2016: O ano da pós-verdade

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Opinião

2016: O ano da pós-verdade

78% das pessoas utilizam as redes sociais para se informar mas apenas 6% confiam totalmente na veracidade das informações


19 de janeiro de 2017 - 0h00

Foto: Reprodução

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Todo final de ano, o dicionário Oxford elege um termo que resume o período. “Pós-verdade” ou “circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influentes para determinar a opinião pública do que apelos a emoções e crenças pessoais” foi a expressão que melhor resumiu 2016. O debate tomou força especialmente após a eleição do presidente Donald Trump, sobre a qual especula-se que uma onda de notícias falsas estimulou a rejeição à candidata Hillary Clinton.

Apenas a notícia infundada e improvável de que o papa Francisco havia apoiado Trump foi compartilhada mais de 1 milhão de vezes. E um estudo divulgado pelo site BuzzFeed mostrou que nos três meses que antecederam as eleições americanas, as 20 notícias falsas mais amplificadas nas redes sociais tiveram engajamento 20% maior (8,7 milhões de curtidas, comentários e compartilhamentos) do que as 20 notícias verdadeiras (7,3 milhões).

Outras vítimas, além do papa Francisco, sofreram com o tema. Indra Nooyi, presidente da Pepsi, foi alvo de uma campanha de boicote após uma falsa entrevista sua, criticando o presidente eleito, circular nas redes sociais. Na verdade, Nooyi nunca declarou sua posição política e apoio a nenhum dos candidatos.

No Brasil, o tema também ganha destaque. Notícias fabricadas ganham ares de verdade e espalham-se com uma facilidade incrível nas redes sociais. A pesquisa Consumo de Notícias do Brasileiro, realizada em parceria entre a Advice Comunicação Corporativa e a BonusQuest, que entrevistou mais de mil pessoas em todo o País, aponta que 42% admitem já terem compartilhado notícia falsa nas redes sociais. O índice é bem expressivo e preocupante, uma vez que o indivíduo só tem consciência de ter disseminado algo equivocado quando entra em contato com a notícia verdadeira. Ou seja, esse número pode ser potencialmente muito maior, pois algumas pessoas podem nem saber que disseminaram uma notícia falsa.

Um estudo da Universidade de Stanford com cerca de 7,8 mil estudantes mostra que os jovens entrevistados são incapazes de avaliar a veracidade de informações nas redes. É preocupante constatar que 80% não diferenciam entre notícias reais e conteúdo patrocinado e 40% confiam em informações questionáveis publicadas por fontes desconhecidas

A era digital chegou e, junto, alguns malefícios ligados ao poder da disseminação, potencializado pela instantaneidade das mídias sociais digitais. A grande maioria (78%) utiliza as redes sociais para se informar. Apesar do uso, o índice de credibilidade é o menor entre as mídias. Apenas 6% dos usuários dizem confiar totalmente no que veem na rede, 26% confiam parcialmente e 11% desconfiam totalmente. Com isso, 39% dos respondentes têm o hábito de sempre checar a fonte da informação. Mas, será que é suficiente?

Um estudo da Universidade de Stanford com cerca de 7,8 mil estudantes mostra que os jovens entrevistados são incapazes de avaliar a veracidade de informações nas redes. É preocupante constatar que 80% não diferenciam entre notícias reais e conteúdo patrocinado e 40% confiam em informações questionáveis publicadas por fontes desconhecidas.

Isso impulsiona a indústria do clique fácil. Alberto Betto Silva, criador dos sites Brasil Verde Amarelo, Em Nome do Brasil e do Pensa Brasil, com mais de 2 milhões de acessos diários, declarou à revista Veja que as “denúncias” chegam por e-mail ou WhatsApp, mas “cabe às autoridades do País apurar se a informação é certa ou errada”, isentando-se da responsabilidade.

Em meio a tanta controvérsia, o Facebook anuncia uma séria de iniciativas assumindo sua responsabilidade como distribuidor de conteúdo. Entre elas, a parceria com instituições de checagem de notícias, botão de denúncia de notícias suspeitas para usuários e limitação de promoção de links duvidosos na rede para restringir o alcance de notícias falsas.

Paralelamente, acadêmicos, jornalistas e empresas de mídia criaram o Projeto Credibilidade, inspirado no Trust Project dos Estados Unidos, com o objetivo de debater o tema e criar ferramentas que certifiquem conteúdos confiáveis.

Apesar da grande disseminação das redes sociais, ainda vemos um expressivo número de entrevistados que indicam obter informações por meio de jornais impressos e online, dos portais de notícia e TV e rádio, o que demonstra uma preocupação na credibilidade da fonte

Quando o excesso de informação pode gerar muita dúvida, a fonte ganha relevância para a credibilidade. Nesse sentido, algumas constatações do estudo Consumo de Notícias do Brasileiro são positivas. Apesar da grande disseminação das redes sociais, ainda vemos um expressivo número de entrevistados que indicam obter informações por meio de jornais impressos e online, dos portais de notícia e TV e rádio, o que demonstra uma preocupação na credibilidade da fonte, uma vez que esses veículos possuem tradição em apuração jornalística, produzem conteúdo a partir do comprometimento com a veracidade dos dados e com os processos e métodos jornalísticos.

Os jornais, impressos ou online, são utilizados por 82% dos entrevistados para se informarem. É o mais confiável, com 70% dos participantes indicando a credibilidade desse meio de comunicação, sendo que 24% confiam totalmente. Apenas 2% desconfiam das informações divulgadas pelos jornais.

Os portais de notícias são usados por 90% dos pesquisados. A confiança, nesse caso, é de 65%, sendo que 18% têm total confiança nesse formato de divulgação de notícias e apenas 1% desconfia da veracidade dos fatos retratados nos portais.

O bom jornalismo legitima a democracia e não pode morrer, apenas precisa encontrar uma maneira mais eficiente de financiá-lo. Vale lembrar ainda que, em um cenário pós-verdade, é preciso estar especialmente atento ao que se lê e compartilha.

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