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De quem é o dado? Por Pyr Marcondes

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De quem é o dado? Por Pyr Marcondes

Os ad blockers são apenas uma pontinha do iceberg. Escondem mais que revelam a real questão em jogo, que é onde começa a ética e onde terminam as necessidades empresariais por resultados e bottom lines positivos. Onde termina a intervenção mercadológica e onde começa a vida particular de cada um de nós, com nossos frágeis dados


20 de outubro de 2015 - 8h29

“O dado é meu e ninguém tasca! O meu CPF é meu. O meu endereço é meu. O meu perfil de consumo é meu. A minha navegação na web é minha. A minha trajetória como consumidor é minha. A minha geolocalização é minha. Minhas preferências de compra e entretenimento são minhas. Tudo é meu e de mais ninguém!

Sim, eu posso dividir tudo isso com você, marca. Sim, eu posso te dar acesso aos meus dados, mas, veja bem, são MEUS dados e não SEUS dados. Sim, posso até entender que isso gera valor para a minha vida. Você, marca, vai poder oferecer coisas que tenham mais a ver com o meu jeito estúpido de ser e eu vou gostar disso. Vou chegar nas coisas que prefiro mais rápido e pode até ser que role um descontinho básico porque eu fui legal com você e te deixei usar meus dados a serviço do incremento da sua performance e do meu engajamento com você.

Mas, vamos deixar as coisas bem claras aqui: não gosto que você fique me mostrando um monte de banners em todo lugar que eu vou na internet só porque você roubou — eu disse ROUBOU — meus dados em algum banco de dados de terceiros por aí. Não gosto disso. Aliás, eu odeio isso. Se toca! Que coisa feia, marca. Se não fui eu que te dei uma autorização clara e direta para você, então você está invadindo a minha privacidade e ponto final. Entendeu?

Outra coisa, não me venha com esse papinho de que não está violando nenhuma norma legal porque você está, sim. Está tomando posse de algo que não te pertence e usando comercialmente a seu favor. Se as leis não te punem, vou punir eu. Vou colocar aqueles bloqueadores de propaganda no meu computador e vou ferrar você. Sacou?

Bom, se não sacou, é bom sacar rápido, porque sua vida vai mudar muito daqui para frente. Eu vou me mexer e só vou conversar com as marcas que, ao contrário de você, me respeitam e que de fato queiram estar a meu lado, na minha vida real, me ajudando de forma prática e de verdade. Sem bullshit! Se cuida, marca. Tô de olho em você!”

A hipotética e irada declaração desse hipotético e irado consumidor contemporâneo serve de provocação para pensarmos um pouco melhor sobre o que nós, gestores de marcas, estamos fazendo com nossas audiências e nossos públicos-­alvo que, ao final, pagam a nossa conta e são a base de vida para tudo o que nossas marcas são e poderão vir a ser. Ou deixar de ser.

Andamos ferrando tudo ultimamente. Desde que décadas atrás nossa indústria começou a captura e manipulação de dados e na medida em que a tecnologia de hacking digital se sofisticou, passamos a entender que nada é limite para nada e que tudo podemos, em nome da nossa eficácia, performance e ROI.

Na verdade, temos sido protagonistas, como a NSA, a agência de espionagem norte-americana, de uma invasão descarada da vida alheia. Nos esquecendo de que a privacidade é essencial para a intimidade das pessoas (da qual não temos direito de participar), a sua individualidade, a integridade de todas as relações humanas, as liberdades mais diversas, de pensamento e expressão, a reputação de todos nós e, numa das pontas dessa cadeia, da democracia. Enfim, a lista é longa de coisinhas básicas que estamos parecendo ignorar em prol do quarter.

Quando um ladrão coloca uma arma em nossa cabeça e nos dá um ultimato do tipo: “Seu dinheiro ou sua vida”, estamos diante de uma situação­ limite em que dar o dinheiro é nossa única opção, em nome da vida. Nem isso muitas companhias e suas plataformas de dados estão dando aos seus consumidores, já que surrupiam informações na moita total, sem dar qualquer aviso ou satisfação a ninguém.

Isso tem que acabar. Mas como e em que medida?

Em seu bastante técnico, mas seminal livro Unauthorized Access – The Crisis in Online Privacy and Security, os autores Robert Sloan e Richard Warner matam a pau quando afirmam: “Eliminar o controle de dados do mundo dos negócios significaria eliminar um sem-número de benefícios, incluindo aí otimização de eficiências, avaliação de crédito, segurança de dados em transações comerciais online, travar a relação digital com os consumidores, reduzir ou eliminar a facilidade de interação entre os negócios e seus públicos. A não ser que desejemos abrir mão de tudo isso, temos de entender o que queremos manter e o que desejamos abrir mão.”

Isso vale para consumidores, de um lado, e empresas, de outro.

Mas os autores vão mais adiante e explicam: “Os algoritmos hoje são tão poderosos que os negócios podem começar a colher dados que não identificam indivíduos inicialmente e, ainda assim, conseguirem perfeitamente saber quem são os consumidores-alvo para uma comunicação específica. Não é preciso saber quem é aquela pessoa, embora aqueles dados sejam efetivamente de alguma pessoa real, no mundo real. Mais que isso, não são necessárias muitas informações para chegarmos à personalização.

Praticamente toda informação é possível de ser individualizada como pertinente a uma única pessoa. Tendo em mente que nossa economia e nossa cultura são hoje totalmente dependentes da transferência digital de informações, ninguém seriamente desejaria propor a restrição total a todo tipo de informação. Limitar não é eliminar.”

Resumindo, é um trade-off. É disso que vamos ter de passar a falar de agora em diante.

Mais que falar, as empresas e marcas vão ter de começar a rever na prática as suas­ hoje permissivas políticas de compliance nessa área, bem como rever seus códigos de melhores práticas digitais. Lembra quando foi criado o Código de Defesa do Consumidor, décadas atrás? Pois é, é disso que estamos falando.

Nas últimas semanas temos visto acirradas discussões em torno dos ad blockers em todo o mundo. ProXXIma foi, no Brasil, um dos veículos a destacar o tema com ênfase, exatamente para chamar a atenção do mercado brasileiro ao assunto, ainda adormecido entre nós, mas que vai mais e mais ocupar as discussões de botequim da nossa indústria de agora em diante. Inexoravelmente.

Mas os ad blockers são apenas uma pontinha do iceberg. Escondem mais que revelam a real questão em jogo, que é onde começa a ética e onde terminam as necessidades empresariais por resultados e bottom lines positivos. Onde termina a intervenção mercadológica e onde começa a vida particular de cada um de nós, com nossos frágeis dados. Dados que, como vimos aqui, são na verdade a expressão binária daquilo que somos, preferimos e amamos. De verdade e na vida real.

Não vai ser fácil abrir mão de tanta coisa conquistada pela tecnologia até aqui. Tanta eficiência e tanta precisão. Tanta mensurabilidade.

Mas tudo isso não estará de fato sendo perdido se nós e nossas marcas pudermos estabelecer uma relação de efetiva confiança com nossas bases, ooops, nossos consumidores.

Uma iniciativa corajosa e admirável nesse sentido veio dias atrás do IAB/US ao lançar o programa Lean (Light/Encrypted/Ad Choice Supported/Non-Invasive Ads) que tem como princípio preservar a privacidade de todo mundo e ainda assim oferecer as vantagens inerentes e indiscutíveis do mundo digital (veja em http://bit.ly/1ZGsOfK).

Dados são gente. E gente merece respeito.

Que tal tentar? 

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