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Mídia

Digital é de Vênus; impresso é de Marte

Faz parte dos cânones do jornalismo que todo trabalho é remunerado. Mas muitos jornalistas acham natural a cultura da gratuidade da web


26 de abril de 2013 - 11h48

Por Carlos Eduardo Lins da Silva

Quando a revista americana The Atlantic pediu ao jornalista freelance Nate Thayer que fizesse uma versão mais curta de reportagem que ele havia escrito e publicado em outro veículo sobre a viagem do astro do basquete Dennis Rodman à Coreia do Norte, ele perguntou quanto receberia pelo trabalho, e ficou indignado quando soube que o pagamento seria zero.

A editora que lhe havia pedido o texto disse: “Infelizmente, não podemos lhe pagar, mas nossos leitores somam 13 milhões de pessoas por mês”, como se isso fosse compensação suficiente para Thayer, que não achou isso e começou a disparar mensagens furiosas nas mídias sociais contra a Atlantic, uma das melhores revistas de interesse geral dos EUA.

A reação de Thayer gerou enorme polêmica nos meios jornalísticos do país, mesmo depois de ter sido revelado que ele próprio não parece ser nenhum modelo de ética profissional, já que há muitos indícios de que a reportagem que atraiu o interesse da Atlantic continha diversas passagens literais copiadas sem crédito de outra publicação.

É curiosa a reação de Thayer e de muitos que diagnosticaram no incidente mais um sintoma da decadência irreversível dos veículos tradicionais. De fato, faz parte dos cânones do jornalismo, como ele era conhecido até o final do século passado, que todo trabalho profissional deve ser remunerado.

Também é verdade que muita gente, em especial não jornalistas, sempre esteve disposta a escrever para revistas e jornais de prestígio sem ganhar nada (alguns provavelmente até pagariam por isso) com o objetivo de disseminar ideias ou aparecer para o público para, com a exposição, depois conseguir algum tipo de vantagem em negócios ou política.

Por isso, mesmo em caso de artigos como os de convidados em páginas de opinião, a maioria dos veículos sempre fez questão de pagar, ainda que simbolicamente, pelo artigo recebido.
No entanto, Thayer e muitos jornalistas de sua geração, acham natural a cultura da gratuidade da internet, que já lhes soa como um dado da realidade. Muitos jovens não veem nenhum problema em trabalhar sem remuneração em seus blogs, Twitter, Facebook e outros.

Mais do que isso: também consideram banal a apropriação por essas e outras mídias sociais do trabalho de jornalistas de veículos tradicionais. Acham até um absurdo quando esses veículos resolvem protestar contra a divulgação de seu material sem nenhuma compensação financeira por isso.

A Atlantic pediu a Thayer que fizesse uma versão condensada do artigo. Mas dezenas de blogs e de veículos virtuais na internet ou reproduziram o seu texto na íntegra ou o editaram da maneira que quiseram sem lhe pedir autorização. Muitos seguramente ganharam dinheiro com isso, mas Thayer não se incomodou em protestar, como fez com a Atlantic.

Poderia se dizer que a Atlantic tem fins lucrativos e, por isso, tem de pagar por tudo que publica. Pode ser, embora essa revista especificamente esteja longe de poder ser considerada uma potência econômica. Ela deve viver, como muitas outras de seu gênero (mais intelectual)­ na corda bamba permanente do orçamento.

Mas quem é que está no negócio da comunicação e não fatura alguma coisa com ele? Muitos blogueiros recebem subsídios de governos ou empresas pelo que publicam, assim como muitos tuiteiros também. Não há almoço grátis nem há comunicação grátis, apesar da lenda da internet.

Essa lenda, de que tudo que é digital é “do bem” e de graça, e tudo que é impresso é “do mal” e do lucro é lenda mesmo. Mas, embora YouTube, Twitter, Facebook, LinkedIn etc. sejam todos grandes corporações com faturamento e lucratividade muitíssimo superiores aos da Atlantic, Harper’s etc., não falta quem queira trabalhar sem receber para aqueles, mas ficam revoltados quando estes não querem lhe pagar.

Quando o Huffington Post começou a circular, também houve grande controvérsia porque ele não pagava os blogueiros que dele participavam. O problema existiu porque quem estava por trás da iniciativa era uma pessoa polêmica e rica, Ariana Huffington.

Mas talvez não tivesse existido ou pelo menos tivesse tido menos intensidade se o responsável pelo veículo fosse algum jovem universitário de classe média, como era Mark Elliot Zuckerberg quando começou o Facebook. Nem o fato de Zuckerberg ser hoje uma pessoa riquíssima lhe tira o encanto de ídolo do pessoal que vê apenas bondades em tudo que é digital.

No entanto, como demonstra a crise de imagem por que o Google vem passando, pode ser que esta idolatria em relação ao mundo digital não dure para sempre.

Carlos Eduardo Lins da Silva é editor da revista Política Externa e diretor do Espaço Educacional Educare. Este artigo foi publicado na edição 1552 do Meio & Mensagem, de 25 de março.

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