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5 de dezembro de 2019 - 7h40
Por Omarson Costa (*)
Fonte: Science Alert
Você acorda cedo. A persiana do quarto percebe automaticamente que se levantou, permite a entrada da luz solar, informa temperatura e previsão climática, ajudando-o a escolher a roupa do dia. Você vai até a cozinha, onde seu café da manhã já está prontinho te esperando.
Seu carro elétrico autônomo escolhe o caminho mais eficiente e o leva até o aeroporto enquanto você discute com o celular detalhes da apresentação que fará em Londres no final da tarde. Como seu voo será em um avião supersônico, é possível chegar em qualquer lugar do mundo em três horas.
Acha que é uma cena de filme futurista de ficção científica? Na verdade, estou sendo até bastante modesto nesta previsão. Porque, pra ser sincero, ainda estamos longe de ter a exata dimensão das transformações que a computação quântica poderá trazer para nossa vida cotidiana, para a ciência, para o progresso.
Sim, esta é a nova fronteira tecnológica a ser rompida pela civilização. E, de acordo com analistas, estamos hoje em relação a ela mais ou menos no mesmo estágio em que estávamos quando foram criados os computadores tradicionais nos anos 1970. Naquela época, se alguém falasse sobre a Internet das Coisas e todas as facilidades que os computadores ainda nos trariam, pareceria loucura. A mesma coisa se dá agora, mas com uma diferença: as possibilidades são EXPONENCIALMENTE maiores. Guarde esta palavra.
Mas afinal, o que é computação quântica?
Ela está baseada em fenômenos da mecânica quântica, como entrelaçamento e superposição. Um dos maiores físicos do século 20, Richard Feynman, escreveu: “Coisas em pequena escala se comportam de uma forma para qual não temos nenhuma experiência concreta”. Isso quer dizer que no mundo das partículas subatômicas, as coisas não se comportam da maneira como estamos acostumados a observar. Só para lembrar de que escala estamos falando: um único fio de cabelo humano é formado por cerca de 500 mil átomos.
Não cabe aqui nesse espaço descer às profundezas dos conceitos científicos, mas apenas como eles se aplicam à tecnologia. Uma das diferenças fundamentais entre um computador clássico e o quântico é a maneira como eles armazenam os dados.
Nos computadores clássicos, a menor unidade se chama bit e pode ser 0 ou 1. Apesar de todas as maravilhas que proporciona, o computador comum é basicamente uma calculadora que nos apresenta resultados com base no sistema binário, ligando e desligando os transistores, mais ou menos como fazemos com um interruptor de luz.
Nos anos 1960, um dos cofundadores da Intel, Gordon Moore, percebeu que o poder de processamento dos computadores dobrava num espaço de aproximadamente 18 meses. O mercado realmente seguiu essa lógica e o princípio ficou conhecido como Lei de Moore.
Quanto mais complexas são as tarefas que queremos executar com os computadores, maior o poder de processamento requerido. E assim, com o passar dos anos, fomos resolvendo problemas, conquistando novas fronteiras.
Tornar um computador mais potente significa aumentar o número de transistores. E o engenho humano fez isso até chegarmos a um ponto delicado. O transistor hoje já é microscópico: um microprocessador moderno armazena até 30 bilhões de transistores num chip de silício do tamanho de uma unha.
Para manter a Lei de Moore, teríamos de produzir transistores tão minúsculos que eles deixariam de ser regidos pelas leis da física e passariam a fazer parte do universo das partículas subatômicas. Como ainda temos muitos problemas que os computadores atuais levam tempo demais ou são incompetentes para resolver, os pesquisadores se voltaram para mecânica quântica.
O computador quântico, em vez de bits usa quantum bits, que se comportam de uma forma particularmente intrigante. Enquanto um bit armazena informação como 0 ou 1, o qubit pode ser 0 e 1 ao mesmo tempo. Ou seja, um processador hipotético com 2 qubits consegue analisar 8 combinações. Se você tem 3 qubits, as combinações passam a 16 e assim sucessivamente e de forma exponencial. Isso lhe dá capacidade de fazer cálculos simultaneamente, ao contrário do computador tradicional, que faz apenas uma operação por vez.
