ProXXIma
19 de março de 2020 - 19h23
Por David Reck (*)
“Em virtude da repercussão do infeliz título que coloquei inicialmente neste artigo, peço desculpas e esclareço que a única intenção aqui era de, neste difícil momento da sociedade, dar alguma luz de esperança ao mercado publicitário, trazendo questionamentos e alternativas que visassem a continuidade das empresas e operações afim de manter o mínimo de economia ativa e empregos. Não faz parte de nenhuma forma do meu estilo de liderança e dos meus valores pessoais qualquer ação especulativa, quem conviveu comigo ao longo deste 20 anos profissionalmente sabe bem isso. Já passamos por diversas crises, não desta gravidade, mas acredito que ao final iremos superá-la.”
Como fica o mercado anunciante com as pessoas mais isoladas, dentro de casa, mais conectadas, comprando remotamente e consumindo conteúdo midiático a distância? O que muda nas estratégias das marcas e empresas, que passam a migrar verbas de eventos, marketing de ativação, e out of home (OoH), por exemplo, para veículos eletrônicos, como TV, e digitais? Quais as perspectivas para os próximos meses? E como ficará o ano? Quais as dificuldades, e, principalmente, as oportunidades?
Eis algumas das perguntas que o mercado publicitário tem feito em virtude da rápida disseminação da doença, batizada de Covid-19. As respostas, por ora, são turvas. O fato é que a pandemia tem imprimido transformações: impactado a maioria dos mercados, sobretudo os financeiros, que sofreram quedas consecutivas. No Brasil, apenas nos últimos dias, o “circuit breaker” (mecanismo de paralisação de pregões de bolsas de valores) foi acionado diversas vezes – detalhe: após quase três anos sem ativação. Ao redor do mundo, economistas e organizações já alertam para os riscos de recessão global.
No mercado publicitário interno, os impactos, evidentemente, já são sentidos. Anunciantes têm segurado campanhas, ao passo que eventos e ativações estão sendo adiados ou mesmo cancelados. Em virtude das marcas estarem mais cautelosas em relação a investimentos, as previsões de resultados das agências para 2020 passaram a ser revisadas. Com as pessoas mais confinadas, vivenciando novas rotinas de trabalho e convivência, o consumo de mídia também está sendo modificado.
De modo que já era esperado, o uso doméstico de internet cresceu: houve mudanças substanciais no tráfego, que passou a atingir picos de acesso em horários mais cedo que o habitual. A Anatel, inclusive, começa a acompanhar a partir desta quarta-feira, 18, os planos de contingência das principais teles do país (uma atitude tomada apenas em situações de exceção, como agora). A alteração na rotina dos usuários tende a sobrecarregar parte da infraestrutura de internet, mas ainda não há riscos de colapso.
Com base no que ocorreu nos países que foram impactados pelo vírus inicialmente, se estima um tráfego ao menos 25% maior, com as pessoas mais conectadas em suas residências, e em paralelo com a segunda tela consumindo bastante conteúdo televisivo. Porém, ao mesmo tempo, não haverá por ora jogos de futebol, shows, novelas, e programas de auditório para transmitir. Num primeiro momento, o foco estará em programas jornalísticos. No entanto, com a extensão do isolamento, haverá forte demanda por entretenimento. Quem irá produzir? Será que teremos na televisão um jeito mais informal e simples de produções, como já ocorre na internet? E, com isso, as verbas de eventos esportivos serão migradas? Será que, como sociedade, ao final de tudo, avançaremos algumas fases aprendendo a lidar com home office? Com conteúdos mais simples? Com consumo à distancia, e aulas realmente via EAD?
É fato que o novo Coronavírus está transformando rotinas e redefinindo prioridades. É uma crise sem precedentes e não há como saber, hoje, tudo o que vai acontecer. Contudo, é preciso cautela para se tomar decisões mais assertivas. Pessoalmente, acredito que, quando o ápice passar, a vida aos poucos voltará ao normal. Porém, com aprendizados. Já estamos testemunhando isso: marcas reforçando os seus propósitos e valores, adaptando posicionamentos e trabalhando em prol das pessoas.
Exemplos: a Claro, a Oi e a Vivo expandiram seus respectivos pacotes de dados e aumentaram a velocidade das suas bandas largas para todos os clientes. A Globosat abriu 100% dos seus canais pagos, caminho parecido seguido também pela Globoplay, que tornou-se temporariamente “free”. Veículos de comunicação estão liberando os seus conteúdos a não assinantes para manter as pessoas prevenidas e informadas.
Locadoras de carros como a Movida eliminaram a taxa de transferência. A Ambev informou que vai produzir 500 mil unidades de álcool gel para hospitais públicos. O iFood, por sua vez, anunciou a criação de um fundo de R$ 1 milhão para entregadores que estiverem em quarentena ou que contraírem o Covid-19. O Facebook irá investir US$100 milhões para ajudar 30.000 pequenas empresas em mais de 30 países onde seus funcionários vivem e trabalham. São gestos de solidariedade que, ao meu ver, só reforçarão o vinculo das pessoas com essas marcas.
O Google acabou de publicar o estudo “Impactos no Varejo – Covid-19 – Google Retail AIT”, no qual aponta que as indústrias mais impactadas no curto prazo são aquelas que envolvem contato humano, como: alimentação e entretenimento fora de casa, viagens, salões de beleza e academias de ginástica; seguidas pelas indústrias de bens “menos essenciais” ligadas à moda, a cosméticos, ao luxo e ao setor de bebidas. E, por último, os bens duráveis, que serão desarborizados.
Com o fim da pandemia, as indústrias que devem se recuperar mais rapidamente são as de lazer: alimentação e entretenimento fora de casa, além de viagens. Os itens de cuidados com a saúde, alimentação e bebidas serão aquecidos, e a de moda retornará somente ao longo do tempo. Entendo que os próximos 30 dias serão decisivos para que os gestores entendam o cenário, e o quão longo será.
(*) David Reck é fundador e CEO da Reamp