O papel de uma líder branca na luta antirracista nas organizações
Ao invés de trazer a já conhecida justificativa do racismo estrutural, volte, reavalie, ouça, pergunte, se desculpe, estude, faça parte da reparação
O papel de uma líder branca na luta antirracista nas organizações
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12 de julho de 2024 - 8h28
Há algum tempo, tenho trazido o termo “antirracista” para o meu vocabulário e também para o meu dia a dia: fora e dentro do escritório, de forma séria e pragmática. Essa certa consciência racial – ainda em construção, confesso – parte de um compromisso social de estar entre tantos na luta por uma sociedade mais justa e igualitária, mas também com o tipo de liderança que eu quero atuar.
O termo, que é um chamado da filósofa Angela Davis e elucidado aqui no Brasil por Djamila Ribeiro, mulher negra, feminista e filósofa, prega que não basta apenas falar “eu não sou racista”, é preciso estar em ação, agir contra o racismo. Aqui, essa movimentação partiu de um questionamento: qual é o meu papel, enquanto mulher branca e líder, na quebra do racismo no meu ambiente de trabalho?
Enquanto buscava soluções, compreendi que um dos erros cometidos por líderes brancos e pessoas brancas no geral, quando o assunto é racismo, é acreditar que essa pauta tão urgente perpassa, apenas, pelo campo da moralidade, já que se assumir racista é quase como validar um ato falho na moral. Logo, se esquivar, sem ao mesmo se questionar, revisitar suas ações, comportamentos e escolhas, tende a ser muito mais fácil.
Assim como é mais simples acreditar no mito da democracia racial, de que não há racismo no Brasil, e no mito da meritocracia, de que todos têm as mesmas oportunidades e acessos. Parece ser uma grande piada de mau gosto, eu sei, mas a banda toca assim há muito tempo. E cabe a nós nos condicionarmos para sair deste lugar, que é infundado, e dessa linguagem baseada na desigualdade.
Essa compreensão me levou a refletir sobre meu papel como líder dentro dessa sociedade e sugiro a você também, pessoa branca, assim como eu, fazer o mesmo. Isso significa que, ao invés de trazer a já conhecida justificativa do racismo estrutural, volte, reavalie, ouça, pergunte, se desculpe, estude, faça parte da reparação. Tudo isso atrelado à seguinte pergunta: de que modo eu propago atos racistas e como, de forma prática, eu posso mudar isso?
Reconhecer que estamos em lugar de conforto é uma das principais instâncias. Seguimos, e não de hoje, insetos de indagações, exercendo o direito à vida, ao mercado de trabalho, à saúde e à educação, ao básico, do qual a maioria da população (pessoas negras são 56% da sociedade) demora anos para alcançar ou não alcançam. Me reconhecer nesse lugar de privilégio, mesmo com as adversidades que vivenciei, me aproximou, ainda que minimamente, das raízes do preconceito – não na pele -, e isso me apontou para o tipo de mudança de que quero fazer parte.
Costumo dizer que o meu propósito de vida é a equidade de gênero, auxiliando outras meninas e mulheres a alcançarem os seus sonhos, algo que, de certa forma, está intrinsecamente ligado ao meu trabalho na Unilever, no campo de cuidados pessoais. Enquanto o mundo corporativo do qual faço parte me leva, muitas vezes, para um círculo de semelhantes, resolvi seguir pela marca da diferença.
Me atentar à equidade de gênero, de forma diversa e inclusiva, me fez olhar para profissionais que partem de configurações diferentes da minha. A luta contra o racismo, portanto, é construída também por uma visão interseccional. A interseccionalidade aponta que as mulheres negras, por exemplo, enfrentam opressões múltiplas, acentuadas pela dualidade do racismo e do sexismo. Isso significa que suas experiências são diferentes e até mais frequentes do que as já enfrentadas por mim.
Um exemplo disso é o acesso à educação. Segundo dados de uma pesquisa do IBGE, de 2022, enquanto o número de mulheres brancas que estudam era de 39,7%, a taxa de frequência de mulheres negras era de 27,9%. E essa desigualdade – também identificada no mercado de trabalho, na renda e na representatividade política – está relacionada ao fato de que mulheres negras dedicam mais tempo a tarefas domésticas e cuidados de pessoas.
Outros dados apontam que mulheres negras ocupam apenas 4,7% dos cargos de liderança nas 500 maiores empresas do país, segundo pesquisa do Instituto Ethos. Enquanto líder, fechar os olhos para estas questões não é uma opção. O intuito não é se colocar como salvadora, mas sim como aliada da causa. É apoiar e amplificar vozes, não assumir o protagonismo, mas contribuir com a luta que tira as pessoas negras de posições subordinadas.
Creio que não exista uma receita mágica para a quebra do racismo e também sei que não vou acordar amanhã com essa problemática resolvida. É preciso muito estudo e formação. Artigos, livros, documentários e podcast que abordam a temática só me enfatizaram o que já era e sempre foi importante: o letramento e a descolonização dos nossos saberes são essenciais. Sueli Carneiro, bell hooks, Chimamanda Ngozi e Beatriz Nascimento oferecem perspectivas valiosas.
As organizações e sua funcionalidade são um reflexo da sociedade, nos apontando todos os dias, o quanto, na verdade, pouco evoluímos. Quando me questionam sobre, gosto de trazer essa reflexão sobre revisitar, mas também gosto de enfatizar que este assunto deve ser também debatido por pessoas brancas.
Dizer que não nos beneficiamos desse sistema é me silenciar frente a uma realidade que nega existências. Na contramão deste cenário, o meu papel é me colocar em uma posição de escuta, possibilitar que novos talentos nasçam e que sejam valorizados, isso fazendo parte da construção de programas de inclusão e diversidade, para além do quadro e de forma contínua.
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