Planejamento não serve pra nada. E é chato pra cacete.
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Meio & Mensagem
29 de novembro de 2013 - 10h30
É isso mesmo. Pode ficar revoltado, confuso ou pê da vida. Mas é assim que você deveria encarar o Planejamento Estratégico. E olha que eu amo o que faço. Mas fique tranquilo, continue produzindo esse monte de mesmices sem sabor, pois a criação – que é quem está na linha de frente do tiroteio – vai dar um jeito de entregar algo bacana. Afinal, esses caras não podem se esconder atrás de ninguém. Em uma época na qual a criação é malhada pela falta de pertinência estratégica, prefiro a resignação da autocrítica sobre o desafio de fazer um trabalho estratégico relevante e excitante. Se eu fosse você, acordaria todas as manhãs e pensaria desta forma: planejamento não serve para nada, a menos que eu encontre um caminho que instigue o pensamento criativo da agência e seja relevante, talvez até inovador, para o negócio do cliente. Além disso, aceite que sua tia gorda de calcinha bege provocaria mais tesão em seus colegas e clientes do que os seus keynotes e ppts. Encare o fato de que você precisa ser conciso, preciso e impactante ao expor algo. Acorde todos os dias com essas duas facas no pescoço, e eu garanto que você terá muito mais chances de fazer um trabalho excelente! Essa é a provocação que levo diariamente ao meu time, aos meus alunos da ESPM e a mim mesmo. É uma provocação e tanto, eu sei. Mas penso que forçar a tinta naquilo que pode ser o pior no que fazemos é uma forma de me manter alerta na busca do oposto, de um trabalho estratégico relevante e criativo. Em tempo: se até o momento você ainda não entendeu a sutileza da provocação ou a carga de ironia das palavras acima, é melhor desistir desse texto e também da profissão. Explico a seguir.
Tentar enxergar no lado escuro da lua.
Eu era um jovem jornalista no começo da carreira tentando ganhar algum espaço na redação da revista Trip. Até que, certo dia, não sei bem por que, Paulo Lima, publisher e um dos fundadores dessa revista, me chamou em sua sala e me disse que, para emplacar uma boa matéria, eu deveria ter uma coisa em mente: com as mãos côncavas uma ao lado da outra, como se girasse um globo imaginário na tentativa de localizar um ponto específico, Paulo me disse que a Trip sempre busca um ângulo inusitado para um assunto que as revistas, inevitavelmente, abordariam da mesma forma. E é esse pensamento que deve valer para o nosso trabalho de planejamento. Não só no que diz respeito ao insight criativo, como também em relação à forma de analisarmos o problema do cliente. De maneira geral, ver as coisas sob um ângulo diferente – e pertinente, claro – deve ser um filtro e uma obsessão no dia a dia dos planners, já que estratégia e criatividade são uma coisa só.
E de onde vem essa capacidade da revista Trip de ver a partir de ângulos diferentes? Na minha opinião, não há uma fonte específica – é, antes, uma questão de cultura de pensamento. Cultura formada por meio de anos de amadurecimento, debate e experimentação. Cultura de quem se joga na vida, de quem vai aonde ninguém normalmente vai. De quem roda por aí e vê coisas que não são vistas comumente. É assim que também deve ser o Planejamento Estratégico em uma agência, acredito. Não um departamento, mas um hub cultural em que os planners possam trocar experiências, um lugar com um mínimo de tempo para refletir e aprender. Um hub conector das diversas disciplinas da agência e das pessoas, um promotor da mistura cultural. Aliás, o planner deve ser um hub em si, uma pessoa socialmente orgânica, generosa e curiosa a respeito das diferenças. Ou, então, não será um bom profissional; será apenas uma pessoa fechada em convicções pré moldadas.
O difícil é, como planner, ser um pouco de tudo: ir da criatividade ao pragmatismo dos resultados, do entendimento das pessoas à estratégia de negócios, por exemplo. Não dá para ser bom em tudo, claro. Mas, por favor, tenha consciência de que seu planejamento não pode entregar uma commodity como produto final – ou o seu trabalho não servirá para nada. O desafio é virar o tal globo imaginário de Paulo Lima e achar um ponto inusitado e com sentido para o desafio que está na sua mesa.
Semântica faz a diferença.
Saiba que não basta achar esse ângulo interessante se você é um chato. Ninguém vai querer te ouvir. E, nesse quesito, subestimamos o poder da semântica. Oras, eu não escrevi um título “porrada” à toa neste artigo. Fiz isso para você chegar até aqui. Novamente cito a Trip, a revista sempre teve um uso astucioso da semântica. Bom exemplo era o título de uma pequena coluna que trazia seus furos de reportagem e as pautas que estariam somente meses depois nas demais revistas: “Dar antes é mais gostoso”.
Existem apenas duas formas de falarmos de algo: a chata e a interessante. A mais instigante das estratégias pode soar como uma suruba coordenada por um burocrata se contada de forma insossa. Desenvolver a capacidade de contar boas histórias não pode ser uma habilidade apenas da criação. É responsabilidade do planner também, principalmente para que a sua estratégia seja compreendida e, de preferência, gere excitação. Prefiro ir a um dentista sádico sem usar anestesia a ver um ppt entediante (bem, e qual não é?). Em uma apresentação, o planejamento são as preliminares e a criação é o orgasmo. Somos aquela passada de mão-boba na altura certa, a frase maliciosa com a pressão correta, somos a obscenidade com apuro.
Por fim, quero dizer que não é fácil ser um planner excelente. Trata-se de um exercício diário, como alguém em rehab que precisa superar-se dia após dia. Demanda muita autocrítica e certa insatisfação constante com o que é produzido. Mais ou menos como Walter White, personagem de Breaking Bad, tentando chegar a seus cristais azuis. Mas quando conseguimos um produto bom desse jeito, ele é realmente de explodir a cabeça. Let’s cook, bitch!
Fernando Diniz, jornalista, Head of Strategic Planning e Social Media da F.biz
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