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Será que a crise no Brasil pode ter ajudado as startups?
Se existisse um modelo perfeito, 100% das vezes este modelo iria dizer que não faz sentido empreender financeiramente pela equação risco X retorno
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11 de maio de 2018 - 17h09
Por Lucas Melo (*)
Fundamos a MindMiners no final de 2013 e, de lá para cá, a economia no Brasil passou pela pior crise desde o Plano Real em 1994. Lembro que, em 2015, quando ainda éramos muito pequenos, decidi parar de ler as notícias para não deixar o pessimismo externo influenciar na forma como acreditávamos que seria possível superar os desafios diários que toda empresa possui. O primeiro desafio de uma startup é achar um bom mercado, no qual poderá entregar uma real proposta de valor a seus clientes. O segundo é conseguir escalar essa proposta de valor a múltiplos clientes por meio da tecnologia (tecnologia é meio, e não fim; os clientes compram a proposta de valor, e não a tecnologia).
Empreender é complicado e isso sempre foi, independentemente do cenário mercadológico, mas acredito que vale a reflexão sobre como a crise pode ter ajudado os empreendedores. Vou quebrar esse artigo entre os principais aspectos que compõem uma empresa que está no seu estágio inicial para mostrar como a crise pode ter impactado as startups em cada uma dessas frentes.
Validação do mercado
Validar um mercado é desenvolver um produto mínimo viável (MVP), vender para alguns clientes e esses clientes se fidelizarem com o produto (parece simples, mas demoramos quase quatro anos nesse processo entre erros e acertos — é uma verdadeira maratona). O maior ativo de todo empreendedor é o seu tempo e, num mercado em crise, o empreendedor conseguirá identificar mais rápido se aquela ideia faz sentido ou não. Certa vez tive a oportunidade de receber mentoria de um empreendedor japonês e, entre diversas coisas que falamos, o que ficou marcado para mim foi o que ele me disse no final: “Cuidado pra não deixar acontecer com vocês o que aconteceu comigo. Eu passei dez anos pra tentar montar uma empresa e percebi no final que não ia dar certo por falta de pesquisa e de entender o cenário geral. Foram dez anos para validar a ideia, tínhamos um time muito bom e a economia no Japão estava indo bem, mas, infelizmente, nem isso fez com que o negócio fosse para frente“
Vendas
Ao se fundar uma empresa você acaba fazendo de tudo um pouco, mas atuei (e seguirei atuando) mais na frente comercial da empresa. Sabe aquele ditado que “em time que está ganhando não se mexe”? Então, em tempos de crise, nossos clientes potenciais não estavam ganhando e precisavam mexer, principalmente no seu time e parceiros (fornecedores) para voltarem a crescer. Para quem não sabe, a proposta de valor da empresa é entregar inteligência de mercado com agilidade e de forma acessível, coisa que até então não era possível no mercado de pesquisa. Claro que daria para dizer que o budget dos clientes reduziu na crise, que eles ficaram com menos apetite a arriscar em novos parceiros etc., mas, a verdade é que, se sua solução de fato faz sentido para o cliente, ele enxergará valor e você conseguirá construir ótimas parcerias comerciais, mesmo na crise.
O grande aprendizado aqui foi procurar os intraempreendedores do outro lado, aquelas pessoas que farão o que for preciso para trazer uma solução melhor para dentro da empresa. O maior risco de uma startup no comercial é ter falso positivo, e a crise econômica ajuda a diminuir esse risco. Toda startup precisa conseguir chegar numa proposta de valor must have (precisa ter), e não nice to have (legal de ter) — numa crise se o cliente recomprou seu produto, muito provavelmente é porque seu produto está sendo construindo na direção certa.
Alguns podem pensar que o maior problema de uma empresa no comercial é não conseguir vender, mas não conseguir vender forçará o empreendedor a entender que a proposta de valor está errada — ele não tem uma proposta de valor must have. Para não perder tempo e energia desenvolvendo um produto que não fará sentido no mercado, sempre digo que comercialmente sempre precisamos ter um pouco de vergonha do produto (sabemos que ficará melhor em breve) na hora de introduzi-lo ao mercado, para verificar se realmente atende a necessidade do cliente o quanto antes.
Acesso a capital
Em nossa captação de 2015, escutei de um investidor a seguinte frase: “A crise está selecionando as melhores oportunidades de investimento para mim, investirei na melhor do setor depois da crise”. Fiquei maluco no primeiro momento. Quer dizer que ele quer que a gente faça uma empresa sem capital para depois investir? Quer investir no time que está ganhando de 3 X 0 no segundo tempo? Fiquei muito bravo…. Mas o que só fui entender depois de algum tempo é que aquela adversidade era para todos, não era pessoal, e sim uma estratégia (e que faz total sentido na verdade, seleção natural de Darwin).
Na perspectiva do investidor, ele investe tempo em sua tese de investimento em 1% para a ideia, 29% para validar o time e os 70% restantes para validar o mercado de atuação. Ou seja, pouco importa a ideia, está procurando times brilhantes que conseguirão fazer um negócio escalável em um mercado absurdamente grande. Na crise, as pequenas diferenças se destacam, e assim o empreendedor conseguirá descobrir mais rápido se sua empresa faz sentido ou não. Em palavras mais duras, se o empreendedor não conseguir captar com investidores, muito provavelmente é porque não faz sentido na perspectiva do capitalista. Então, mudanças precisarão ser feitas — quando dou mentoria para empreendedores que estão começando, digo que sempre precisamos trocar com os investidores. Eles nos ajudarão a construir uma empresa que faça sentido para todos os stakeholders.
Construção de time
Algo que me incomoda é o senso comum referente a startups pagarem pouco, como se a troca com a empresa fosse apenas o salário. O salário de todo profissional é definido pelo mercado e pelo próprio profissional (ele pode não aceitar), não a startup. A verdade é que as pessoas estão querendo cada vez mais aprender e são atraídas pela ideia de fazer parte da construção de uma empresa, e não apenas um bom salário. Quem trabalha ou já trabalhou em empresas tradicionais (tirando algumas exceções, é claro) sabe que a curva de aprendizado logo se estabiliza e se acaba fazendo apenas uma pequena etapa do processo. Em outras palavras, cada um deve saber o que procura para o curto e médio prazo. Trabalhar numa startup pode fazer muito sentido, inclusive financeiramente falando, se você achar uma startup que prospere e exista meritocracia. Acredito que a crise econômica ajuda a colocar em evidência aqueles que são intraempreendedores, ou seja, aqueles que não querem assumir o alto risco de abrir uma empresa do zero, mas que são movidos por desafios e fazem acontecer como o fundador da empresa.
Gostaria de encerrar este texto reforçando o que falo nas minhas palestras: se existisse um modelo perfeito, no qual fosse possível imputar todas as variáveis controláveis referente a mercado, competidores, empreendedores etc., 100% das vezes este modelo iria dizer que não faz sentido empreender financeiramente pela equação risco X retorno. Pode ser que alguém leia esse artigo e pense: “Para vocês que conseguiram crescer, é fácil escrever um artigo otimista assim”. Mas penso que a crise ajudou justamente aqueles que não conseguiram crescer. Se o mercado estivesse bom, o empreendedor que percebeu em dois anos que sua empresa não chegaria a lugar nenhum, demoraria dez anos para descobrir o mesmo. Mas, sim, nunca passei por uma experiência tão prazerosa como é viver o crescimento de uma empresa que você começou.
(*) Lucas Melo é co-fundador da MindMiners & MeSeems
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