredita que foi aberta uma janela de oportunidade para a construção de uma nova relação entre políticos e eleitores, com mais proximidade, troca de ideias e discussões de temas relevantes.
Para esses novos tempos, os estrategistas precisarão aprender a usar novos recursos tecnológicos e trabalhar por medidas de eficiência, com menos força bruta e mais criatividade. Nesse cenário, a comunicação e o marketing digital desempenharão um papel fundamental, como acontece nos Estados Unidos e Índia, outras grandes democracias representativas.
Há um modelo a ser observado nesse área. Os americanos fizeram das campanhas eleitorais um ambiente high tech, capaz de atrair profissionais que construíram carreiras sólidas em grupos privados. Em parte pelo desafio intelectual, em parte pelo dinheiro. ¬Eleição nos Estados Unidos é business, um negócio bilionário —mas não no sentido que nós brasileiros conhecemos.
A indústria de comunicação e tecnologia nos Estados Unidos transformaram as eleições presidenciais em um laboratório de inovações e criaram uma indústria poderosa, lucrativa, que gera empregos e vive sem dinheiro público. Dá uma grande contribuição à democracia desenvolvendo formas de aproximar candidatos de eleitores.
No melhor espírito empreendedor americano, várias empresas já “nasceram” dentro de comitês de campanhas e algumas delas passaram a prestar serviços além do círculo político. Foi o que aconteceu com Blue State Digital, criada na primeira campanha de Barack Obama, acabou adquirida pela WPP para atender grandes clientes privados. Uma outra nascida em uma disputa eleitoral é a Civis Analytics, que recebeu um aporte de ninguém menos do que Eric Schimidt, presidente do Google, para seguir desenvolvendo suas ferramentas de análise para fora da política. Tem entre seus clientes a Boeing e Airbnb. Os partidos também levam o negócio a sério. Tanto os republicanos como os democratas têm seus laboratórios de desenvolvimento de ferramentas de analytics.
Muitos da política no Brasil ainda se comunicam em dialeto pré-digital. Uma pesquisa da Medialogue Digital com deputados federais e senadores realizada em 2014 revelou que 21% deles ainda não tinham sequer um site e que apenas 20% dignavam-se a responder os e-mails que recebiam. Grande erro. Pois foi o uso do email em estratégias de campanhas eleitorais nos Estados Unidos, vinte anos atrás, que inaugurou uma nova forma de pedir votos e uma corrida tecnológica para acertar com mais precisão o coração e a mente do eleitorado. Aliás, o singelo email continua sendo o canal mais usado e eficiente para conectar candidatos e eleitores. E não é por uma esquisitice. Para lotar caixas postais é preciso apenas de servidor de email, um mailing e um estagiário para fazer o disparo. Mas, para mandar um mensagem, conseguir que seja aberta e ainda persuadir um eleitor é preciso de muita, muita, ciência.
Esse é uma caminho que valerá a pena percorrer.
Campanhas eleitorais conseguem o que toda marca quer
Para julgar adequadamente o peso da tecnologia em uma eleição, primeiro é preciso ter a dimensão dos desafios de uma campanha política. Uma campanha presidencial é o único projeto de comunicação dirigido a um país todo, em todos os seus segmentos, religiosos, raciais, socioeconômicos, etc., etc. Nos Estados Unidos, a candidata democrata ao governo americano, Hillary Clinton, identificou nada menos do que 600 audiências distintas com as quais se comunica com mensagens customizadas. Ainda que não tenha chegado a esse ponto de detalhamento, as principais candidaturas presidenciais em 2014 operaram máquinas de produção de conteúdo segmentado que despejavam nas redes centenas de peças criativas por dia.
Campanhas a enfrentam tabus, polêmicas e temas explosivos como aborto e pena de morte. Precisam avançar em zigue-zague, desviando de revelações da mídia, realinhando a estratégia a cada virada no Ibope —que são muitas. Para um lado ou para o outro, eleições despertam todas as forças que um marca deseja: engajamento, emoção, desejo, esperança; tudo isso sob os olhos e julgamento de um país inteiro.
Não é por acaso que o Brasil formou grandes talentos nessa área, os chamados marqueteiros. Profissionais do primeiro time nessa área chegam a cobrar 70 milhões de reais para fazer o serviço. Alguns exportam seus serviços para vários países, onde ajudaram a eleger presidentes em El Salvador, Angola, República Dominicana e Venezuela. Infelizmente, as coisas azedaram nos últimos tempos. O financiamento de campanhas está no centro dos mais altos escândalos políticos da atualidade como o “Mensalão” e a “Lava Jato”. Marqueteiros estão na cadeia e, mais do que nunca, o caminho está aberto para novas práticas.
Uma pista sobre as campanhas do futuro
Pelo menos duas vezes por ano, os cabeças da tecnologia aplicada à política reúnem-se em um evento chamado Campaign Tech, para debater e apresentar novidades desse mercado. Em maio, o evento que é promovido pela publicação Campaign and Elections, trouxe mais de cem especialistas em 30 painéis com gente do Google, Twitter, Pandora, BuzzFeed, ComScore, CNN, AT&T, Aol e George Washington University. Este ano com um gosto especial porque muitos dizem que esta é a campanha do “vale tudo” no campo do experimentalismo em comunicação. Também deve ser a mais cara da história. A estimativa é de algo como 5 bilhões de dólares – equivale ao investimentos em propaganda feito pela Procter & Gamble em 2015, o maior anunciante americano. Grande parte desse dinheiro vai para a compra de mídia e ações de comunicação. É onde entram os especialistas em programática, prevenção de ad frauds, data analytics, mobile marketing, cybersecurity, realidade virtual e muito mais. Sacou qual é o negócio da política?
Também foi possível antever como poderão ser as campanhas políticas no Brasil. A lei eleitoral em vigor aqui desde o ano passado acabou com as doações de pessoas jurídicas e definiu que o caixa de campanha só poderá ser abastecido pelo fundo partidário e por doações espontâneas de Josés e Marias, modelo semelhante ao dos Estados Unidos. Com uma longa tradição na área, os americanos sabem como é difícil tirar dinheiro da mesa das pessoas para entregar na tesouraria de um partido. Por isso construíram uma máquina de arrecadação cada vez mais baseada em ciência e dados. Aprenderam também que é preciso fazer valer cada centavo que arrecadam e estão investindo muito para refinar seus métodos de pesquisa e targeted advertising. A campanha de Bernie Sanders, o candidato democrata que caiu nas graças dos jovens e modernosos inaugurou o uso de realidade virtual em grande eventos de campanhas. Cool, dá para acreditar que política pode ser cool?
Encontros para discutir tecnologia em política nem de longe se compara às palestras do SXSW. Parece que gente do mundo da política tem caretice no DNA. Porém, dá para acreditar que esse negócios pode ser muito mais importante e interessante e que também pode ser notícia nas páginas de economia, tecnologia e ciências.
*Alexandre Secco é jornalista, sócio-diretor da Medialogue e líder do comitê de marketing político da ABRADi.
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