A força do gender-smart investing no ecossistema de inovação
Investidoras-anjo falam sobre a importância e a potência do investimento em startups fundadas ou cofundadas por mulheres
A força do gender-smart investing no ecossistema de inovação
BuscarInvestidoras-anjo falam sobre a importância e a potência do investimento em startups fundadas ou cofundadas por mulheres
Lidia Capitani
7 de outubro de 2024 - 14h28
“Sempre brinco que o mundo do venture capital é como uma estrada cheia de portões, e cada vez que uma startup precisa captar recursos, ela passa por um deles, onde os ‘guardinhas’ decidem se vão abrir ou não”, explica Erica Fridman, cofundadora da Sororitê, uma rede de investidoras-anjo mulheres. “O problema é que esses guardinhas são todos iguais, com pouca diversidade de visão, então acaba passando sempre o mesmo perfil de fundador e projeto.”
O que Erica destaca em sua fala é a falta de representatividade feminina no ecossistema de inovação. Apenas 19,7% das pessoas que fundaram startups no Brasil são mulheres, segundo o Mapeamento do Ecossistema de Startups de 2023, realizado pela Abstartups em parceria com a Deloitte. Entre as startups que receberam investimentos em 2020, apenas 0,04% eram lideradas por mulheres, de acordo com os dados da Distrito. Já o panorama global demonstra que esse é um problema generalizado. Nos Estados Unidos e na Europa, as mulheres receberam menos de 2% de todo o investimento de venture capital em 2023, como aponta a Pitchbook.
Por esses mesmos motivos, as fundadoras e investidoras dessa área criaram um movimento chamado “gender-smart investing”, em português traduzido para “investimento sensível a gênero” ou “investimento inteligente ligado a gênero”.
“Esse termo tem sido amplamente divulgado pelo IFC, o International Finance Corporation, que é um braço do IDB, o International Development Bank. Eles trouxeram essa agenda com muitos dados, mostrando que investir em mulheres, seja em uma empresa tradicional ou em uma startup, como no caso de venture capital, tem um impacto enorme”, explica Erica.
O movimento também está conectado com a crescente preocupação do mercado em atender a agenda ESG, visando, principalmente, alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Além disso, ele também é uma resposta às pesquisas mais recentes que demonstram como iniciativas fundadas por mulheres dão maior resultado financeiro.
“De acordo com o Boston Consulting Group e a MassChallenge, startups fundadas ou cofundadas por mulheres geraram 10% a mais de receita do que aquelas fundadas por homens ao longo de cinco anos, apesar de receberem menos da metade do investimento”, acrescenta Luana Ozemela, cofundadora da BlackWin, rede de mulheres negras investidoras-anjo, e VP de impacto e sustentabilidade do iFood.
Os desafios das mulheres para navegar nesse ecossistema são diversos. A começar pela falta de investimentos em comparação aos fundadores homens, pois o que está por trás são estigmas, vieses e preconceitos sobre as mulheres empreendedoras. “O investidor sempre tenta minimizar o risco, e, inconscientemente, pode pensar: ‘Será que é mais arriscado investir em uma mulher? Será que ela vai ter filhos? Será que vai dar conta? O marido vai ajudar?’. Essas perguntas nem chegam à superfície, mas influenciam a decisão”, aponta Erica.
Aqui, os vieses de afinidade e de confirmação entram em jogo e definem, muitas das vezes, quem entra e quem sai de campo. “Homens tendem a entender melhor quando outro homem explica algo. A forma de falar e o jeito de se expressar são mais familiares, então eles assimilam a mensagem com mais facilidade. Quando uma mulher fala, especialmente se o tom de voz for mais suave ou as palavras forem mais moduladas, pode parecer que ela não é assertiva ou efetiva, o que não é verdade”, explica Maria Rita Spina, fundadora do MIA, rede de mulheres investidoras-anjo.
Outro problema, relacionado a esses, é a falta de empatia com as teses de startups fundadas por mulheres. “Às vezes, a startup traz um produto ou serviço voltado para o público feminino. E, se o ‘guardinha’ que avalia é um homem, ele pode não entender a relevância da dor que a fundadora está tentando resolver”, aponta Fridman.
Questões periféricas como a falta de inclusão de mulheres em formações das áreas de STEM também interferem na baixa representatividade feminina nesse universo. E, sem representatividade, jovens não conseguem encontrar exemplos em quem se inspirar.
Mesmo com tais dificuldades, as mulheres prevalecem e batalham por maior equidade, tanto em representação, quanto em captação de recursos. As entrevistadas da matéria, por exemplo, são as lideranças que estão movimentando os ponteiros para promover maior inclusão das mulheres entre os investidores-anjo. Suas organizações, tanto a Sororitê quanto a BlackWin e MIA, reúnem mulheres que desejam se tornar investidoras-anjo, com agenda de educação sobre o tema e incentivo à destinação de recursos para iniciativas comandadas por outras empreendedoras.
