4 de outubro de 2022 - 12h19
Por Carol Scorce
(Crédito: Shutterstock)
“Esqueci o não em casa”. Quem se lembra dessa peça publicitária? No carnaval de 2015 essa foi uma das frases de campanha da Skol. Na época, a expressão foi imediatamente reconhecida por um grupo de mulheres – e talvez vários – como reforço a um estereótipo extremamente perigoso, que é o abuso sexual e o desrespeito à autonomia e à liberdade, problema vivenciado especialmente por mulheres. O grupo revidou à campanha nas redes sociais com a frase anexa “e trouxe o nunca”. A crítica viralizou, a marca retirou a campanha de circulação e como resposta criou frases como “Quando um não quer o outro vai dançar”. Qual frase reforça estereótipos e qual rompe com eles? Qual campanha empodera?
Essas são algumas das perguntas que a Aliança sem Estereótipo, organismo da ONU Mulheres, sugere que as agências se façam ao criar uma campanha publicitária. Segundo dados da própria Aliança, são raras, para citar alguns exemplos, as campanhas no setor de turismo – onde as pessoas aparecem em momentos de lazer, aproveitando a vida – cujos protagonistas sejam pessoas negras, ou os comerciais automobilísticos em que a mulher aparece dirigindo, tomando decisões, explicando sobre o automóvel.
O mal que isso pode causar às pessoas, particularmente, e à sociedade como um todo, nós sabemos: reforço de práticas sexistas, violência de gênero, racismo, capacitismo, etarimo, homofobia e toda sorte de preconceito.
Mas se a publicidade tem o poder de reforçar rótulos ruins, ela tem igual poder de impulsionar mudanças positivas, e essas mudanças estão em curso. Se antes nunca víamos a mulher valorizando a sua autoestima, questão central no combate à violência, hoje há cada vez mais peças onde elas estão com a bola toda. Em geral, em campanhas de moda e beleza, setor que tradicionalmente impulsiona o tema.
A mudança vem de perto e de dentro
E é consenso: para contar histórias reais, é preciso ter equidade e diversidade dentro das empresas e agências, e fazer outras perguntas: Quem são os líderes? Qual o perfil das pessoas que tomam decisões? Como é formado o time criativo?
Na multinacional P&G, 31% do quadro de funcionários são pessoas pretas e pardas, e 50% do recrutamento hoje é reservado a pessoas negras. Mas para construir equidade na área criativa, a empresa lançou neste semestre o projeto Cria da Quebrada, que integra o P&G Racial 360. O Cria é uma parceria da empresa com a Miami AdSchool e a Faculdade Zumbi dos Palmares, que dará formação para 30 jovens estudantes negros de publicidade. A ideia é acelerar a carreira desses jovens, e abrir as portas nas agências parceiras depois dessa formação.
“Se a gente quer espelhar a sociedade brasileira dentro da empresa e nas nossas campanhas, precisamos ser intencionais. Criação é sobre repertório, oportunidades, vivências, conhecer uma quantidade enorme de coisas e assuntos ao longo da vida, então nós queremos dar acesso a esses jovens aos melhores cursos, sistema de informação, dados, línguas, para que todos tenham condições de prosperar”, explica Marjorie Teixeira, líder do projeto da P&G no Brasil.
Marjorie Teixeira: “Criação é sobre repertório, oportunidades, vivências, conhecer uma quantidade enorme de coisas e assuntos ao longo da vida” (Crédito: Divulgação)
Equidade dentro das equipes e projetos de aceleração de carreiras e formação de lideranças é a meta de inúmeras agências, principalmente das que já são referência no mercado. A Mynd é hoje um dos raros exemplos onde os trabalhadores são efetivamente diversos, e há equidade de raça e gênero em todas posições. A diretora do RH da empresa, Valéria Nunes, afirma que, além de vontade para mudar esse cenário, é preciso compreender que a diversidade não vai bater à porta.
“Não adianta achar que essas pessoas vão estar no LinkedIn ou na USP. Não vão. Eu realmente espero que em um futuro breve, o mais rápido possível, elas estejam, mas hoje não estão. Você tem que ir buscar em todo canto. Você tem que ir até a realidade delas, trazer para dentro e cuidar”, afirma.
Valéria Nunes: além de vontade para mudar esse cenário é preciso compreender que a diversidade não vai bater à porta (Crédito: Divulgação)
É nessa chave, a do cuidado, que a WMcCann tem investido suas iniciativas para conseguir aumentar a diversidade étnico-racial em cargos de liderança, ação catalisada com o Goma (projeto de aceleração de carreiras do Conselho de Clientes da Meta em parceria com a consultoria EmpregueAfro), com mentoria para os colaboradores negros e negras. Mas não só isso.
Mirtes Reis, especialista em Diversidade e Inclusão da agência, explica que o foco é olhar a diversidade de forma estruturada. “Vemos muita pressa do mercado em trabalhar a pauta, e nessa acaba errando. Não adianta trazer um colaborador para um ambiente que não é seguro”, explica.
Por isso, o projeto trabalha três pilares: Portas de Entrada, Conscientização e Sensibilização e Aceleração de Carreira. Paula Molina, diretora de RH da WMcCann, explica que a sensibilização é um trabalho feito por horas e horas de formação e discussão com todo o corpo de trabalhadores sobre questões de gênero, deficiência física, questões étnico-raciais e LGBTQIAP+.
“Queremos ter um crescimento interno consistente, seguro e potente. Formamos parceria com o Observatório da Diversidade e em breve queremos criar índices para que a gente possa entender como essa mudança interna está refletindo nas nossas produções e no público. Não dá para ficar no achismo. Precisa ser algo científico”, defende Paula.
Em um ponto, todas estão em concordância: não basta ter times diversos, é preciso que essas pessoas estejam nos lugares de tomada de decisão.