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O que está por trás dos estereótipos de relacionamentos irreais?

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Opinião

O que está por trás dos estereótipos de relacionamentos irreais?

É crucial ter um olhar atento e ampliado para o que o comportamento digital no Dia dos Namorados representa na sociedade


12 de junho de 2025 - 16h05

(Crédito: Shutterstock)

Vivemos em um mundo altamente conectado, em que as redes sociais se tornaram vitrines de comportamentos, estilos de vida, opiniões e formas de se relacionar que, de certa maneira, ilustram cotidianos pouco conectados com a realidade.

Durante datas comemorativas, como o Dia dos Namorados, nossa timeline fica repleta de demonstrações de afeto, amor e carinho entre os casais, com fotos, cenários e lugares representados, muitas vezes, por imagens cuidadosamente tratadas. Isso seria um problema por si só? Não, não seria.

No entanto, é crucial ter um olhar atento e ampliado para o que esse comportamento representa em uma sociedade “acostumada” a atribuir à mulher a responsabilidade pela longevidade dos relacionamentos, e por garantir o ‘belo’. Não só por meio da estética física, mas também através do amor romântico.

De acordo com levantamento do Global Overview Report 2024, 5,04 bilhões de pessoas navegam por redes sociais no mundo, sendo 46,5% mulheres.  Paralelamente, de acordo com dados recentes do Digital Report 2024 Brasil, estima-se que os brasileiros passam uma média de 3 horas e 37 minutos por dia nas redes sociais. Isso significa que adultos jovens passam um tempo significativo, interagindo com conteúdo que, de certo modo, contribuem e influenciam suas percepções cotidianas e interações humanas.

Neste sentido, qual o tamanho e quão real são as expectativas colocadas principalmente em relação às mulheres? Isso influencia significativamente a forma como as pessoas se relacionam, pois grandes expectativas são criadas, muitas vezes baseadas nas imagens e narrativas idealizadas que as redes sociais divulgam. Esse processo acaba reforçando comportamentos e padrões estruturais relacionados aos papéis tradicionalmente atribuídos a homens e mulheres nas relações afetivas.

A “estética” dos relacionamentos que vemos representados nas redes sociais apresentam formas muitas vezes idealizadas, com uma convivência relacional que beira à “perfeição”. Mas isso tem um custo, e quem o paga, muitas vezes, são as mulheres, que, em busca dessa idealização, renunciam a sua autoestima e, por vezes, a própria existência, o que mascara ou dificulta o reconhecimento de relacionamentos não saudáveis.

Um dado alarmante corrobora essa afirmação. De acordo com a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher do DataSenado e do OMV (Observatório da Mulher Contra Violência), ambos do Senado Federal, que traz a mais longa série histórica com mulheres sobre violência doméstica no Brasil, disponível nos dados do Mapa Nacional de Violência de Gênero, 18% das mulheres entrevistadas não se reconhecem vítimas de violência de maneira espontânea. Elas somente apontaram a vivência após serem expostas a situações que a caracterizava. Isso quer dizer que as mulheres têm dificuldades em reconhecer sinais de violência quando estão vivendo seus relacionamentos.  

Fatores que podem explicar essa dificuldade em nomear as violências passam pelos aspectos culturais que sustentam e naturalizam esses comportamentos. Além disso, culturalmente é direcionando um peso muito maior sobre as mulheres. Na manutenção das relações, elas são frequentemente colocadas no papel de garantidoras do afeto, emocionalmente disponíveis, compreensivas e impecavelmente bonitas, levando à imposição de padrões estéticos e comportamentais. Enquanto isso, homens são exaltados por gestos mínimos e simbólicos de afeto ou parceria, o que reforça uma ideia desigual do que é esperado de cada gênero em um relacionamento.

Essa dinâmica se agrava quando conteúdos em redes sociais, aparentemente inofensivos, normalizam o ciúme excessivo, o controle e a dependência emocional como sinais que representam o “amor verdadeiro”. As pessoas jovens, especialmente meninas adolescentes, podem crescer consumindo este tipo de publicação e serem impactadas por esse tipo de narrativa, o que leva à distorção da visão sobre o que é saudável em uma relação afetiva. A constante comparação com influenciadores e casais idealizados pode levar à frustração, baixa autoestima e até à tolerância com comportamentos abusivos em nome do amor romântico idealizado.

Viver relacionamentos saudáveis passa por reconhecer que o amor real não se resume ao que se vê nas timelines disponíveis nas redes sociais. Lembro aqui uma frase de Beatriz Accioly, antropóloga brasileira com atuação destacada nas áreas de gênero, direitos das mulheres e políticas públicas: “O amor não é só o que se fala ou o que se sente, mas o que se faz”. Boas relações estão vinculadas ao diálogo, ao respeito, ao carinho, à confiança e ao bem-estar mútuo. Isso não quer dizer que existe a garantia de felicidade ininterrupta, mas a certeza de um convívio cheio de harmonia e afeto.

As redes sociais continuarão presentes em nossos dias, mas a influência exercida deve permitir que mulheres e homens vivam amores reais e saudáveis. Iniciativas públicas e privadas também podem contribuir com a conscientização sobre o tema, como a cartilha lançada pelo Ministério Público de São Paulo chamada #NamoroLegal, que oferece orientações sobre como identificar e lidar com relacionamentos abusivos, especialmente voltada para jovens mulheres, ou o Instituto Natura, que oferece um guia de bolso com dicas valiosas para essa vivência.

Construir relações mais justas e afetivas é um passo fundamental para transformar a sociedade. 

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