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Publicitaricídio

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Publicitaricídio

Nem sempre é preciso investir em publicidade. Causas precisam ser genuínas e verdadeiras. O impacto das campanhas precisa ser real e não apenas para constar nas planilhas.


4 de julho de 2019 - 7h39

 

Por Fábio Sá (*)

Eu tive um chefe (que deixou de ser chefe para virar um grande amigo) que uma vez usou um termo que eu passei a pegar emprestado desde então: o “sincericídio”, aquela sinceridade radical, sem freios nem filtros, que algumas vezes pode provocar um “suicídio” profissional ou social de quem a utiliza.

 

Pois bem, hoje eu vou cometer algo parecido. O “publicitaricídio”. Palavrão horrível, cujo significado deveria ser mais ou menos o seguinte: a morte da  “publicidade pela publicidade”.

 

Antes de mais nada, me permita esclarecer: posso nunca ter trabalhado em agência, mas sou um orgulhoso publicitário. Não só sou formado em Publicidade (grandes merdas, alguns dirão), como também há mais de 15 anos venho exercendo a profissão com orgulho e carinho, ainda que de um outro canto da mesa – o do veículo.

 

Voltemos ao palavrão.

Publicitaricídio. Que cazzo é esse?

 

É uma proposta simples. Tão simples quanto utópica. Talvez tão utópica que seja simples de implementar.

 

Eu, veículo, que vivo das verbas de publicidade dos clientes, proponho que os clientes revisem a sua real necessidade de terem verbas de publicidade. Ou pelo menos de terem verbas de publicidade tão polpudas.

 

Isso mesmo.

Que se questionem: eu preciso MESMO ter uma verba de publicidade? Ou ela precisa MESMO ser tão grande assim? Tipo OBZ, esquema Ambev, de baixo pra cima. Pergunte-se: “Se eu fosse começar a empresa hoje, eu aplicaria quanto em publicidade? Por que? Com que objetivo?”

 

Talvez a resposta seja “zero”.  Ou, sendo menos radical: “muito menos do que os 10% de aumento em relação ao orçamento do ano passado”.

 

Eu não fiquei maluco. Eu acredito pra caramba em Publicidade. Acredito, adoro, admiro, sou apaixonado por publicidade.

 

Mas, num mundo inspirado por causas, por propósitos, por necessidades reais, por um desequilíbrio absurdo entre uma pobreza extrema da maioria e uma riqueza semi-monárquica de tão poucos, eu fico pensando quanta coisa boa poderia ser feita com UMA polpuda verba publicitária de UM anunciante.

 

Vejamos.

Segundo os dados do Ibobe Kantar Midia, somente as 10 maiores agências do Brasil movimentaram uma soma maior do que R$ 30 bilhões de janeiro a dezembro do ano passado. Se é valor tabela ou não, interessa pouco, aqui estamos fazendo somente um exercício hipotético. Pois então: quantos TRPs, clicks, leads, se compram por 30 bilhões de reais? Sei lá, mas estimo que um porrilhão, certo?

 

Mas, sabe o que mais se compra com R$ 30 bilhões de reais?

Algo em torno de 3.000.000 de moradias de emergência, como as que são feitas pelo pessoal da TETO, ao custo unitário estimado (chute altíssimo, aliás) de R$10mil cada uma. Ou seja, podem até ser muito mais moradias do que essas 3 milhões que eu estou estimando aqui.

 

Ou umas 600.000 casas populares ao custo de R$50mil cada. Seiscentas mil casas novas para seiscentas mil famílias necessitadas. Estamos falando do custo de construir uma cidade média inteirinha, novinha, do zero.

 

Sem falar na quantidade de escolas que poderiam ser construídas do zero, ou reformadas. Ou nas milhões de crianças carentes que poderiam ser apadrinhadas. Ou imagina o que R$ 30bi de investimento real, direto, sem o ralo sujo do governo a se meter, poderiam fazer pela ciência e tecnologia desse país?

 

Meu ponto é: tenhamos propósito DE VERDADE. Não só em campanhas lindas e maravilhosas que ganham prêmios. Parabéns por elas, sério mesmo, eu me emocionei com várias delas e acompanho todos os detalhes de Cannes (também) por causa delas.

 

Mas e se, ao invés de comprar um porrilhão de TRPs, clicks, leads, alguns dos maiores anunciantes do Brasil começassem a investir em “propósito”?

 

Imagine só que a Unilever pegue seus quase R$1bi de verba publicitária e invista na “Cidade Unilever”. Uma cidade modelo com saneamento básico, escola de primeira linha, segurança, transporte, tudo o que uma vida digna merece. Os bairros podem ter os nomes das suas marcas, não importa! O impacto real nas vidas dessas pessoas será estupidamente maior do que qualquer métrica (ou KPI, como gostamos de chamar, em bom português) e, no final das contas, é pra isso que estamos aqui, não é? Para termos impacto real nas vidas das pessoas.

 

Muitos dirão: “ah, mas esse é o papel do governo!” “As empresas já pagam impostos altíssimos e já têm vários programas sociais”. Verdade, verdade e verdade. Mas, na boa, gente, o governo é uma metástase, um câncer em estado terminal que só se retroalimenta de corrupção, de esquemas, de podridão. E não estou falando (só) desse governo ou do anterior. É assim há 519 anos. Um dia muda? Tomara, tomara muito. Mas, enquanto isso, nós ficamos olhando, esperando, reclamando? Comprando TRPs e cliques?

 

Que tal agirmos?

Que tal trocarmos aqueles “impactos” que ficam lindos no relatório de pós-venda pro cliente por um “impacto real” nas vidas das pessoas?

 

Olha a utopia aí de novo.

Eu adoraria ver manchetes como:

 

“Unilever para de anunciar e dedica 100% da sua verba publicitária a construir uma cidade-modelo”.

 

ou

 

“Os 10 maiores anunciantes do país decidem se unir para levar o déficit habitacional do país de quase 8.000.000 de moradias para ZERO em um ano – vão colocar suas marcas tatuadas nas paredes de todas as casas, para que todos os brasileiros possam lembrar delas e agradecê-las para sempre”.

 

ou

 

“Procter&Gamble muda de ideia e, ao invés de trocar mídia por conteúdo, vai trocar mídia por educação, fundando e bancando uma escola modelo em cada uma das 10 áreas com menor IDH do Brasil”.

 

ou

 

“A Fiat retira o seu patrocínio à Seleção Brasileira e decide investir na capacitação profissional de mães solteiras nas comunidades carentes mais necessitadas do país”.

 

Pronto.

 

Dei meu tiro no pé, cometi meu Publicitaricídio.

Já podem tacar pedras. Já podem reclamar dos empregos que serão perdidos na indústria. Das agências e veículos que vão fechar.

 

Balela.

 

Sempre haverá Publicidade. Os bons permanecerão, se fortalecerão, já diria Darwin. Já é assim hoje.

 

Quem não manjava nada de digital, morreu há 10 anos.

Quem não manjava nada de Programática, morreu há 2 anos.

Quem não manja nada de Propósito REAL, da nossa missão nessa pedra molhada onde viveremos por no máximo uns 80-90 anos, vai morrer logo menos.

 

Só os verdadeiramente bons sobreviverão.

E transformarão causas reais em oportunidades reais de publicidade. Publicidade boa, real, com impactos de vida, não impactos de powerpoint.

 

Quem tem os cojones pra começar essa onda?

(Ou pelo menos pra começar a falar sobre ela?)

 

(*) Fábio Sá é 90min General Manager Latam/Minute Media

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