Além de terem maiores resultados financeiros, investir em mulheres inovadoras traz outros tipos de retornos. “Por um lado, aumenta a equidade de gênero, porque uma mulher em posição de liderança tende a contratar outras mulheres, que por sua vez podem ter fornecedoras mulheres, e assim por diante. Isso cria um efeito em cadeia”, aponta Erica. Ou seja, esse movimento está intrinsecamente relacionado ao avanço do ODS 5, de igualdade de gênero.
Por outro lado, a inclusão feminina também facilita a inovação. “As mulheres trazem uma perspectiva única de mercado, frequentemente subestimada, que pode resultar em soluções inovadoras e diferenciadas. Elas tendem a ser mais cuidadosas na gestão de recursos e focam em empreendimentos com impacto social, criando valor tanto financeiro quanto para a comunidade”, destaca Luana Ozemela.
“Outro ponto importante de se investir em diversidade é que isso nos permite entender o ecossistema de maneira diferente. Mulheres são mais de 50% do mercado consumidor global. Embora os homens possam entender esse mercado, as mulheres trazem um olhar diferenciado, principalmente em setores onde somos as principais tomadoras de decisão de consumo e investimento. Isso ajuda a obter resultados melhores ao investir em startups”, complementa Maria Rita.
Por fim, existe também um fator importante que deve ser considerado pelos investidores, seja investimento-anjo ou de venture capital: a mitigação do risco. “Quando você traz o componente de diversidade, especialmente dentro da matriz ESG, você está mitigando esse risco. O componente social da diversidade é visto como uma forma de reduzir o risco do negócio, e isso, somado a outros pontos, explica por que o tema está ganhando tanta relevância hoje”, acrescenta a fundadora da MIA.
Apesar de recente, o movimento já conseguiu alguns avanços, inclusive no Brasil. A mais recente pesquisa da Anjos do Brasil, organização da qual a MIA faz parte, aponta que a participação feminina cresceu nos últimos anos. Em 2019, as mulheres representavam 7% dos investidores-anjo no país. Já em 2023, elas eram 19%.
“Porém, ainda falta superar barreiras estruturais e culturais que limitam o acesso dessas mulheres à capital, redes de contato e oportunidades de crescimento”, reflete Luana, que destaca a falta de inclusão de mulheres negras neste ecossistema. “O mercado precisa ter a coragem de incluir mulheres negras nos comitês de investimento e proporcionar a elas uma rede de apoio. Com essas duas ações, o setor financeiro poderá aproveitar o talento e o potencial das mulheres negras na indústria de investimento.”
Já na opinião de Maria Rita Spina, o tema precisa ser mais divulgado. “Acredito que é essencial trabalharmos a questão do conhecimento, oferecendo mentoria para potenciais investidoras e futuras gestoras de fundos, para que elas desenvolvam a capacidade de atuar nesse ambiente”, aponta.
O gender-smart investing, entretanto, não pode só depender das investidoras-anjo. Os fundos de investimentos também precisam adicionar a lente de gênero para suas decisões. “Os cotistas precisam pressionar e cobrar mais diversidade. Além disso, os fundos precisam ser mais proativos na busca por startups fundadas por mulheres. Na nossa rede de anjos, por exemplo, nós tomamos a iniciativa de buscar essas fundadoras, mas muitos fundos não fazem isso. Eles esperam que as empreendedoras venham até eles”, provoca Erica.
Outro ponto é a garantia que os processos de seleção dos fundos sejam éticos e transparentes. “Não adianta atrair mulheres empreendedoras e, no processo, elas se sentirem desrespeitadas com perguntas inadequadas ou pessoais, ou que não tiveram a chance de falar da forma que gostariam”, continua Fridman.
O movimento “investimento sensível a gênero” também diz respeito à ocupação de espaços pelas mulheres. “A partir do momento em que você tem um grupo de anjos composto só por mulheres, outras começam a pensar: ‘Ah, eu também posso ser investidora, porque existe um grupo só de mulheres’. E as fundadoras também pensam: ‘Elas só investem em mulheres? Então eu posso ser uma fundadora, porque tem alguém que vai investir em mim’. Ao ocupar esse espaço, a gente começa a movimentar o mercado”, defende Erica. “Para mim, o mais importante é mostrar que qualquer pessoa pode conquistar qualquer coisa, e aos poucos trazer a equidade, garantir que todas as mulheres tenham acesso a oportunidades e autonomia financeira, o que pode tirá-las de situações de fragilidade”, continua.
Para além do gênero, outros marcadores sociais também precisam entrar na conta. “Quanto mais pessoas diversificadas investirem, mais capital estará disponível para empreendedores e empreendedoras, o que resultará em mais soluções inovadoras, melhora da economia, aumento do PIB, geração de empregos e renda, e, no final, uma vida melhor para todos”, acrescenta Maria.
Por isso, as investidoras defendem uma ampliação do movimento, e pensá-lo como “diversity smart investing”. “Ao incorporar o diversity smart investing, garantimos que os investimentos não apenas promovam a equidade de gênero, mas também abordem a sub-representação racial. Isso é crucial porque maximiza os benefícios para os investidores, que podem tomar decisões mais robustas e reduzir riscos, enquanto geram melhores resultados financeiros e sociais para as empresas do portfólio”, conclui Luana Ozemela.
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