É verdade que os modelos construídos são basicamente experimentais, ocupam laboratórios inteiros e não devem ficar nada parecidos com um PC ou laptop tão cedo. Mesmo assim, há várias empresas disputando uma maratona, na definição de David Reilly, que comanda o laboratório quântico da Microsoft, na Universidade de Sydney, para desenvolver uma versão que seja comercialmente viável e que poderia vir a se tornar um padrão para indústria.
Além da Microsoft, estão nessa corrida a IBM, a empresa canadense D-Wave, que garante ter conseguido desenvolver o primeiro modelo com aplicação comercial; a Riguetti Computing, especializada na criação de circuitos quânticos; o Google, a Intel e a Honeywell, além de diversas startups.
Só nessa fase de pesquisas, esse é um mercado que pode gerar US$ 50 bilhões nos próximos dez anos, de acordo com a consultoria Boston Consulting Group. O governo dos Estados Unidos já investiu US$ 1 bilhão e a China alguns bilhões. No ano passado, a União Europeia informou que disponibilizaria 1 bilhão de euros para cerca de 5 mil pesquisadores nos próximos dez anos.
As disputas são cheias de anúncios grandiosos e polêmica científica. No mês passado, os pesquisadores do Google publicaram na Nature um artigo em que garantem ter atingido a Quantum Supremacy, ou seja, teriam provado que os cálculos feitos para um único problema por um computador quântico em 200 segundos custariam ao mais avançado computador convencional em operação atualmente aproximadamente 10 mil anos. Você não leu errado. Praticamente toda a história da civilização humana.
Vídeo produzido pelo Google sobre a Quantum Supremacy
Isso deixa claro que a principal virtude do computador quântico é sua velocidade astronômica para os nossos padrões atuais, o que poderá fazer com que, enfim, consigamos analisar a incomensurável quantidade de dados que produzimos todos os anos. Essa capacidade incrível de cálculos e testes de probabilidades torna possível realizar simulações complexas num tempo inimaginável para os dias de hoje.
“Acredito que a computação quântica nos ajudará a interpretar esse dilúvio de dados que produzimos para resolver problemas muito interessantes. Temos sistemas gerando bilhões de dados por dia e que podem ser a solução para algum problema crítico afetando nossa sociedade” (William Hurley, diretor do Quantum Computing Standards Workgroup no Institute of Electrical and Electronics Engineers, EUA)
A computação quântica pode influenciar diversos setores, como:
. Engenharia química e análise de estrutura molecular: uma droga pode levar hoje, em média, cerca de dez anos e consumir bilhões de dólares até chegar ao consumidor final; em um novo cenário, poderíamos ter medicamentos mais eficientes que nos fariam viver mais de um século, considerando que os computadores quânticos poderiam simular todas as combinações genéticas do seu DNA em milissegundos e projetá-las no futuro (simulando suas possíveis doenças).
. Ainda na área da saúde, iremos evoluir no campo da engenharia e mapeamento genéticos: avançaríamos muito no entendimento sobre como é a estrutura do nosso DNA, tornando possível descobrir padrões causadores de doenças até então ignorados.
. Setor financeiro: novos modelos de monitoramento de ativos podem ser criados, reduzindo bastante os palpites errados sobre o comportamento do mercado, diminuindo os riscos para todos. Ou simplesmente atuar como a base computacional das moedas digitais, resolvendo o gargalo do Bitcoin, que demanda uma rede muito grande de computadores para viabilizar sua emissão em larga escala.
. Análise de dados coletados sobre o espaço, permitindo o estudo de novos materiais e ampliando as fronteiras científicas. A NASA e a Caterpillar divulgaram que estão desenvolvendo um veículo autônomo para realizar trabalhos remotos de mineração na lua.
. Engenharia civil e planejamento urbano: a Volkswagen, o Google e a D-Wave fizeram um experimento no caótico trânsito de Pequim tentando reduzir os congestionamentos com um algoritmo no qual cada carro escolhia a melhor rota.
. Padrões de reconhecimento facial e de voz, aliados a robótica, permitirão a criação de robôs humanóides (semelhantes ao ser humano).
