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Inteligência Artificial, cognição e ciência de dados

Por mais materialistas que possamos ser, as pessoas sempre imaginaram a mente como algo exterior. Entre eu e você, exceto por nossos cérebros, para esta mente aqui digitando neste teclado e para a sua mente aí lendo esta tela, tudo é meio. Incluindo nossas mãos, corpos, computadores na frente de nossos olhos e absolutamente tudo ao nosso redor. Nós aprendemos a construir ferramentas para estender nossos corpos, e agora estamos nessa trip de fazer a mesma coisa para nossas mentes.


9 de abril de 2018 - 8h01

 

 

Por André Vellozo (*)

Sentado em sua cadeira de professor da Carnegie Mellow, Hans Moravec descreveu a cena onde um cirurgião robô descascava, neurônio após neurônio, o cérebro de um paciente. O robô usava sensores para testar, analisar e copiar os dados gravados em cada uma das células. No final desta cirurgia extrema, o tronco cerebral do paciente restaria limpo e sua consciência transplantada para uma máquina. Quase um pesadelo!

Era outubro de 1995, quando a revista Wired publicou o artigo de Charles Platt sobre o “Super Humanismo” de Hans Moravec. De acordo com Hans, em 2040 os robôs se tornariam tão inteligentes quanto as pessoas, e nos substituiriam como a forma dominante de vida no planeta. Ele também afirmou: os robôs irão nos amar.

Eu não sei se Hans fazia referência a um pet-robot que iria amá-lo como um cachorro, ou se ele estava pensando em coisas mais complicadas, como o amor de um pai para um filho. É verdade que para falar de robôs, Hans escolheu dançar com alguns conceitos bem profundos: Inteligência, Vida, Dominância e Amor.

A Inteligência Artificial (IA) existe inteiramente como um aspecto da vida artificial. É artificial porque ao invés de ocorrer naturalmente, é produzida por seres humanos. Trata-se tão somente de mais uma cópia de algo natural. É inteligente porque as pessoas a explicam e aceitam como inteligente. IA é uma representação.

É claro que teremos incontáveis e maravilhosas aplicações para IA, e que elas crescerão significativamente em número e qualidade. Entretanto, este hype ao redor de IA reforça a crença na possibilidade de uma total virtualização da mente, uma ideia antiga que se alimenta do desejo humano por uma mente pura e abstrata. O sonho de se alcançar uma mente onisciente.

Após uma semana de noites mal dormidas entre aeroportos, reuniões e hotéis, acordei no meio da madrugada decidido a experimentar uma pílula para dormir, que a meses habitava o fundo da minha mochila do computador. Aquele tipo de remédio que as pessoas nos oferecem para vôos longos durante conversas aleatórias e que a gente aceita por aceitar. Funcionou. Sono profundo e sonhos malucos. Naquela noite, uma pequena informação mudou minha vida. Não a pílula em si, mas um fragmento daqueles sonhos. Isso aqui é real ou virtual? Jesus! A vida é um sonho ou o contrário? Quanto de realidade existe na virtualidade e vice-versa? De fato, a ciência acredita que para mente não há distinção entre sonho e realidade.

Este nosso desejo atual pela total transparência dos dados, seja por sua granularidade ou por sua velocidade de atualização, só pode ser descrito no abandono imaginário da concretude do mundo sobre sua versão informacional modelada: a troca da realidade pelo modelo abstrato.

Contextos culturais e crônicas tecnológicas estimulam uma fantasia na qual nós humanos somos virtualmente informação e, talvez por isso, pessoas possam existir sem o corpo. Acredita? A informação e a materialidade são mesmo entidades distintas? Isso soa como separar a mente do cérebro. Apoiar essa ideia é aceitar uma hierarquia na qual os dados estão acima e a frente da materialidade e onde a existência física os segue a distância.

Essa possibilidade repetida, cria em nós a crença de que é possível abstrair dos dados as informações necessárias para a compreensão da própria realidade. Nos faz esquecer que estes mesmos dados, granulares ou maciços, podem estar respondendo aos modelos utilizados para a sua captura. Ou ainda, que estes modelos são também abstrações da realidade e que por sua vez reagem de acordo com crenças culturais, filosóficas ou científicas.

A mais bela aspiração para uma possível ciência de dados, é permitir que as pessoas criem, compartilhem e manipulem modelos abstratos movidos por suas próprias narrativas. E assim, tornar possível que se forme uma cognição das abstrações para dar utilidade eficiente aos modelos informacionais da realidade.

Em tempos de Cambridge Analytica e Facebook, é bom lembrar que fica cada vez mais claro que não será no halterofilismo do processamento de dados das infraestruturas de hardware e software, mas sim na nossa capacidade inata de compartilhar abstrações, que o valor dos dados vai realmente aparecer. Mais uma vez, como função biológica da sobrevivência, poder criar modelos mais rápidos e plásticos, que possam ser facilmente combinados, compartilhados e aplicados, será essencial para ajudar as pessoas a navegarem sem medo e naturalmente, entre o real e virtual.

Por mais materialistas que possamos ser, as pessoas sempre imaginaram a mente como algo exterior. Entre eu e você, exceto por nossos cérebros, para esta mente aqui digitando neste teclado e para a sua mente aí lendo esta tela, tudo é meio. Incluindo nossas mãos, corpos, computadores na frente de nossos olhos e absolutamente tudo ao nosso redor. Nós aprendemos a construir ferramentas para estender nossos corpos, e agora estamos nessa trip de fazer a mesma coisa para nossas mentes.

Pílulas para dormir, LSD, terapia, yoga, surfe, corrida, bicicleta, meditação e computação são exemplos dos exercícios mais comuns para expansão da mente. Se o computador é uma bicicleta para a mente, por que você precisaria de uma bicicleta se pode voar? Mesmo assim, se você anda procurando por algo mais forte para estimular sua mente, eu recomendaria a tradução do  Dalai Lama de Estágios da Meditação, escrito por Kamalashila – ou flyfishing.

Expansão da mente pode ser atingida de várias maneiras e em diferentes níveis. Hoje, é fundamental, que as pessoas invistam algum tempo organizando essa ideia do ponto de vista materialista. Já que somos quase todos conscientes de que um dia destes morreremos, acredito que os seres humanos percebem de maneira única o peso da materialidade nos conceitos de “valor” e “significado”. As coisas só têm “valor” ou “significado” para mim, porque sei que vou morrer.

Quanto mais velho eu fico, maior é o meu desejo de permanecer por mais tempo dentro desse corpo. Essa coisa de vida é mesmo muito viciante. Dizem que o apego é a fonte de todo sofrimento. Mesmo assim, eu ainda prefiro manter o meu cérebro bem alimentado e aqui onde ele está, do que transferi-lo para uma máquina. Sim eu sei, como o próprio Hans Moravec se atreveu imaginar, todas as ofertas genuínas de expansão da mente se resumem a nos libertar daquilo que limita nossas mentes. Nos livrar de tudo aquilo que nos prende. Bem, basta apenas ter cuidado para não chegar lá com um crânio vazio.

André Vellozo é sócio-fundador e CEO da Drumwave.
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