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Opinião

A Copa e o poder desperdiçado do patrocínio

Empresas que se movimentaram para apoiar abertamente a diversidade, ampliaram a contratação de LGBTQIA+ e que têm histórico de campanhas de Pride deveriam patrocinar a Copa?


24 de maio de 2022 - 12h00

“[No Catar] exibições públicas de afeto, seja entre homem e mulher ou de outros casais, não fazem parte da nossa cultura”, comentou Hassan Al Thawadi, secretário-geral do Comitê para Execução e Legado do Mundial de 2022 (Crédito: Shutterstock e Arte M&M)

Em menos de 200 dias, assistiremos à volta da Copa do Mundo. O problema é que ela acontecerá no Catar, um dos 70 países onde é crime ser LGBTQIA+, onde eu, uma mulher abertamente lésbica e andrógina, poderia ser punida com pena de morte apenas por ser quem sou.

Eu jamais arriscaria ir para essa Copa. Mas, se estou escrevendo esse texto no Meio&Mensagem, não é sobre a minha presença nos jogos que quero conversar com você. É sobre a presença das marcas.

Começando pelo começo: como estamos falando de um evento internacional, o Catar obviamente vem sendo pressionado desde o início para responder como receberá o público e os jogadores LGBTQIA+ durante o evento. A pressão já veio do ativismo, do jornalismo e até da própria Fifa. Mas, a verdade é que, até agora, não foi divulgada nenhuma resposta realmente tranquilizadora.

Hassan Al Thawadi, secretário-geral do Comitê para Execução e Legado do Mundial de 2022, por exemplo, comentou que, no Catar, as “exibições públicas de afeto, seja entre homem e mulher ou de outros casais, não fazem parte da nossa cultura, e pedimos que as pessoas respeitem isso. Não mostrem isso em público”.

“Não mostrem isso em público” pode parecer uma frase aceitável para algumas pessoas, ainda mais quando ele contextualiza que isso vale para todos os casais. Mas vale mesmo? A verdade é que não existe simetria entre os diferentes tipos de casais quando só um deles é criminalizado. Além disso, essa é uma frase que esquiva a organização da responsabilidade de criar ações reais para receber com respeito os visitantes LGBTs e que coloca a culpa nas pessoas que não conseguem “se esconder o suficiente” – como eu não conseguiria.

A consequência dessa falta de ação prática já vem sendo vista: uma investigação realizada recentemente pela mídia de países escandinavos revelou que os hotéis recomendados pela Fifa no Catar estão se recusando a aceitar hóspedes LGBTQIA+. Com a aproximação do início dos jogos, pode ser que mais e mais casos surjam e que a gravidade da discriminação aumente ainda mais.

Agora, voltando à presença das marcas: dado o cenário homofóbico e de risco, você acha que as empresas que se movimentaram para apoiar abertamente a diversidade, que ampliaram a contratação de LGBTQIA+ e que têm histórico de campanhas de Pride, deveriam patrocinar a Copa? Não soa um tantinho contraditório? Eu acho que sim. E o problema é que o público também pode achar o mesmo, porque as pessoas esperam mais das marcas e estão aprendendo a cobrar. Vemos isso ano após ano no report global “Trust Barometer”, realizado pela Edelman.

Como estrategista de marca e de impacto, é meu papel trazer uma verdade dura para a mesa: por trás do patrocínio de um evento, está o patrocínio das ideias que aquele evento carrega, normaliza e perpetua. Por isso, se olharmos de forma fria, colocar dinheiro na Copa 2022 e não se posicionar seriamente frente às injustiças pode significar patrocinar a homofobia. É duro, mas é verdade.

E, sim, eu sei que patrocínios trazem muitas vantagens do ponto de vista de negócio – patrocinar a Copa então, muito mais -, que existem marcas que fazem isso há muitos anos e não estão começando agora. Muitas tomaram essa decisão porque patrocinam a Seleção, não porque concordam com o Catar. Acredito até que existam pessoas que questionaram, mas foram voto vencido dentro de suas empresas. Eu entendo tudo isso, de verdade.

Mas, se é para termos marcas tão grandes presentes nesse evento, como construímos algo positivo – para as marcas e para as pessoas – a partir disso?

Existe um poder que hoje ainda é desperdiçado no patrocínio: o poder de pressionar eventos para que sejam mais responsáveis, de impulsionar discussões urgentes socialmente e de combater comportamentos discriminatórios como a homofobia. Colocar dinheiro em algo nos dá também o poder de cobrar. Pode parecer que esse não seja o papel de uma marca, mas é aí que mora a oportunidade de construir histórias ainda inéditas que podem, inclusive, amplificar os resultados.

Ainda há muito espaço para as marcas se posicionarem e eu realmente recomendo que esse posicionamento venha antes da crise. Afinal, em um mundo onde as pessoas estão preparadas para cobrar e onde toda crise recai sobre as patrocinadoras, se adiantar também é estratégico.

Faltam menos de 200 dias para a Copa do Mundo. E, agora, enquanto finalizo este texto, é Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia. Eu não sei quais campanhas serão veiculadas hoje e nem quais estão sendo criadas para Pride, mas, se eu puder dar uma sugestão: olhem para o poder desperdiçado pelas marcas na Copa. O case está pronto e a gente agradece.

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