Como praticar o “nada sobre nós, sem nós”, quando somos “eles”
Nos diálogos sobre acessibilidade e inclusão, é fundamental que haja participação ativa, validação e protagonismo de quem integra os grupos aos quais essas iniciativas se destinam
Como praticar o “nada sobre nós, sem nós”, quando somos “eles”
BuscarNos diálogos sobre acessibilidade e inclusão, é fundamental que haja participação ativa, validação e protagonismo de quem integra os grupos aos quais essas iniciativas se destinam
16 de maio de 2024 - 12h58
Ao observarmos de perto a maioria das iniciativas voltadas para pessoas com deficiência, como consultorias e palestras sobre o tema, percebemos que o protagonismo ainda é predominantemente concedido a pessoas engajadas e reconhecidas, porém sem deficiências.
Qual é o impacto dessa abordagem na prática?
Imaginem como se sentiriam se chamassem um estrangeiro que nunca viveu no Brasil para palestrar ou dar consultoria sobre cultura brasileira. Mesmo que tenha estudado extensivamente sobre o assunto, seu conhecimento se limita à esfera teórica e não se equipara à profundidade daqueles que são nativos e residem no país.
São nossas experiências, obstáculos e realidades que conferem ao conhecimento uma autenticidade que determina o nível de precisão em relação ao tema e seus desdobramentos.
Essa lógica se estende aos profissionais que vivenciam a deficiência. Nos diálogos sobre acessibilidade e inclusão, é fundamental que haja participação ativa, validação e protagonismo daqueles que integram os grupos aos quais essas iniciativas se destinam.
Por que a representatividade é crucial?
Ao convidarmos pessoas sem deficiência para discorrer sobre questões relacionadas às pessoas COM deficiência, perpetuamos preconceitos, estereótipos e barreiras econômicas que sustentam uma estrutura social excludente.
Considerando que uma em cada onze pessoas tem alguma deficiência no Brasil, conforme dados do IBGE, é alarmante que uma parcela tão significativa da população enfrente obstáculos no acesso à educação, ao mercado formal e à melhoria na geração de renda.
Essa estrutura capacitista está tão arraigada que muitos ainda acreditam que pessoas com deficiência preferem depender do BPC ou LOAS (benefícios de assistência do governo), em vez de buscarem empregos dignos, com oportunidades de crescimento profissional.
Atualmente, 55% dos trabalhadores com deficiência estão na informalidade e representam 23% dos empreendedores no Brasil, segundo o Sebrae. Esses números evidenciam a força produtiva de indivíduos que precisam se adaptar constantemente para superar as barreiras socioeconômicas.
Muitas pessoas que nascem com uma deficiência ou a adquirem ao longo da vida se especializam tecnicamente em áreas relacionadas às suas vivências e sofrem constantemente com a falta de acessibilidade e representatividade. No entanto, oportunidades de trabalho são muitas vezes usurpadas por pessoas sem deficiência, que, além de não terem o conhecimento de causa, acabam por receber os créditos – tanto financeiros quanto profissionais.
Quer um exemplo?
O filme “Na medida certa” narra a história de um advogado com nanismo que se apaixona por alguém sem nanismo, centrando-se nessa experiência. Entretanto, o personagem principal é interpretado por um indivíduo sem nanismo, reduzido digitalmente. Na versão brasileira, o papel de um homem com nanismo foi interpretado por um ator sem deficiência. Situações como essa privam atores como Giovanni Venturini, que tem todas as habilidades e características necessárias, de oportunidades.
A inclusão é um processo necessário apenas quando um grupo é excluído. Por isso, como sociedade, nossa missão é desenvolver novas formas de fazer negócios e, sobretudo, políticas públicas que não deixem ninguém para trás.
Ao contrário de outros marcadores, como raça ou etnia, a deficiência pode ser adquirida (e provavelmente será) por qualquer um, seja por eventos da vida ou pelo processo natural de envelhecimento. Refletir sobre isso nos leva a compreender que a acessibilidade plena é uma necessidade universal, pois autonomia e dignidade são direitos e desejos de todos.
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