Como mudar percepções e desaprender os preconceitos
As mudanças devem acontecer no nível do indivíduo, da indústria, das corporações e do governo, e ainda há uma estrada importante a ser percorrida
Como mudar percepções e desaprender os preconceitos
BuscarAs mudanças devem acontecer no nível do indivíduo, da indústria, das corporações e do governo, e ainda há uma estrada importante a ser percorrida
7 de outubro de 2022 - 11h15
Recentemente me deparei com o trabalho da professora e psicóloga Alice Eagly (2018) em torno de estereótipos e nossas mudanças de percepção ao longo do tempo e fiquei fascinada.
Ela confirma algo que sempre falamos: estereótipos não são aleatórios. Ao contrário, são formados e reforçados nas nossas interações diárias com o mundo.
Uma das principais razões pelas quais estereótipos são tão parte das nossas vidas é cultural, e reside no fato de termos nos acostumado a enxergar a liderança feminina como mais sutil, mais legal, mais boazinha, mais social e com maior quociente emocional. São todas qualidades excelentes, mas que desde os tempos mais remotos não são associadas ao que consideramos a verdadeira liderança: agressiva, que faz acontecer, hierárquica e autoritária.
Com isso, quando sociedades proclamam ter maior equilíbrio entre lideranças masculinas e femininas, muitas vezes elas ainda estão operando dentro de um estereótipo, dando posições de liderança às mulheres em escolas, hospitais, ONGs, instituições que em geral valorizam mais o aspecto social e agregador que a agressividade e o autoritarismo.
A Dra. Eagly esclarece que, apesar de sabermos que deveríamos tratar as pessoas individualmente, ou seja, analisando a sua capacidade e suas competências para então oferecermos uma posição, este não é o modo como atuamos naturalmente. É humano estereotipar, aprendemos a categorizar o mundo para facilitar a nossa interação com ele.
Acrescento aqui que o problema, então, estaria nesse processo de categorização que nos foi imposto por sociedades patriarcais e jamais questionado. Se falam a palavra “pai”, imediatamente vem em mente a figura de um homem. Se dizem “mãe”, a de uma mulher. E a raiz está aí, e não apenas na mudança estrutural e superficial de associar enfermagem e troca de fraldas a homens, e de CEOs e mecânicos a mulheres.
Isso me lembrou de um comentário feito pela psicóloga Dra. Lynn Bufka sobre o fato de entendermos preconceito como um problema do outro, daquele que ataca, e não nosso. Com o tempo, se sofremos o mesmo tipo de preconceito repetidas vezes, começamos a internalizar e desconfiar que o problema esteja em nós, e isso não apenas gera um grande estresse como promove uma mudança de comportamento. Se passamos a vida inteira recebendo do mundo a informação de que não somos líderes, como nos comportar como tais?
De acordo com pesquisa feita pela psicóloga Tessa Charlesworth (2020), nos últimos 13 anos apenas um viés implícito evoluiu positivamente, ou seja, diminuiu: aquele contra gays. Sua queda foi de 64%. Isso significa que o viés implícito e inconsciente, aprendido no decorrer das nossas vidas (como comenta Dra. Eagly), tem um efeito muito menor do que já teve (o preconceito contra gays era um dos maiores em 2007). É uma ótima notícia, prova que é possível desaprender o preconceito e o viés.
É curioso tentar entender a razão pela qual esse viés viu tanta evolução. Uma das pioneiras em pesquisas sobre vieses implícitos, a psicóloga e professora Mahzarin Banaji (2022), comenta que vieses contra raça, mulheres e cor da pele caíram em torno de 25%, apenas. O viés contra a velhice diminuiu quase nada. Contra pessoas com deficiências e contra obesos não se alterou (e se continuarem a esses passos, não há previsão de melhoras nos próximos dois séculos, segundo a doutora).
Na opinião da Dra. Banaji, a grande queda do viés contra gays deve-se a três motivos primordiais: o fato de ter se tornado um assunto pessoal, com gente próxima se declarando gay, e com a escolha consciente da manutenção de laços afetivos com essas pessoas; o fato de a indústria do entretenimento ser aberta a gays, tanto para trabalhar como para serem assunto (personagens de filmes, protagonistas de séries) e por vezes muito mais bacanas e interessantes que os heterossexuais; e o fato de governos começarem a acordar e apoiar as relações homossexuais oficialmente (ela cita o exemplo dos casamentos sendo legalizados).
Se concordarmos com ela que, para haver alteração de percepção (e logo, de comportamento) as mudanças devem acontecer em 3 níveis: do indivíduo, da indústria e corporações e do governo, ainda há uma estrada importante a ser percorrida por mulheres, por mulheres negras, por mulheres com deficiência, por mulheres acima de 50 anos, por mulheres gordas, por mulheres gays. Por todas nós. Fica aqui o convite para seguirmos a jornada juntas, como indivíduos, como empresas e unidas, influenciando governos.
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