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Doutor, minha filha é um hacker!

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Doutor, minha filha é um hacker!

Criar código deixou de ser uma coisa inacessível e está se tornando algo divertido, lúdico. Virou entretenimento e se popularizou nas gerações nativas no digital


17 de julho de 2015 - 8h40

(*) Por Mauro Cavalletti

As ideias do filósofo Marshall McLuhan sobre o papel das mídias como plataformas de expressão parecem cada vez mais concretas. Para quem não conhece, o cara era um visionário que há mais de 50 anos dizia o seguinte sobre a evolução da TV: “O próximo meio, o que quer que ele seja — será a extensão da consciência —, irá incluir a televisão como seu conteúdo, não como seu ambiente, e vai transformar a televisão em uma forma de arte”. É admirável como naquela época ele já percebia o espaço que somente décadas depois seria preenchido pelo surgimento da web.

No topo de meios cada vez mais poderosos, há anos estamos descobrindo, produzindo e distribuindo conteúdo como se não houvesse amanhã. Criamos gulosamente, como crianças experimentando doces. Geramos e consumimos ideias compulsivamente, liberando um potencial gigantesco de comunicação. Ao contrário de muita gente focada no ruído, eu acredito que o potencial criativo destravado nesse processo é fantástico — fazer vídeos e fotos, elaborar e divulgar nossas ideias tão facilmente nos tornou, no mínimo, consumidores mais críticos e mais seguros do nosso próprio papel. Um dia desses, vi meu filho de 11 anos construindo um edifício vivo no Minecraft, que era na realidade um aparelho digestivo humano em forma de prédio, uma tradução da sua aula de ciências em bloquinhos digitais. Vi crianças da mesma idade reconstruindo as escadarias de Escher, só para ver como funcionaria, vista de todos os ângulos. É apenas um jogo, sem a menor intenção didática, mas eu adoraria ter brincado naquela plataforma antes de ter estudado arquitetura.

O mesmo raciocínio criativo se estende a outra linguagem expressiva — a programação. Criar código deixou de ser uma coisa inacessível e está rapidamente se tornando algo divertido, lúdico. Virou entretenimento e se popularizou rapidamente nas gerações nativas no digital. Para as crianças que estão se alfabetizando agora, dominar a linguagem de código será um instrumental importante na hora em que exercerem suas profissões e sua cidadania. Até lá, o amplo acesso ao mundo digital estará provavelmente resolvido, deslocando a discussão da inclusão social para a divisão entre os que criam tecnologia e os que a consomem, mesmo que a linha que separe um mundo do outro seja cada vez mais indefinida. Logo mais, quando alguém disser: “Doutor, minha filha é um hacker!” o tom poderá ser de orgulho, não de frustração.

Difícil antecipar qual será o papel definitivo das marcas em um sistema de comunicação tão aberto e transparente. As que estão se descolando do bolo sabem que vão continuar oferecendo inspiração, instrumental e plataformas de expressão, enquanto parte de seu público vai continuar gerando conteúdos, tutoriais e formando comunidades em volta dos valores propostos por elas. Certamente, saber comunicar cada vez melhor neste ambiente é a chave: nesta mudança de mentalidade, contar histórias faz parte, ouvir histórias também; oferecer experiências marcantes faz parte, incorporar a atuação do público também. A lista de ganhadores dos Grand Prix no Cannes Lions dá algumas boas pistas de como este ambiente está se configurando. Vale dar uma olhada cuidadosa e crítica.

Tudo indica que a transformação das estruturas de comunicação vai continuar acontecendo na mesma proporção caótica em que geramos mais ideias, criamos mais conteúdos e os circulamos em plataformas mais poderosas. As marcas mais ligadas estão educando seu público ao mesmo tempo que aprendem com ele, numa dança interessantíssima. Como sempre, algumas se sairão melhor do que outras. Mesmo que a nostalgia prolongue nossa ligação com aquelas cuja importância vai se apagando, nada resistirá à força das que viverão conosco nossa melhor parte na história.

(*) Mauro Cavalletti é head of creative shop do Facebook

Esta opinião foi originalmente publicada na edição 1668, de 13 de julho de 2015, exclusivamente para assinantes, disponível nas versões impressa e para tablets de Meio & Mensagem. Nos tablets, para acessar a edição, basta baixar o aplicativo nos sistemas iOS ou Android.
 

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