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23 de junho de 2020 - 8h08
Por Essio Floridi (*)
A crise causada pelo COVID-19 está remodelando conceitos do mercado. Entre os efeitos dessa nova lógica, está a mudança na forma que o uso de dados – seja na publicidade, ou para fins de monitoramento de grandes instituições públicas e privadas – se dá e se dará daqui em diante.
Em uma indústria digital publicitária baseada em dados que cresceu quase 22% na América Latina entre o fim de fevereiro e meados de abril (segundo o eMarketer), os novos significados que o mercado atribuirá à necessidade, ao potencial e, acima de tudo, à finalidade do uso desses dados resultarão em tendências de um período pós-crise. Aqui, listei três pontos que já estão se reinventando e o impacto deles para a publicidade digital.
Dados e informação
Durante os tempos de isolamento, as mídias sociais estão passando por um período de valorização na economia e entre as pessoas, como plataforma. O Facebook, por exemplo, anunciou uma recuperação em sua receita de publicidade, após uma retração em março, além de um aumento de 300 mil usuários, em comparação com o mesmo período do ano passado. Além disso, essa plataforma foi apontada, em um estudo feito pela empresa de hábitos de consumo Flixed, como a preferida para se informar com conteúdos sobre COVID-19.
As empresas de tecnologia também protagonizaram a ajuda no combate à propagação do vírus pelo aproveitamento dos dados dos usuários. O Facebook, por exemplo, co-criou Mapas de Prevenção de Doenças de COVID-19 junto com pesquisadores, destacando zonas de propagação do vírus nos Estados Unidos, enquanto o Google e pela Apple desenvolveram um aplicativo que ajuda governos, autoridades de saúde e usuários ao identificar, pelo uso da tecnologia de Bluetooth, a aproximação ou o contato dos usuários com alguém infectado.
Apesar das iniciativas dessas e outras empresas e de seus propósitos, a confiança dos usuários ainda é um desafio: uma pesquisa da Universidade Maryland e do Washington post revelou que 47% das pessoas não acreditavam que as companhias de tecnologia fizessem uso estrito de seus dados para o controle da pandemia. Ainda assim, apenas 20% das pessoas se recusaria a baixar um aplicativo que fizesse esse tipo de controle de exposição ao coronavírus.
Outro esforço dentros das grandes plataformas, como Twitter e Facebook, foi a criação de dispositivos que alertassem aos usuários sobre a presença de fake news e fornecessem a elas acesso a links confiáveis sobre a doença.
Apesar de questões como notícias falsas e vazamentos de dados não serem novidade, o esforço massivo de combatê-los pode consolidar o aumento da credibilidade dessas mídias. Também pode torná-las ainda mais atraentes para as marcas e iniciativas que tenham o objetivo de informar o consumidor com qualidade, estar presente em ambientes seguros e de crescentes acessos e fazer uso de seus próprios dados para encontrar a audiência e o momento certo para se comunicar – como é o caso da Campanha Compre do Bairro, movimento encabeçado pela Agência 35 para impulsionar o comércio do pequeno varejo que, além de um forte suporte offline, usa dados para segmentar usuários perto desses pequenos empreendimentos. Em última instância, esse momento pode ser um exemplo concreto para o consumidor de como os dados podem ser usados positivamente por empresas e restaurar sua confiança nas grandes plataformas, tornando-as ainda mais relevantes no plano de mídia.
Dados e publicidade
O período de crise também impactou o ecossistema programático de várias maneiras. A criação de filtros para evitar o oportunismo e, mais uma vez, o espalhamento de fake news, foi uma iniciativa que trouxe à tona a necessidade da atenção das marcas para com o Brand Safety, enquanto a própria retração do mercado gerou oportunidades para as marcas testarem essa mídia. mensagens de campanha fossem passada de maneira precisa. Para os parceiros que operam essas campanhas, sobretudo, é um lembrete, da necessidade de criar (ou rever) whitelists e blacklists especiais para as campanhas, adicionando filtros de Brand Safety sempre que possível.
Com a baixa nos CPMs por conta da maior disponibilidade dos inventários programáticos – formatos historicamente caros podem ficar mais acessíveis, como os de vídeo, e mesmo a criação de deals pode ser feita com maior facilidade -, as marcas podem se permitir maior experimentação de formatos para campanhas curtas, sem uma inflação significativa no investimento de mídia. Essa experimentação é uma oportunidade para as marcas descobrirem novas formas de comunicação com o target e mesmo de se fazer presente durante a navegação dele.
Dados e privacidade
Mais um assunto sensível nesse momento é a questão da privacidade. Durante a pandemia, vários governos fizeram uso de aplicativos que usam dados de localização para monitorar aglomerações.
O Google, por exemplo, adotou por um tempo pelo bloqueio de publicidade em páginas onde se mencionava a COVID-19. A medida foi suspensa após o contraponto dos publishers, que se sentiam penalizados pela medida e perdiam inventário útil. Curiosamente, a associação do conteúdo noticioso com a publicidade se mostrou uma preocupação maior para os profissionais de marketing do que para os consumidores – segundo a pesquisa do IAS,os comunicadores tinham ideias claras de quais segmentos deveriam ou não anunciar ao lado de uma notícia sobre a doença, embora 78% dos usuários de internet não se preocupassem com a disposição dos anúncios, ou se sentissem ofendidos por ela. Apesar de ter sido cancelada posteriormente, essa medida mostrou a importância e responsabilidade dos anunciantes em proteger as marcas e fazer esforços extras para que as ações. Em São Paulo, está sendo usado o Sistema de Monitoramento Inteligente (Simi), com dados de localização cedidos pelas operadoras de telefonia.
Apesar de sua relação de desconfiança com as empresas de tecnologia, os usuários confiam bastante nas universidades e nos órgãos de saúde (57%). Eles também se mostram confortáveis (59%) com uma situação em que um aplicativo compartilhe com outras que pessoas que eles foram infectados com o vírus (ainda segundo o estudo do Washington Post com a Universidade de Maryland). Isso pode indicar que, mesmo com um movimento no mercado em prol da privacidade e da transferência do poder sobre os dados do usuários para eles próprios, o conceito de privacidade pode ficar mais flexível, se a contrapartida para o uso dos dados for a sensação de segurança ou controle.
O momento da pandemia é desafiador também para a legislação de dados no Brasil – que foi adiada para 2021, a fim de não penalizar as empresas pelo cumprimento das medidas de isolamento social e dar mais tempo para que elas entrem em conformidade (segundo o Serasa Experian, 85% das empresas ainda não estão prontas para a entrada em vigor da lei). Apesar de, como aconteceu com o GDPR, a legislação ser uma preocupação para o mercado (no primeiro aniversário do GDPR, uma pesquisa do IAB com o Winterberry Group revelou que 52,8% dos profissionais de marketing ainda encarava a legislação governamental como o principal desafio no uso de dados pelas empresas), o atraso da entrada em vigor dessa lei vai proporcionar mais tempo para as empresas se adequarem e buscarem parceiros digitais que também estejam adequados à lei. Esse também será um tempo para se entender – e se discutir – como nunca o valor dessa privacidade, e de criar soluções criativas que continuem atendendo aos consumidores, sem ferir seus direitos.
O mercado de publicidade ainda vai mudar muito, e a situação do coronavírus tornou a necessidade de mudança ainda mais evidente. É hora de repensar, reformular e, principalmente, melhorar as práticas do mercado, aproveitando o momento de incerteza para criar novas práticas e uma publicidade mais eficaz e criativa.
(*) Essio Floridi é Managing Director da Jellyfish Brasil