Verdades e nossas entidades

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Opinião

Verdades e nossas entidades

Indústria da publicidade no Brasil chegou aos 200 anos com a ajuda de instituições que arquitetaram sua estrutura e, embora com perfis diversos, elas, agora, precisam entender que estão todas no mesmo barco da colaboração


24 de outubro de 2022 - 16h00

Crédito: Shuttestock

 

Se não existissem entidades na indústria do marketing e da comunicação, a indústria do marketing e da comunicação não existiria. Como indústria. Seria um bando de empresas erráticas, sonambulando negócios aleatórios. Não ia rolar.

 

Foram, são e serão, sempre, as entidades que deram, dão e darão arquitetura estrutural a esta indústria e a todos nós que, como mariposas em torno da luz, gravitamos ao seu redor.

E somos muitos milhões, dentro e fora do setor. Em verdade, é a sociedade inteira, porque esta indústria está em todas as partes na vida das pessoas.

Como me disse Mario D´Andréa, Presidente da ABAP, para este texto: “Poucas atividades são capazes de multiplicar riquezas para o país e empregos para as pessoas como a publicidade brasileira”.

Na verdade, nenhuma outra, meu querido Mario.

Estudo do CENP feito em 2021 ainda sib a gestão do Caio Barsotti, revelou que a cada real investido em pubkicidade, são gerados outros R$ 8,54 no PIB. Que indústria faz isso? (Link para o estudo lá no final, obrigado Regina Augusto pela fonte.)

Resultados semelhantes teriam sido obtidos em levantamentos análogos se realizados em qualquer país de economia aberta.

 

Um pouco de história, para quem imagina que o presente nasceu hoje

Antes de entrar na maior DR entre entidades ocorrida em nosso mercado, essa diáspora mais recente que todos vimos acontecer, vou aqui convidar você a entender como e porque somos fruto de processos, de como nosso ideário não foi criado originalmente por nós e que nossa realidade atual não é filha de chocadeira.

Tive a honra de ter sido co-autor de um livro que todos na indústria deveriam ler, não porque co-escrevi, mas porque ele acabou se constituindo no tempo, na verdade, em um dos mais relevantes documentos da nossa história, e que se chama “200 Anos da Propaganda no Brasil”. Leia de novo e veja bem … 200 anos. Muitas escolas ainda o adotam, porque ele segue sendo único em seus registros.

Meu co-autor tinha já falecido quando co-escrevi com ele parte do livro. Era o Ricardo Ramos (sim, filho do Graciliano Ramos), brilhante jornalista, cronista, escritor de 12 livros, redator e diretor de criação de várias agências do mercado, Diretor da ABAP e professor de propaganda da ESPM e da Cásper Líbero. O Ricardo, que tive oportunidade de conhecer ainda vivo, a convite do Meio & Mensagem, havia escrito um livro que registrava a história da nossa atividade desde 1800 até os anos 1970.

No aniversário de 25 anos do Grupo M&M, eu editor lá, Salles Neto e Sérgio Borgneth me convidam para escrever uma segunda parte, uma atualização, que acabou cobrindo dos anos 1970 a 1995. (Hora dessas alguém precisa escrever o trecho destes últimos 30 anos faltantes, embora o documentário imperdível do João Daniel, “30 segundos”, que podemos assistir no HBO Max, dê lá já sua excelente contribuição para este trecho faltante).

Ou seja, no melhor estilo das promoções da propaganda, quem lia o livro, pegava um, mas levava dois.

Pois bem. Na página 62, o Ricardo escreveu o seguinte, relatando os fatos que destacava dos anos 1960: “Fundação da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA). De início, funcionou pouco. Mas depois engrenou. Ultimamente, desde que vem se ocupando do novo sistema de remuneração das agências, virou uma espécie de frente única do que será talvez a plataforma (futura) dos clientes: exigência por serviços mais diversificados por parte das agências. Essas novas áreas de interesse são, principalmente, as pesquisas, os controles de programações, os levantamentos da concorrência e a avaliação dos resultados da propaganda”.

Agenda pouco diferente, em essência, da ABA de hoje.