. Modelagem de partículas físicas, o que permitiria aos pesquisadores como os do CERN, laboratório entre a França e a Suíça, conseguirem analisar os 25 Pentabytes de dados gerados a cada ano e criar um modelo de como seria o Universo logo após o Big Bang.
. Previsão do tempo e modelos climáticos: a falta de precisão atual é causada pela complexidade do clima da Terra e a impossibilidade dos computadores atuais de interpretar todos os dados coletados.
. Agricultura: a capacidade de produzir amônia ou um substituto de forma eficiente melhoraria a qualidade dos nossos fertilizantes, o que teria um impacto direto sobre o meio ambiente e nos ajudaria a enfrentar o desafio de alimentar adequadamente a população global.
Ecossistema de empresas a serem beneficiadas pela computação quântica. Fonte: BCG
Como as máquinas individuais não devem ser realidade nas próximas décadas, existe um consenso de que a Internet será bastante importante para que empresas e pessoas possam aproveitar um pouco da potencialidade da computação quântica através de sistemas ligados à nuvem. A D-Wave promete lançar em 2020 o Quantum Leap, projeto para conectar a seu computador remotamente uma comunidade de programadores para desenvolver aplicações e compartilhar conhecimento.
Existe um certo consenso na comunidade científica sobre dois campos que vão se beneficiar muito da computação quântica: o aprendizado de máquina (machine learning) é um deles. Se dá esse termo à capacidade do computador reconhecer padrões e gerar algoritmos sem que eles tenham de ser programados. Uma das aplicações mais usadas hoje é na filtragem de e-mails indesejáveis, os spams. Outros exemplos são o reconhecimento automático de caracteres (OCR) e os motores de busca.
Se a máquina aprende sozinha de forma eficiente, então o campo da Inteligência Artificial será enormemente beneficiado até o ponto de singularidade, ou seja, quando a máquina teria consciência de si mesma. Isso permitiria a nós termos conversas mais interessantes com nossos dispositivos. Lembra do filme Ela (2013) em que um solitário protagonista se apaixonava pelo computador? Os robôs se tornarão muito mais eficientes, capazes de improvisar. Há startups fazendo pesquisas nesse setor, tais como Zapata Computing, Xanadu e Qindom.
Nas mãos erradas, um instrumento poderoso como esse pode ser extremamente perigoso também. Imagine, por exemplo, uma manipulação genética que permitisse a criação de supersoldados ou de cepas de vírus que causassem doenças de proporções catastróficas. Não é à toa que segurança é um dos campos nos quais os governos estão mais interessados.
Outro efeito colateral positivo criado pelo computador quântico tem a ver com a segurança dos processos. Atualmente, os algoritmos mais modernos de criptografia, tais como AES-128, ECDSA-256 etc. não são suscetíveis a ciberataques. Mesmo com um poder de processamento imenso, tais códigos levariam séculos ou, em alguns casos, o tempo de vida do Universo para serem quebrados.
No mundo quântico, vários desses protocolos seriam inúteis devido à capacidade dos processadores, tornando o e-commerce e vários outros aplicativos do nosso cotidiano totalmente inseguros. Por isso, já existem equipes em agências governamentais e na academia trabalhando no desenvolvimento de algoritmos que sejam seguros nessa nova realidade, criando uma criptografia quântica.
Vídeo sobre IA e Quantum Supremacy narrado pelo ator Stephen Fry
Os computadores quânticos podem enfrentar os nossos maiores desafios e também problemas que ainda nem sequer imaginamos. Qual será, por exemplo, o minério necessário à computação quântica? Quais os países produtores deste(s) minério(s)? Com certeza, a disputa por esta matéria prima poderia causar conflitos armados entre as potências globais, assim como ocorreu (e ainda ocorre) com a guerra do petróleo.
Ainda mal começamos a entender todo potencial da computação quântica, seus riscos, vantagens e obstáculos científicos, de escala e financeiros. Mas que ela virá, virá. E ainda há muito o que pesquisar para antecipar os reais impactos que terão em nossas vidas. A maratona está só começando.
(*) Omarson Costa atua como Conselheiro de Administração, com formação em Análise de Sistemas e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira, registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet
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