Esclarecendo melhor esse “novo sistema de remuneração das agências” a que ele se refere, na página 63, o Ricardo manda lá: “A mudança no sistema de remuneração das agências rege agoa que os antigos 17,65%, inspirado no estilo padrão nos EUA, passaram a ser 20%. Não foi uma passagem tranquila, mas feita com sangue, suor e lágrimas”.

As discussões sobre as taxas de compensação (e seus movediços critérios)  eram já tema de debates então. Já quentes, como destaca o Ricardo. E, essencialmente, em pouco diferentes dos de hoje.

Pulemos para a página 146, num salto de 20 anos, para um trecho agora já escrito por mim: “Nenhum empresário do setor publicitário admitiria a qualquer jornalista, mas o fato é que, em 1991, a livre-negociação entre os anunciantes e suas agências era a grande verdade comercial do mercado. Defendendo como podiam (como fazem até hoje) o vigor da validade da Lei 4680, que estabelece os 20% e 15% como as taxas fixas de remuneração das agências, as lideranças tapavam o sol com a peneira. Ninguém mais – ou muito poucos – adotavam esse critério como prática. Era muito mais um patamar, a partir do qual se negociavam novas taxas. Todas para baixo, claro. A Lei 4680 continua vigente. Mas é só uma piada”.

Escrevi isso em 1995.

 

Leapfrog para o presente: a desigualdade na base da cadeia

Algo que estamos cansados de saber, mas muitas vezes parecemos ignorar, é que, estruturalmente, a cadeia de valor da nossa indústria é constituída por elos com poder econômico desiguais. E isso não vai mudar nunca. Está no nosso genoma. O crime de desconsiderar essa premissa é ser naive. Alguns poderiam chamar de estupidez, mas eu jamais diria isso.

Ao longo dos anos, notadamente nos últimos 20, nossas entidades foram se encarquilhando. Criaram para si mesmas vetustas verdades estatutárias, regulatórias e codificadoras ocas de realidade e distantes da complexidade evolutiva do mercado, dos negócios e da recorrentemente disruptiva sociedade contemporânea.

Além disso, foram criando agendas proprietárias, como se nossa indústria fosse um arquipélago de ilhas soltas num oceano qualquer e não um continente.

Pois só existe uma verdade definitiva: não há ilhas. É tudo uma cadeia só. Todas essas entidades vão ter que se entender como elos de uma só cadeia unívoca, que se fortalece quanto mais se entrelaça. E quebra inteira, se um elo, unzinho só, se separa ou se rompe.

Não deixei claro o suficiente, mas vou corrigir meu erro aqui e agora: o mais relevante fato histórico de uma trajetória de 200 anos da publicidade no País é a Auto-Regulamentação.

Setores auto-regulamentados são mais consistentes, resilientes, eficientes e sustentáveis no tempo. Para todos os elos da cadeia.

E vem chumbo por aí.

Seu guardião é o CENP, só que não. São também todas as entidades e todos os players da indústria. Cada um de nós.

 

Sinergias em marcha

O CENP vive nova fase sob a presidência do Luiz Lara e a nova diretoria executiva ocupada por Regina Augusto.

O Luiz me disse o seguinte para este artigo: “A transformação do Cenp é um reflexo do mercado. Estamos em um momento de renovação e ampliação do nosso propósito e da nossa própria atuação. Como representantes de todo ecossistema publicitário, queremos ser literalmente um fórum de discussões, e sobretudo sair do perfil fiscalizador e reativo, que marcou a atuação anterior da entidade, para um perfil mais propositivo e emulador das boas práticas. Nossas novas premissas espelham essa missão”.

O primeiro passo desse novo olhar da entidade ganha corpo nas 5 premissas lançadas recentemente pelo CENP, que falam em modelos de negócios híbridos e dinâmicos, transparência e ética, práticas de incentivo que maximizem o retorno do investimento, observância da multiplicidade de players e, por fim, e mais importante, a sustentabilidade das relações do ecossistema.

Por seu lado, usando uma bússola parecida e apontando para um norte comum, o Guia de Boas Práticas do Mercado Publicitário Brasileiro da ABA, feito com a contribuição de 80 lideranças do mercado, defende a não obrigatoriedade de tabelas fixas de desconto e a livre negociação entre os elos, mas não deixa de reconhecer que as agências têm nele fonte relevante de receita e que isso precisa ser preservado.

Essa “nova” ABA, se é que podemos chamá-la assim, presidida por Nelcina Tropardi (sem jamais esquecer aqui o reconhecimento ao trabalho histórico da Sandra Martinelli como Presidente Executiva da entidade) tem bem claro seu propósito: “A ABA exerce sua vocação para o protagonismo colaborativo e a sua missão de divulgar e estimular iniciativas inspiradoras e boas práticas para apoiar as lideranças do mercado de marketing avançando para a conquista de um ecossistema mais ético, responsável, justo, robusto e pujante. Para isso, acreditamos na construção conjunta como caminho para termos as melhores soluções e estamos de portas abertas para o diálogo com outras entidades e o mercado.”

Portanto, todos no mesmo barco da colaboração.

Por seu lado, o Mário, em nome da ABAP, me lembra: “Uma atividade tão poderosa e fundamental como a nossa precisa sempre de diálogos institucionais de alto nível, na procura de manter o equilíbrio econômico e principalmente, encontrar novas formas de manter sua importância social.  Esses diálogos só são possíveis através de entidades fortes e respeitadas”.

Ponto indiscutível e inegociável.

Por fim, mas nunca por último, temos um IAB também revigorado pela nova gestão da Melissa Vogel, que com a sempre competente contribuição e direção da Cris Camargo como Presidente Executiva da entidade, comentou o seguinte para este texto: “Em um momento em que é latente o desejo por boas práticas e responsabilidade social, é muito bom observar a busca por desenvolvimento de cada uma das associações que juntas formam o mercado publicitário e têm um papel fundamental no apoio ao seu crescimento. O IAB Brasil, desde sua criação, lidera as principais discussões sobre a publicidade digital no país, e trabalha pelo seu desenvolvimento sustentável. Apresentamos padrões e boas práticas para o planejamento, educação, criação, compra, venda e mensuração de publicidade on-line com uma visão completa sobre este ecossistema. Ao fomentar o digital, de forma consistente, apoiamos diversos setores da economia”.

Todos esses movimentos e postulados das entidades nacionais mais importantes da nossa indústria merecem aqui não só todo o nosso entusiasmo, como nosso total apoio.

 

Complexidade e Diversidade

As entidades citadas até aqui não esgotam o todo da indústria. A complexidade crescente da cadeia contempla milhares de empresas, que se tornarão mais e mais milhares, oferecendo inovações recorrentes para soluções de marketing e comunicação, num mundo cada vez mais digital.

Essa complexidade, as entidades ainda não conseguiram, apropriadamente, embedar.

Destaco ainda que pela primeira vez na nossa história, temos mulheres na liderança e direção dessas entidades. Um dado de diversidade mais que bem-vindo.

Mas falta abrir portas, janelas, corações, mentes e cadeiras para o oxigênio novo de piercings e tatoos. Falta uma agenda inclusiva de LGBTQIA +. Falta, como me cansei de registar aqui, deixar a realidade e a sociedade participarem de fato e de direito desse game. Como elas são, sem versões fake, em sua integralidade.

Bom, acho que todos concordamos que chega de sangue, suor e lágrimas. Que tal colher os frutos mais que óbvios de uma indústria coesa e forte, com entidades mais fortes ainda, em que todo mundo só sai ganhando?

Faz sentido?

OBS.: Quero destacar publicamente a relevância do trabalho do Caio Barsotti à frente do CENP, como seu presidente executivo por 13 anos. Sua contribuição foi definitiva ao longo desse período, quando, muitas vezes, nossa indústria oscilou para cá e para lá, e a postura institucional do CENP funcionou como um pêndulo inestimável de sustentação. Olhando dessa forma e sob essa ótica, valorizaremos justa e adequadamente sua gestão. Obrigado, Caio!

(*) Para ler a íntegra do estudo do CENP, clique aqui.

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